O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) em Brasília manteve, por unanimidade, o arquivamento da ação de improbidade contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) sobre o caso das “pedaladas fiscais”. Nas redes sociais, diversas postagens alegam que a decisão inocentou a ex-chefe de Estado e invalidou o impeachment. O Estadão Verifica consultou especialistas em Direito para entender se isso é verdade.
Por que o TRF-1 arquivou a ação? A decisão inocenta Dilma e outros beneficiados? Veja abaixo as respostas aos principais questionamentos encontrados em publicações e buscas no Google.
O que decidiu o TRF-1 e por quê?
O colegiado da 10ª Turma do TRF se reuniu para julgar uma apelação do Ministério Público Federal (MPF) contra decisão de 1ª instância que arquivou a ação contra os acusados em 2022. O MPF acusava de improbidade administrativa Dilma, o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o ex-presidente do Banco do Brasil Aldemir Bendine, o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho e o ex-secretário do Tesouro Arno Augustin.
O Tribunal decidiu que Dilma e Mantega não poderiam responder nos termos da Lei 8.429/92 – que dispõe sobre casos de improbidade administrativa –, porque já foram responsabilizados por meio da Lei 1.079/50 – a qual define os crimes de responsabilidade. Dessa forma, para evitar que fossem sancionados duas vezes por ações similares, o TRF-1 decidiu que Dilma e Mantega não precisariam responder pelas “pedaladas fiscais” após deixaram os cargos no governo.
Em 2018, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o Presidente da República não deveria estar à mercê do sistema de dupla responsabilização. Assim, uma vez que Dilma já havia sido julgada pela Lei 1.079/50, conhecida também como Lei do Impeachment, não poderia ser duplamente responsabilizada pela Lei de Improbidade Administrativa.
O Tribunal entendeu ainda que as condutas de Dilma e Mantega não configuram os ilícitos previstos na lei de improbidade, com as alterações que foram introduzidas pela Lei 14.230/21. Guilherme Amorim Campos da Silva, advogado e professor da Faculdade Autônoma de Direito (Fadisp), argumenta que a nova legislação não autoriza que se impute improbidade aos agentes públicos e políticos como conduta genérica.
“É preciso individualizar as condutas de cada um e a intenção de causar prejuízo ao interesse público. Como nada disso ficou demonstrado, entenderam que a ação foi rejeitada de forma correta já na primeira instância”, explica.
O arquivamento da decisão inocenta Dilma?
A advogada Vera Chemim, mestre em Direito Público Administrativo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), entende que o TRF-1 sequer julgou se Dilma é inocente ou não. O Tribunal, com base na decisão do STF, alega que, enquanto presidente da República, ela não poderia ser duplamente responsabilizada. “Houve uma extinção da ação, sem resolução de mérito. Não é uma questão de inocentar, e sim de caráter formal e processual”, explica.
Guilherme entende que a decisão pode ser interpretada como inocência de Dilma. Ele argumenta que, no âmbito do Poder Judiciário, em relação à ação de improbidade, “inexiste qualquer conduta dolosa provada em face da ex-presidente”, ou seja, não se provou que ela agiu intencionalmente. O especialista em Direito do Estado explica, ainda, que o Ministério Público ainda pode apresentar recursos, mas com chances cada vez mais remotas de reversão.
A ação invalida o impeachment sofrido pela ex-presidente?
Nas redes sociais, publicações têm utilizado o arquivamento da ação para invalidar o impeachment sofrido pela ex-presidente. Para Vera, não existe relação entre os dois fatos. “O TRF simplesmente decidiu que, em razão da decisão do STF, ela não pode ser responsabilizada, agora, por improbidade administrativa”, explica.
A especialista destaca ainda que a decisão do TRF, no âmbito desta ação, foi com relação a um possível enquadramento de Dilma na Lei de Improbidade Administrativa. Mas, no passado, a ex-presidente já havia sido responsabilizada pela Lei do Impeachment.
Da mesma forma, Guilherme ressalta que não existe correlação entre a decisão de arquivar a ação e o processo que levou ao afastamento da ex-presidente. “O processo de impeachment é político-jurídico, próprio, constitucional, com previsão na Constituição Federal e em legislação própria, e já esgotou seus efeitos”, diz.
O que foram as pedaladas fiscais?
Reveladas pelo Estadão em 2014, a “pedalada fiscal” se refere à prática do Tesouro Nacional de atrasar, de maneira proposital, o repasse de dinheiro para bancos – públicos e privados – e autarquias, como o INSS.
O objetivo do Tesouro e do Ministério da Fazenda era melhorar artificialmente as contas federais. Dessa maneira, ao deixar de transferir o dinheiro, o governo apresentava despesas menores todos os meses. Consequentemente, “enganava” o mercado financeiro e especialistas em contas públicas.
As “pedaladas fiscais” serviram para embasar o pedido de impeachment de Dilma, que foi apresentado em outubro de 2015 pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal. O documento pedia a saída da então chefe do Executivo, sob a acusação de que ela cometeu crime de responsabilidade ao editar três decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso Nacional e atrasar o repasse de recursos do Tesouro a bancos públicos para pagamento de programas sociais.
Em 31 de agosto de 2016, Dilma Rousseff foi definitivamente afastada do cargo da Presidência. O processo de impeachment tramitou na Câmara e no Senado Federal. Durante todo o percurso, o STF acompanhou o caso.
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