É falso que comportas da Transposição no Ceará estejam fechadas por decisão de Lula

Paralisação em estação de bombeamento ocorre desde novembro de 2022, mas não há desabastecimento no Estado

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Foto do author Luciana Marschall
Atualização:

Ao cobrar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que abra as comportas da Transposição do Rio São Francisco, o autor de um vídeo viralizado nas redes sociais desinforma sobre o abastecimento do açude Castanhão, no Ceará, e sobre a seca na região. As águas do Projeto de Integração do São Francisco (PISF) ainda não chegam ao reservatório e, para os governo federal e estadual, não há preocupação quanto à segurança hídrica do Ceará neste momento.

Rio São Francisco não abastece o açude Castanhão. Foto: Reprodu

No vídeo, que circula no Facebook, Kwai e TikTok, um homem se dirige a Lula e pede que o presidente coloque “ordem na casa” e honre os nordestinos que votaram nele, principalmente do Ceará, alegando estar “a maior seca” no Estado em 7 de março. “Não está chovendo no sertão, o (açude) Castanhão está seco, essa represa enorme, mas as comportas do Velho Chico tão fechadas, da Transposição”, diz ele. O responsável pelo vídeo questiona se o presidente quer ver o povo morrer de sede e declara que já chega de ver o gado morrendo na seca. Sobre as imagens, há a legenda “Eleitor do L pede para abrir as comportas da Transposição do S. Francisco”.

Bombeamento está paralisado, mas não há desabastecimento

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Desde novembro de 2022, o Ceará não recebe águas do Projeto de Integração do São Francisco (PISF), mas isso não ocorreu por decisão de Lula. Como já explicou o Estadão Verifica, há uma paralisação na Estação de Bombeamento 3 (EBI 3), em Salgueiro (PE), a 42 quilômetro da divisa com o Ceará.

Segundo o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR), em novembro de 2022, ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL), foram detectadas anomalias no funcionamento de uma bomba e, após análise, em janeiro deste ano foi decidida a paralisação do sistema para conservação da estrutura e segurança dos trabalhadores envolvidos.

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O trecho paralisado atende Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. O MIDR afirma que não há desabastecimento em nenhum dos Estados, porque o objetivo principal do PISF não é abastecer diariamente as regiões. O abastecimento é realizado pelas companhias estaduais de água, por meio da captação do recurso e armazenamento em reservatórios. A infraestrutura da Transposição assegura a disponibilidade, nesses reservatórios, da água bruta aduzida do Rio São Francisco. “Os reservatórios do PISF apresentam capacidade para manter o abastecimento nas regiões atendidas”, informou o ministério.

A distribuição das águas para estes Estados é definida sob demanda através do Plano Operativo Anual (POA) e do Plano de Gestão Anual (PGA). O planejamento para 2023 foi aprovado no mês passado pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.

Conforme explica o governo federal, além de estabelecer os volumes de água disponibilizados este ano à Paraíba e Pernambuco, no Eixo Leste, e a Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, no Eixo Norte, o PGA define, ainda, para quais finalidades de uso as águas da Transposição poderão ser utilizadas, como abastecimento humano e irrigação, por exemplo.

À reportagem, a Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará (SRH) informou que a última transferência de água feita para o Ceará ocorreu em novembro de 2022, ou seja, antes de a bomba ser paralisada, e que a falta da água do PISF, neste momento, não compromete o abastecimento hídrico do Estado.

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Os pedidos do Estado ocorrem, prioritariamente, durante o período chuvoso, pois as transferências de água são feitas pelos leitos dos rios, que nas épocas de chuvas se encontram com água corrente e facilitam o trânsito do recurso hídrico. Isso também faz com que ocorram menos perdas através da evaporação.

O MIDR informou ter acionado o fabricante da bomba e estar atuando para normalizar a situação o quanto antes. A previsão é que a estrutura volte à normalidade até o final de maio de 2023.

Açude do Castanhão é o maior do Ceará e entrou em operação, em 2002. Na foto de junho de 2022, o açude tinha 5,5% de volume de água, o menor desde a inauguração. Foto: José Patrício/Estadão

Águas do São Francisco ainda não chegam ao Castanhão

Outra afirmação enganosa do vídeo é de que o Castanhão deveria estar sendo abastecido pelas águas do Rio São Francisco. Como informou recentemente o Projeto Comprova, coalizão de veículos do qual o Estadão faz parte, o açude não recebe, atualmente, águas da Transposição.

Ele deverá ser abastecido, futuramente, pelo Cinturão das Águas do Ceará (CAC), que conta com repasses federais desde 2013, mas é executado pelo governo estadual. A obra não está finalizada e não faz parte do PISF, mas será a estrutura responsável por levar água do Eixo Norte da Transposição, partindo do reservatório do Jati (CE), até o açude.

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A SRH informou que mesmo que toda a água liberada pelo PISF para o Ceará fosse transferida para o Castanhão, sem nenhuma perda por evaporação ou infiltração, seriam necessários 17 anos para encher o reservatório. Ou seja, esse não é o objetivo da Transposição. “Devemos enaltecer a importância do projeto e de toda água que entra no Estado através dele, mas não é correto associar a ele à segurança hídrica do Ceará”, diz a secretaria cearense.

Seca não afeta o Ceará nesse momento

O homem do vídeo também engana ao alegar que a seca está matando animais e que pode vir a matar seres humanos. O Monitor de Secas, desenvolvido pela ANA, atualizou o mapa em fevereiro com dados referentes a janeiro e mostra que 88,92% do Ceará estava sem seca naquele mês, enquanto 11,08% apresentava seca fraca. Conforme o serviço, houve, inclusive, um discreto recuo da seca fraca na porção central, devido às chuvas acima da média em janeiro. Os efeitos são de longo prazo.

Mapa da Seca publicado pela ANA em fevereiro e com dados referentes a janeiro. Foto: Reproduçãpo

A ANA destacou que desde o início do projeto, em julho de 2014, o Ceará apresentou a melhor condição de seca em janeiro deste ano. Conforme o governo federal, neste início de ano a seca ficou mais branda no Centro-Oeste e no Sudeste e se intensificou no Sul, mas permaneceu estável no Nordeste. Os dados referentes a fevereiro serão disponibilizados ainda neste mês.

Nesta quarta-feira, 15, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos (Funceme) informou que o Ceará apresentava condições para chuvas em todas as macrorregiões até a próxima sexta-feira, 17.

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A Transposição é frequentemente tema de desinformação nas redes sociais. Só em 2023, o Estadão Verifica já checou dois conteúdos alegando falsamente que o presidente tenha desligado bombas e um terceiro afirmando que ele mandou ‘entupir’ barragem para que a água do São Francisco não chegue em Pernambuco.

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