Inalação com vapor é benéfica para vias respiratórias, mas não previne gripe ou covid-19

Vídeo alega que os vírus seriam eliminados pela alta temperatura do vapor, mas especialistas negaram que haja evidências de que a prática tenha eficácia na redução da carga viral

PUBLICIDADE

O que estão compartilhando: vídeo em que um médico afirma que inalar vapor de água fervente todos os dias previne gripe, covid-19 e outras doenças causadas por vírus respiratórios. Sobre a imagem do vídeo há a inscrição: “vírus não aguenta calor”.

O Estadão Verifica investigou e concluiu que: não há evidências científicas de que inalar vapor de água fervente todos os dias seja eficiente na prevenção do vírus da influenza, que causa a gripe, e do Sars-CoV-2, que causa a covid-19. De acordo com pneumologistas consultados pelo Estadão Verifica, o fato de que altas temperaturas podem desnaturar o envelope do vírus e assim diminuir a viabilidade de transmissão no ambiente, não fundamenta a prática da inalação, uma vez que o vírus entra no organismo em temperatura próxima da corporal, que é de 37 graus, e penetra rapidamente nas células. Desta forma, a inalação de água aquecida não é suficiente para causar impacto sobre a multiplicação do vírus no organismo.

Não há evidências científicas de que inalar vapor de água aquecida seja eficaz na prevenção de vírus respiratórios Foto: Reprodução/Instagram

PUBLICIDADE

Saiba mais: o autor do vídeo verificado aqui afirma que inalar vapor de água aquecida seria uma maneira eficiente não só de prevenir vírus já conhecidos, como o da influenza e o Sars-CoV-2, mas também de se precaver contra eventuais vírus respiratórios que podem vir a provocar uma nova pandemia. Segundo o pneumologista Waldo Mattos, que é professor na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e diretor da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), não há evidências científicas de que inalar vapor de água aquecida seja eficaz na prevenção de vírus respiratórios. “Quando o vírus entra no organismo, ele está em uma temperatura próxima da corporal e rapidamente penetra nas células. A inalação do vapor não é suficiente para causar qualquer impacto sobre a multiplicação do vírus dentro do nariz ou da garganta”, disse.

O pneumologista explica que alguns vírus são revestidos por uma película lipídica, de gordura, que envolve sua estrutura. Em temperaturas muito quentes, pode ocorrer um ressecamento e diminuir a viabilidade do vírus no ar. Mas ele continua viável e transmissível. “Isso é apenas um conceito, não se sabe exatamente se ocasiona um impacto efetivo em relação à transmissão”, comentou.

Publicidade

De acordo com Carlos Roberto de Carvalho, professor titular de pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a inalação recomendada não tem sentido fisiológico. Não há estudos que mostrem que o vírus morre quando uma pessoa inala o vapor d’água. “Se uma pessoa inalar um gás em alta temperatura, isso vai realmente desnaturar o vírus, mas também vai desnaturar as células das vias aéreas da pessoa”, disse. “Não é a temperatura chegando a 100 ºC lá dentro que faz o benefício da inalação de vapor, é a umidificação do sistema. Isso só tem sentido quando a via aérea está ressecada e quando a umidade relativa do ar estiver abaixo de 30% ou principalmente abaixo de 20%”, pontuou.

Segundo Carvalho, o vídeo aqui verificado parte de assertivas isoladas e recomenda uma inalação sem comprovação de eficácia para a finalidade proposta. Conforme explicou o pneumologista, a inalação de vapor de água é usada ancestralmente como uma forma de fluidificar secreções em pessoas que têm muito catarro, especialmente quando o catarro está espesso e difícil de ser eliminado. “Se o indivíduo estiver com entupimento nas vias respiratórias de qualquer origem, ele pode se beneficiar com a inalação de vapor d’água, mas não porque esse vapor d’água aquecido vai destruir a bactéria ou vai destruir o vírus, e sim porque ele vai fluidificar e favorecer que o indivíduo elimine esse catarro tossindo”, disse.

Inalação com vapor de água fervente não tem eficácia na prevenção da gripe e da covid-19 

Estudo não comprova eficácia

Além de afirmar que a inalação com vapor de água seria eficaz para prevenir doenças causadas por vírus respiratórios, a postagem aqui verificada também apresenta na legenda o link de um artigo publicado na plataforma PubMed. Segundo Carlos Roberto de Carvalho, o estudo teve como objetivo avaliar a prevenção da pneumonia pelo vírus da covid-19 usando uma mistura de oxigênio e gás hélio, e não tem relação com vapor d’água.

Conforme explicou o pneumologista, o artigo não mostra detalhes do trabalho científico, mas comenta que o estudo foi efetivo em diminuir a possibilidade de ter pneumonia pelo vírus causador da covid-19. “Não dá para extrapolar para outros vírus porque são vírus diferentes e não dá para extrapolar para o vapor d’água”, comentou.

Publicidade

De acordo com o pneumologista Waldo Mattos, não há nada cientificamente comprovado que a inalação com vapor de água previne infecções virais, como a covid-19. “Não tem nada contra fazer vapor em quem tem uma infecção aguda de vias áreas superiores, realmente fluidifica a secreção que está no nariz e pode ajudar a eliminar”, disse Mattos. “A gente não pode usar essa informação e dizer que isso é uma estratégia para prevenir a infecção viral e que a pessoa não vai ter doença por causa disso, não tem absolutamente nenhuma base científica para isso.”

O que diz o autor do vídeo

O autor do vídeo verificado aqui é o médico Carlos Alberto de Carvalho. Na plataforma do Conselho Federal de Medicina (CFM), consta que o médico atua na área de radiologia e diagnóstico por imagem. Procurado, Carlos argumentou que a inalação com vapor de água é um hábito de higiene e voltou a afirmar que a prática é um método de prevenção contra diversas doenças respiratórias.

Carlos mencionou também que seu posicionamento reflete o conteúdo de um artigo sobre inalação de vapor no tratamento de pacientes com covid-19, publicado no International Journal of Pharmaceutical Research. De acordo Carlos Roberto de Carvalho, professor titular de pneumologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o trabalho citado consiste em um artigo de revisão e não em um trabalho científico.

“O artigo que ele cita é um artigo de revisão, os autores dão suas próprias opiniões e não está embasado em artigo científico nenhum”, disse o pneumologista. Conforme avaliou, o artigo foi publicado em uma revista que não faz parte das bases de dados mais tradicionais. “É uma revista científica que não tem fator de impacto no meio acadêmico.”

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.