Circulam pelas redes sociais postagens com imagens sobre uma suposta ação de um militar ucraniano que, sozinho, teria conseguido abater diversas aeronaves russas. O autor da façanha seria um soldado desconhecido, chamado apenas de "fantasma de Kiev". A foto e o vídeo compartilhados nas redes, no entanto, foram produzidos no videogame Digital Combat Simulator World (DCS)
Entre os posts de maior alcance, está um vídeo compartilhado no Facebook, que até esta sexta-feira, 4, contava com mais de 2,6 milhões de visualizações. A filmagem mostra uma perseguição entre dois aviões no céu, aparentemente, gravada por um celular na vertical. Após alguns segundos, é possível ouvir um barulho de explosão e, na sequência, uma das aeronaves aparece em chamas, enquanto a outra segue voando. As legendas das postagens fazem referência ao "fantasma de Kiev" e algumas afirmam que ele teria abatido de "5 a 7 aeronaves russas".
O vídeo original foi postado no dia 24 de fevereiro por um canal do YouTube. Na descrição, o autor deixa claro que são imagens do jogo DCS. Ele escreveu: "Esta filmagem é do DCS, mas foi feita em respeito ao 'fantasma de Kiev'. Se ele é real, que Deus esteja com ele; se for falso, eu rezo por mais soldados 'como ele'".
O Digital Combat Simulator World é um jogo de simulação de aviões de guerra da empresa Eagle Dynamics. Em resposta à AFP, a companhia de games confirmou que a filmagem do "fantasma de Kiev" é uma simulação.
A repercussão do vídeo nas redes sociais foi tão grande que, no dia 25 de fevereiro, o perfil do jogo eletrônico publicou uma nota no Facebook pedindo que usuários da plataforma "sejam sensatos e evitem usar o DCS para criar vídeos que possam ser mal interpretados e colocar vidas em perigo", em referência aos conflitos na Ucrânia.
Fotos de caça
Outros posts que fazem referência ao "fantasma de Kiev" -- que posteriormente foram excluídos -- trazem apenas a imagem de um avião. As legendas dizem que trata-se de um caça MiG-29 e listam as aeronaves russas que supostamente foram derrubadas pelo "fantasma". Por meio de buscas reversas por imagem (veja como utilizar aqui), o Estadão Verifica encontrou a mesma imagem do avião em conteúdos antigos, publicados por sites russos e ucranianos (aqui, aqui e aqui).
Usando a ferramenta Google Tradutor, não foi possível identificar qualquer menção ao "fantasma de Kiev" no textos. Os dois conteúdos mais antigos, publicados em 2020 e 2021, repercutem notícias sobre a empresa que fabrica esses aviões e reparos que o governo ucraniano planejava fazer nas aeronaves. Uma notícia do dia 22 de fevereiro de 2022, dois dias antes do início da ofensiva militar russa na Ucrânia, publicada pelo site russo EHB, utiliza a foto do avião apenas para ilustrar a possibilidade de ataques da Força Aérea ucraniana.
Ucranianos incentivam boato
A lenda sobre o "fantasma de Kiev" chegou a ser incentivada pelo próprio governo ucraniano, em uma postagem feita pelo perfil oficial do Ministério da Defesa do país no Twitter. No dia 25 de fevereiro, o perfil Defence of Ukraine como se fosse real. O perfil que compartilhou o vídeo dizia: "O que esse 'craque' ucraniano produz? MiG-29 das Forças Armadas destrói o 'sem paralelo' Su-35 russo".
No mesmo dia 25 de fevereiro, o ex-presidente ucraniano Petro Poroshenko ?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1497293195763408905%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.dw.com%2Fpt-br%2Ffantasma-de-kiev-mito-ou-verdade%2Fa-60954614">publicou no Twitter
De fato, no dia 24 de fevereiro, de acordo com a agência de notícias Reuters, militares ucranianos informaram que haviam abatido ao menos cinco aviões e um helicóptero russso. A Rússia, no entanto, nega essas informações. Em checagem sobre o assunto, a própria Reuters afirmou que não foi possível confirmar se esse suposto ataque ucraniano foi realizado por um piloto agindo sozinho ou não.
O "fantasma de Kiev" também foi alvo de checagens da DW Brasil e da AFP Brasil.
Conflito
Nesta sexta-feira, 4 de março, a ofensiva militar russa sobre a Ucrânia chegou ao 9º dia. Cidades estratégicas da Ucrânia estão cercadas pelo exército russo e, na noite de ontem, 3, a maior usina nuclear da Europa, no sudeste ucraniano, foi tomada pelos militares russos. Acompanhe a cobertura ao vivo do Estadão e o contexto geopolítico da crise.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
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