A greve dos caminhoneiros mostrou mais uma vez o impacto das ondas de desinformação nas mídias sociais. Rumores infundados sobre intervenção militar, renúncia do presidente e atos de violência agravaram e estenderam a crise. Este e outros episódios mostram que já não cabe à imprensa apenas relatar e analisar os fatos, mas também desmentir e conter a disseminação de conteúdo falso com potencial nocivo para a sociedade.
Para colaborar neste esforço, o Estado vai monitorar redes sociais e checar se alguns dos textos, vídeos e fotos mais compartilhados são inverídicos, distorcidos ou descontextualizados. As conclusões serão publicadas no blog Estadão Verifica.
"Há 143 anos garantimos a seriedade e qualidade do conteúdo que produzimos", disse João Caminoto, diretor de Jornalismo do Grupo Estado. "Mas isso já não basta, temos que também monitorar e expor o fluxo de notícias falsas que infestam as redes e que podem causar danos à sociedade. O Verifica será mais um serviço às nossas audiências nesses tempos nos quais as fake newstransitam e crescem velozmente na Internet."
O conteúdo será produzido por um grupo dedicado de jornalistas, coordenado por Daniel Bramatti, editor do Estadão Dados. Em um primeiro momento, a equipe vai verificar o conteúdo anônimo ou sem autoria oficial que circula nas redes. Após um treinamento sobre metodologia e melhores práticas, haverá também a checagem de declarações de candidatos, governantes e outras pessoas públicas sobre aspectos relevantes do cenário nacional.
Com base no grau de veracidade ou ausência de compromisso com os fatos, cada declaração receberá uma "nota", expressa em uma escala de um a quatro "pinocchios". Essa gradação é a usada na sessão "Fact Checker" do jornal Washington Post, publicada desde 2007, uma das iniciativas nas quais o Estado se inspira.
O Pinocchio- boneco de madeira cujo nariz cresce quando conta uma mentira, segundo a história infantil criada pelo italiano Carlo Collodi- também recupera capas históricas do antigo Jornal da Tarde, do Grupo Estado, que em 1982 publicou em diversas edições imagens de Paulo Maluf com o nariz dilatado, apontando inverdades do então governador.
Além de analisar a veracidade de boatos e declarações, o Estadão Verifica vai publicar reportagens sobre o fenômeno das desinformação nas redes, análises e entrevistas com pesquisadores.
Para especialistas, a disseminação de informações falsas pode representar uma ameaça à estabilidade social e à própria democracia. Os efeitos de rumores plantados e amplificados por agentes desestabilizadores na mais recente eleição presidencial norte-americana ainda estão sendo medidos, mas há indícios de que eles beneficiaram o republicano Donald Trump e podem ter sido decisivos para sua vitória.
Uma das principais pesquisadoras sobre o fenômeno da desinformação nas redes sociais é Claire Wardle, diretora do First Draft, centro de estudos ligado ao Shorenstein Center da Universidade Harvard. Ao analisar a eleição nos Estados Unidos, ela classificou sete tipos de informações problemáticas que circularam nas redes.
Um deles é a sátira ou paródia, conteúdo que é criado sem intenção de causar dano, mas que tem potencial para enganar. Há o conteúdo enganoso, que distorce determinada informação em torno de questões ou indivíduos, o conteúdo impostor, quando há imitação de fontes genuínas, e o conteúdo inventado, que é 100% falso, criado com o objetivo de enganar e prejudicar.
Há ainda itens que promovem falsas conexões, nas quais as manchetes, as imagens e as legendas não representam o que está dito no texto. O falso contexto ocorre quando conteúdo autêntico é misturado a dados contextuais distorcidos. Por fim, há o conteúdo manipulado, no qual imagens ou informações autênticas são alteradas com a intenção de enganar.
Nem todas as informações falsas são compartilhadas nas redes com más intenções. Muitas pessoas apenas repassam o conteúdo que reafirma suas convicções ou alerta para problemas que as preocupam. Mas, para Claire Wardle, é preciso conter as reações instintivas. "Da mesma forma que nos dizem que é preciso esperar 20 minutos antes do segundo prato de comida, para que o cérebro sincronize com o estômago, o mesmo é verdade com as informações", escreveu ela, em artigo sobre o tema. "Talvez você não precise esperar 20 minutos antes de clicar no botão de compartilhar, mas dois minutos é provavelmente adequado."
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