O que estão compartilhando: que a construção de uma ferrovia em Angola, pela Odebrecht, é uma iniciativa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva.
O Estadão investigou e concluiu que: é enganoso. Lula não tem participação no acordo celebrado entre o governo de Angola e a construtora OEC, antiga Odebrecht. A empresa explicou que a OEC Internacional, sucursal de Angola (OECI, S.A), venceu uma licitação realizada em 2022 e que o projeto da ferrovia não tem financiamento ou garantias de origem brasileira. Despacho emitido pelo governo angolano que autoriza a celebração do contrato da obra não cita o Brasil como um dos agentes do empreendimento.
Saiba mais: No dia 27 de março, foi publicado no Diário da República de Angola um despacho que autorizou a despesa de US$ 1.168.405.370,00 para a construção de 260 quilômetros de ferrovia que ligará a cidade de Luena até Saurimo. O trecho será um ramal do Caminho-de-Ferro de Benguela (CFB), uma ferrovia com 1344 quilômetros de extensão que corta Angola de leste a oeste, ligando o porto de Lobito, na costa atlântica, até Luau, cidade de fronteira com a República Democrática do Congo.
A obra, que será realizada pelas empresas OEC e Bento Pedroso Construções (BPC), é uma das medidas para melhorar o transporte ferroviário previstas pelo Plano Director Nacional dos Transportes e Infraestruturas Rodoviárias, aprovado em 2020.
“Dada a importância estratégica desta malha ferroviária para o país, uma vez que é responsável por permitir o escoamento de cargas de minérios e grãos, o governo de Angola, utilizando do critério de contratação simplificada, convidou várias empresas presentes no país a apresentarem propostas para a execução de 1.500 km de ferrovias, tendo sido adjudicada à OEC o trecho Luena – Saurimo, com extensão de 260 km”, informou a OEC.
Nas redes sociais, a notícia de que a Odebrecht (atual OEC) havia conseguido um contrato bilionário para a construção de uma ferrovia em Angola foi compartilhada de forma enganosa, porque usuários associaram o empreendimento ao governo Lula. “A OEC - Engenharia e Construção esclarece que a informação relacionando o atual presidente brasileiro à obra é falsa e irresponsável”, declarou a empresa em nota. O despacho do governo angolano que autorizou a celebração do contrato de construção do trecho Luena - Saurimo do Caminho-de-Ferro de Benguela não cita o Brasil como um dos agentes do empreendimento.
A confusão feita por pessoas nas redes sociais ocorreu porque no passado, o governo brasileiro financiou empresas nacionais para que elas realizassem serviços e obras de engenharia em outros países. O anúncio da construção da ferrovia em Angola não faz parte dessas operações.
As exportações de serviço do BNDES
De 1998 a 2017, o Brasil financiou a exportação de bens e serviços de engenharia para outros países, via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ao longo de 20 anos, cerca de US$10,5 bilhões foram desembolsados pelo banco para empresas, como OEC (Odebrecht, na época), Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Camargo Correa e OAS. Ao todo, elas realizaram 148 operações em 15 países. Angola foi o principal destino do financiamento à exportação. Aproximadamente 30% do total (cerca de US$ 3,2 bilhões) foram para 84 contratos firmados com Angola.
Entre os anos 2007 a 2014, o BNDES financiou 42 projetos da OEC, em Angola. Para a realização das obras e serviços, a empresa recebeu do banco US$ 2,6 bilhões, que foram totalmente ressarcidos ao BNDES pelo governo angolano. As informações das imagens abaixo foram obtidas pelo painel do Banco, na opção de baixar dados.
Atualização
Após a publicação da matéria, o BNDES e o Ministério dos Transportes de Angola confirmaram que o governo brasileiro não tem relação com a obra. Em resposta enviada por e-mail ao Verifica, o banco alegou não ter conhecimento sobre o projeto da ferrovia e que não há linha de crédito em curso para financiar obras ou serviços em Angola. Também por e-mail, o Ministério dos Transportes informou que orçamento para a construção da ferrovia “será suportado pelo Estado Angolano, que deverá captar os recursos junto ao mercado europeu, ou seja, financiamento externo”.
Na resposta, o BNDES informou ainda que as operações de exportação de serviço de engenharia para Angola entre 2007 a 2014 resultaram em superávit. “Foram desembolsados US$ 3,27 bilhões, convertidos em Reais na data de cada liberação para os exportadores, totalizando, entre 2007 e 2015, R$ 6,5 bilhões. Os pagamentos ao BNDES das parcelas de principal e juros dos financiamentos realizados pelos importadores angolanos, por seu turno, totalizaram US$ 4,1 bilhões (equivalentes a R$ 12,4 bilhões, considerado o câmbio na data do pagamento de cada parcela)”.
O conteúdo que associou a obra da ferrovia ao governo Lula também foi desmentido pelo Boatos.org, pela Lupa, pelo Aos Fatos, pela Reuters e pelo UOL Confere.
Como lidar com postagens do tipo: O financiamento do BNDES para exportação de bens e serviços de engenharia brasileiros é alvo frequente de desinformação. Todos os contratos de financiamentos à exportação de bens e serviços de engenharia estão disponíveis na íntegra no site do Banco. Sobre essas operações, checagem do Verifica mostrou que o PT não doou R$: 14 bilhões para Angola por meio de BNDES e desmentiu que o PT havia concluído 21 obras no exterior. O Projeto Comprova mostrou que vídeo que circulou nas redes sociais reunia dados errados sobre financiamentos do BNDES no exterior durante governos do PT.
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