Vídeo sobre expropriação de terras no Rio Grande do Sul é de 2023 e não tem relação com enchentes

Entrevista do senador Luis Carlos Heinze circula fora de contexto; ele falava sobre a homologação de terras indígenas na cidade de Vicente Dutra, mas, desde então, moradores e agricultores não saíram da área

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Atualização:

O que estão compartilhando: que o governo Lula expropriou terras em Vicente Dutra, no Rio Grande do Sul, em meio às enchentes no Estado.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Circula no WhatsApp como se fosse atual uma entrevista que o senador Luis Carlos Heinze (Progressistas-RS) concedeu à Jovem Pan News em 15 de maio de 2023. Naquela época, o governo federal assinou a homologação de seis terras indígenas, dentre elas a do Rio dos Índios, localizada em Vicente Dutra. Na entrevista, o senador gaúcho disse que os imóveis localizados dentro da demarcação da terra indígena haviam sido expropriados. No entanto, desde a homologação, moradores e agricultores não indígenas continuam no local graças a uma ação judicial.

Vídeo do senador Luis Carlos Heinze do ano passado circula como se fosse atual Foto: Reprodução/Instagram

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Saiba mais: Circula no WhatsApp uma entrevista concedida no dia 15 de maio de 2023 por Heinze na qual ele afirma que protocolou um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para suspender a homologação de uma terra indígena em Vicente Dutra. “Um problema sério reiniciou agora, no último dia 27 de abril [de 2023], quando o presidente Lula assinou seis decretos de expropriação de terras”, afirma o parlamentar na entrevista.

No WhatsApp, o vídeo circula junto com uma mensagem que sugere que jornalistas não estariam divulgando o fato: “vocês sabiam disto? Nem a imprensa, imagine!? Pasmem, olha essa informação, antes das enchentes”, alega o texto.

Vicente Dutra foi um dos municípios listados no início do mês pelo governo gaúcho como em estado de calamidade pública devido às chuvas. No entanto, o vídeo sobre a homologação de terras indígenas não tem relação com essa situação.

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Vídeo de Heinze não é atual

Em 28 de abril de 2023, Lula assinou, durante o encerramento do Acampamento Terra Livre, em Brasília, a homologação de seis terras indígenas. A demarcação prevê uma área de 711 hectares, segundo estima o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), para 53 famílias da etnia Kaingang. Dentro desta área estão a Associação dos Amigos Águas do Prado, um empreendimento turístico, e propriedades rurais.

Foi neste contexto que Heinze protocolou, no dia 11 de maio de 2023, o PDL 148/2023, que pede o cancelamento da homologação da terra indígena, sob o argumento do “direito à propriedade, concedido aos produtores rurais há mais de 100 anos”. De acordo com a assessoria do senador, atualmente o PDL aguarda parecer do senador Cid Gomes (PSB-CE) na Comissão de Meio Ambiente.

Captura de tela com destaque em vermelho para a data da postagem feita no Instagram pelo senador Luis Carlos Heinze da entrevista que concedeu à Jovem Pan News. Foto: Reprodução/Instagram

Quatro dias depois, na entrevista que concedeu à Jovem Pan News, o senador afirmou que a homologação da terra indígena expropriou 70 famílias de produtores rurais e os donos de 192 cabanas de um balneário que movimenta o turismo local. No entanto, até hoje, devido a uma ação judicial, a maioria dos não indígenas permanece no local.

Homologação é alvo de liminar

Em 25 de agosto de 2023, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), publicou a Portaria nº 759, que criou uma comissão responsável por indenizar os não indígenas ocupantes da TI.

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Em 19 de setembro de 2023, a Comissão de Pagamento designada pela Funai esteve no território. A estimativa era indenizar 204 ocupações de não indígenas, incluindo donos de cabanas e agricultores. Na primeira etapa, estava previsto o montante de R$ 6,5 milhões para indenização de 108 ocupações.

Os trabalhos, no entanto, foram interrompidos devido a uma ação judicial. A juíza da 9ª Vara Federal de Porto Alegre, Maria Isabel Pezzi Klein, em decisão liminar, determinou a permanência de moradores -- que fazem parte da Associação dos Amigos das Águas do Prado -- e agricultores, na área demarcada.

Maioria dos não indígenas permanece na área demarcada

O Estadão Verifica entrou em contato pelo WhatsApp com a Associação dos Amigos Águas do Prado. Eles explicaram que desde a homologação o estabelecimento continuou funcionando normalmente.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vicente Dutra, Marcelo Antônio Soares, lidera uma associação dedicada a manter os agricultores no local. Ele estima que, dentro do empreendimento Amigos Águas do Prado, de 184 proprietários de cabanas, nove foram indenizados e, das cerca de 70 propriedade rurais, uma optou por receber da Funai o pagamento das benfeitorias.

O CIMI informou que o empreendimento turístico foi criado em 1981 e que há registro da presença Kaingang na região desde pelo menos 1946. Eles avaliam que a ação judicial visa a obstruir o procedimento de demarcação regularmente realizado. No mês passado, o conselho indigenista denunciou que a prefeitura de Vicente Dutra lançou um edital de contratação de serviços jurídicos para disponibilizar R$ 140 mil para as despesas judiciais dos particulares contrários à demarcação.

Movimento indígena descontente

No mês passado, em 18 de abril, Lula assinou o decreto de demarcação das terras indígenas Aldeia Velha, na Bahia, e Cacique Fontoura, em Mato Grosso. No entanto, o presidente não foi convidado para participar de 22 a 26 de abril da edição deste ano do Acampamento Terra Livre, principal ato do movimento indígena em Brasília. O jornal Folha de São Paulo informou que as lideranças indígenas estão descontentes com o que consideram ser letargia do governo em garantir os direitos dos povos originários. Lula foi convidado para o evento no ano passado e em 2022 quando era pré-candidato.

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O Verifica entrou em contato com a Funai, mas não obteve retorno.

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