O que estão compartilhando: Que as bombas da Transposição do Rio São Francisco foram desligadas no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, deixando a Barragem de Jati (CE) sem água, para que a população volte a depender de carros-pipa.
O Estadão investigou e concluiu que: É enganoso. Atualmente, não há fluxo de água descendo pelas “cascatas” da Barragem de Jati, mas o bombeamento não foi interrompido intencionalmente pelo governo Lula para prejudicar a população ou beneficiar donos de carros-pipa. A interrupção foi feita porque foi identificado em setembro do ano passado, ainda no governo de Jair Bolsonaro (PL), um problema na estação de bombeamento EBI-3, que fica em Salgueiro (PE), imediatamente antes da Barragem de Jati, no Ceará. Em novembro, foi detectado que o problema era no conjunto de motobombas da EBI-3, e em janeiro foi determinada a paralisação do equipamento.
Saiba mais: A estrutura em questão tem fluxo em direção aos canais do Cinturão das Águas do Ceará (CAC), uma obra auxiliar que leva água do Projeto de Integração do São Francisco (PISF) até municípios cearenses. “A suspensão (do bombeamento) foi necessária após ocorrência de vibração excessiva, que ocasionou desgaste relevante e prematuro nos rolamentos. A medida foi adotada, visando preservação do bem público e segurança dos trabalhadores envolvidos na operação”, disse o Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional (MIDR), em nota.
Apesar da paralisação no bombeamento, não há problemas de desabastecimento de água para as populações dos Estados atendidos pelo trecho afetado – Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte – segundo MIDR. A Secretaria dos Recursos Hídricos do Ceará (SRH) também informou que “a falta da água do PISF não compromete o abastecimento hídrico do Estado que, devido à boa quadra [chuvosa], se encontra em situação confortável”.
Já a Operação Carro-Pipa é executada pelo Exército Brasileiro e, neste momento, atende a 24 de um total de 184 municípios cearenses – nenhum deles fica próximo da Barragem de Jati.
Diferente do que alega o vídeo aqui investigado, a falta de água nas cascatas da Barragem de Jati não é exclusividade do governo Lula. Em 2020, houve um rompimento na tubulação e 2 mil pessoas que vivem no entorno precisaram sair de casa. Após o reparo, a água voltou a verter no local, mas houve mais interrupções desde 2021. Em fevereiro de 2022, Bolsonaro esteve no local e o fluxo de água foi liberado na barragem após a inauguração da EBI-3, em Salgueiro (PE). De lá para cá, o lugar já esteve sem água outras vezes.
Imagens capturadas pelo Google Street View em outubro do ano passado, por exemplo, ainda no governo Bolsonaro, mostram que não havia fluxo de água no lugar. A cena é bastante semelhante à que aparece no vídeo aqui investigado, supostamente feito em abril deste ano.
Um morador da região vem postando diversos vídeos em um canal no YouTube, documentando quando havia ou não fluxo de água na Barragem de Jati. Nesse caso mais recente, há registros de que a liberação de água foi suspensa em 14 de outubro de 2022 e só voltou ao normal em dezembro.
Depois, já no governo Lula, há imagens feitas no dia 10 de janeiro de 2023 que mostram o fluxo de água correndo normalmente pelas cascatas, até ser suspenso de novo em 20 de janeiro. O dono do canal mostrou o lugar sem água novamente no início de março e início de abril e afirmou que o problema era com a estação de bombeamento EBI-3. Apesar do problema na barragem, ele afirma nos vídeos que não há falta d’água na região por causa das chuvas. Ao Verifica, disse desconhecer que municípios da região estejam usando carros-pipa.
Em outro vídeo, Erivando, dono do canal Erivando Aventuras e Pescaria, documentou as idas e vindas do fluxo de água desde fevereiro de 2021. “Essas paralisações toda a vida aconteceram, no governo anterior e no governo atual está acontecendo da mesma forma. Desde que essa água chegou aqui no estado do Ceará, dia 26 de junho de 2020, ela teve várias paralisações”, disse.
No início de abril, uma equipe do MIDR fez visitas técnicas tanto na Barragem de Jati quanto na EBI-3 em Salgueiro, com a presença do secretário nacional de Segurança Hídrica, Giuseppe Vieira. Na ocasião, o ministério disse que a previsão era que as peças de reposição necessárias ao reparo chegariam ainda em abril e que a previsão era que a estação voltasse a funcionar normalmente em junho.
Em nota ao Estadão Verifica nesta terça-feira, 25, o MIDR informou que “entrou em contato com o fabricante da bomba e solicitou urgência para reparação do equipamento” e que “a pasta tem atuado para normalizar a situação do PISF o quanto antes”.
Apesar do problema no bombeamento, não é correto afirmar que o Ceará ou qualquer outro estado atendido pela Transposição do Rio São Francisco esteja sem água por conta do defeito. Na realidade, como já mostrado em outras checagens do Verifica, a água do Rio São Francisco que corre pelos canais do PISF são importantes para garantir a segurança hídrica, mas não são a única forma de abastecimento diário das populações.
Cada estado tem uma programação anual de demanda de água, que não acontece necessariamente durante o ano inteiro. O Ceará, por exemplo, só demanda água da Transposição no período chuvoso – ou seja, mesmo que não houvesse o problema na EBI-3, o Estado só demandou água da Transposições no ano passado até o mês de novembro e, este ano, a vazão médica demandada vai até julho.
Como lidar com postagens do tipo: Conteúdos sobre a Transposição do Rio São Francisco são alvo de desinformação há bastante tempo: durante o governo Bolsonaro, apoiadores buscaram inflar a responsabilidade do ex-presidente sobre a execução da obra e, agora, tentam criar uma narrativa de que o governo Lula desligou o bombeamento da Transposição para prejudicar a população e fazê-la dependente de carros-pipa.
Agências de checagem vêm desmentindo conteúdos deste tipo frequentemente, e o Verifica já publicou uma série de materiais sobre o assunto (1, 2, 3, 4).
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