Horário em relógio destruído no Planalto não prova ação de ‘infiltrados’; peça está parada há anos

Relógio tem 400 anos e, de acordo com diretor de curadoria dos Palácios Presidenciais, mecanismo não funciona pelo menos desde o segundo governo Lula

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Foto do author Clarissa Pacheco
Atualização:

É falso que o horário registrado pelo relógio de Balthazar Martinot, trazido ao Brasil em 1808 por Dom João VI e destruído no Palácio do Planalto após invasão de golpistas no dia 8 de janeiro deste ano, prove que havia infiltrados no local. A tese infundada começou a se espalhar logo que o Fantástico, da Rede Globo, exibiu imagens no último domingo, 15, do momento em que um homem joga o relógio do século XVII no chão. A câmera de segurança do local mostra que o ataque ocorreu às 15h33 do dia 8 e janeiro, mas o horário exibido no relógio antigo é 12h25. A discrepância ocorre porque o relógio estava parado.

 Foto: Reprodução

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Leitores do Estadão Verifica pediram a checagem deste conteúdo pelo WhatsApp, no número (11) 97683-7490. O conteúdo também se espalhou em postagens falsas e conspiratórias no Facebook, Instagram e Twitter. Segundo os autores do conteúdo, o horário exibido pelo relógio prova que a destruição dentro do Palácio do Planalto acontecia bem antes da chegada dos golpistas, por volta das 15h do dia 8 de janeiro. Isso não é verdade.

De acordo com o arquiteto Rogério Carvalho, que é diretor de curadoria dos Palácios Presidenciais, o relógio não funciona há bastante tempo. “Desde que eu entrei em contato com ele pela primeira vez, no segundo governo Lula [de 2007 a 2010], ele nunca funcionou”, disse. “É um relógio do século XVII, tem mais de 400 anos, não é uma máquina que qualquer pessoa mexa”, desabafou o arquiteto, que também já foi gerente de bens móveis e integrados no Iphan.

A Secretaria de Comunicação da Presidência da República informou que o relógio de Balthazar Martinot está parado há pelo menos 10 anos. “Por essa razão, não há como levar em consideração o horário marcado por ele nas imagens internas do Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro. A Secom esclarece ainda que no segundo mandato do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi realizada a tentativa de manutenção do relógio, sem sucesso, por se tratar de um objeto histórico e de difícil reparação”, diz nota.

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Fotos publicadas recentemente na imprensa, a fim de comparar como era o relógio antes e após os atos de vandalismo, mostram que a peça já foi fotografada exibindo outro horário: 10h35. Não há informações sobre quando as imagens foram feitas, mas é verdade que o relógio tem problemas de funcionamento de longa data: em 2012, o Valor Econômico publicou uma reportagem sobre o fato de o relógio, que estava em um depósito do Planalto, estar prestes a voltar para o corredor do terceiro andar, que dá acesso ao gabinete da Presidência da República. Naquela época, um dos desafios era encontrar um especialista que fizesse o relógio voltar a funcionar, o que, como informou a Presidência, não aconteceu.

Relógio pode não ser recuperado

O relógio destruído no dia 8 de janeiro por um homem que usava uma camisa preta com o rosto e o nome do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode não ser recuperável, segundo a ministra da Cultura, Margareth Menezes. Ela afirmou que a peça, de valor inestimado, pode ter sofrido danos irreparáveis.

A peça foi produzida no século XVII por Balthazar Martinot, o relojoeiro francês da Corte de Luís XIV, da França. Dada de presente pelo rei francês a Dom João VI, que o trouxe ao Brasil, o relógio era uma das duas únicas peças ainda existentes feitas por Martinot. O outro relógio com maquinário do relojoeiro de da Corte de Luís XIV se encontra no Palácio de Versailles, mas tem apenas a metade do tamanho da obra que foi destruída em Brasília. Segundo a TV Globo, uma das dificuldades em restaurar a peça é o fato de ela ser feita em casco de tartaruga com um tipo e bronze que não é produzido há décadas.

A caixa do relógio foi devolvida nesta segunda-feira, 16, ao Palácio do Planalto, mas a máquina ainda passará por uma avaliação. O relatório preliminar feito pelo Iphan nos bens culturais vandalizados aponta que as peças internas do relógio foram recolhidas e catalogadas para um restauro futuro. Segundo o Iphan, o relógio não é tombado.

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Não há informações sobre infiltrados

A tese de que havia infiltrados no local dos ataques vem sendo difundida por bolsonaristas desde as primeiras horas após a destruição nas sedes dos Três Poderes, o que é facilmente desmontado a partir das próprias imagens feitas pelos golpistas que participaram das ações. O Estadão mostrou como os ataques foram premeditados, o que fica evidente pela quantidade de mensagens públicas convocando para a invasão do dia 8.

Além disso, os golpistas produziram imagens de si próprios destruindo as instalações dos Três Poderes e obras de arte, e se vangloriando isso. Na semana passada, o Ministério da Justiça e Segurança Pública disse ao Verifica que não havia informações sobre infiltrados nos atos.

O Verifica também já desmentiu conteúdos falsos nas redes que tentavam emplacar uma tese de que havia infiltrados ligados ao PT no local. Uma bandeira do partido que aparecia em um vídeo tinha sido furtada no local, e não levada para a Praça dos Três Poderes por um infiltrado; um sobrinho do deputado estadual Zeca do PT, do Mato Grosso do Sul, não estava em Brasília, como afirmavam posts, e sim em encontro com a família na cidade de Bonito. Um vídeo com fotos de 33 supostos infiltrados presos em Brasília mostrava, na verdade, homens presos em El Salvador em 2022 e o vídeo de uma emissora de TV também foi distorcido para sugerir a presença de infiltrados.

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