Vídeo enganoso acusa Ibama de cometer crime ambiental ao lutar contra incêndios no Parque do Xingu

Brigadistas usam técnica conhecida como ‘queima prescrita’, feita após o período de chuvas para evitar incêndios florestais na seca; responsável por acusação diz que a prática acaba com ervas medicinais

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Foto do author Clarissa Pacheco
Atualização:

O que estão compartilhando: que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) está cometendo crime ambiental ao contratar brigadistas indígenas para atear fogo ao Parque Indígena do Xingu.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Os brigadistas do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (PrevFogo/Ibama) fazem a “queima prescrita”. Essa é uma técnica prevista no Manejo Integrado do Fogo (MIF) usada em campos ou savanas para prevenir incêndios florestais, assim como os aceiros – faixas onde a vegetação é completamente suprimida para evitar que o fogo se alastre para uma área florestal.

“Basicamente, a técnica consiste em usar o fogo no final do período de chuvas para queimar o excesso de combustível (matéria orgânica morta/seca) e assim evitar a ocorrência de grandes incêndios florestais durante a estiagem”, diz o Ibama, em nota. O instituto acrescenta que a queima prescrita cria um “fogo suave, que não provoca a morte de plantas ou animais”.

Ainda de acordo com o órgão federal, os brigadistas responsáveis por fazer essa queima prescrita são indígenas e atuam em seus próprios territórios. A prática ocorre com a anuência de lideranças indígenas e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

A influencer indígena Ysani Kalapalo, autora do vídeo, foi procurada pelo Estadão Verifica, mas não respondeu até a publicação desta checagem. Em outro vídeo postado em sua conta pessoal no Instagram, Ysani criticou lideranças do Xingu que autorizam a queima prescrita. Disse que a prática acaba com ervas medicinais usadas pela aldeia.

 Foto: Reprodução/Facebook

Saiba mais: O vídeo foi gravado em 18 de junho de 2024. Ao menos três indígenas da etnia Kalapalo, que vivem no Parque Indígena do Xingu, interceptaram equipes da PrevFogo/Ibama. Os brigadistas faziam no local a chamada “queima prescrita”, um fogo controlado feito no final do período de chuvas que visa reduzir o excesso de combustível – matéria orgânica morta/seca – para evitar a ocorrência de incêndios florestais no período da seca.

“É o uso do ‘fogo bom’ para evitar o ‘fogo ruim’. A técnica é usada apenas em áreas de campos ou savanas, e não em áreas de floresta. Trata-se de um fogo suave, que não provoca a morte de plantas ou animais. A fumaça costuma ser mais branca, devido à umidade, e a vegetação rebrota logo em seguida”, disse o Ibama, em nota.

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Segundo o órgão, a técnica faz parte do Manejo Integrado do Fogo e requer treinamento e conhecimento da região onde será aplicada. No caso do Parque Indígena do Xingu, ela é feita por brigadistas indígenas, que atuam em seus próprios territórios. Neste mês de junho, o PrevFogo/Ibama iniciou a contratação de 1.803 brigadistas, sendo 132 especificamente para fazer as queimas prescritas.

Em 2021, o Ibama promoveu o primeiro curso de queima prescrita do Brasil. Prática exige treinamento e conhecimento do território. Foto: Karyna Angel/Ibama/Divulgação Foto: Karyna Angel/Ibama/Divulgação

Prática conta com apoio de 13 lideranças indígenas do Xingu

De acordo com o Ibama, a prática conhecida como queima prescrita conta com a anuência de lideranças indígenas e da Funai. Uma nota assinada por 13 lideranças vinculadas à Associação Terra Indígena Xingu (ATIX) confirma a declaração do Ibama. O grupo, formado pelas principais lideranças que compõem a governança do Território Indígena do Xingu (TIX), reafirmou o apoio às ações do PrevFogo e declarou que não compactua com o ato de violência registrado no vídeo.

“Hoje, entendemos e sentimos na pele os efeitos das mudanças do clima que está afetando nosso modo de viver e da nossa forma de relação com a natureza. A floresta cada vez mais seca está vulnerável aos grandes incêndios florestais e coloca em risco a destruição de toda matéria prima necessária para manutenção da nossa cultura e sobrevivência”, diz a nota.

As lideranças que assinam a nota da ATIX afirmam que “as instalações e as ações do PrevFogo no Território Indígena do Xingu são resultados de longos anos de conversa para estabelecer acordos com as lideranças e comunidades para adoção de novas tecnologias e estratégias para a proteção de nossas florestas”. Eles acrescentam que “os impasses que ocorrem nesse processo sempre foram tratados através de diálogos para busca de soluções”.

Em nota, 13 lideranças indígenas do Xingu manifestaram apoio às ações de queima prescrita do Ibama. Imagem: Reprodução/ATIX/Facebook Foto: Reprodução/ATIX/Facebook

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Em entrevista ao G1 Mato Grosso, o cacique Kuikumuro Amuneri, da aldeia Aldeia Ipatse, confirmou o apoio da comunidade à queima prescrita: “É muito importante ter queima prescrita na nossa área e a nossa comunidade apoia e entende esse trabalho. A gente sempre fala aos chefes das brigadas e aos não indígenas para entender também a nossa preocupação.”

Em nota, a Funai informou que a atuação do PrevFogo em terras indígenas se dá devido a um acordo de cooperação técnica firmado com a entidade e classificou como infundadas as alegações de que o Ibama comete atos ilícitos no local sem autorização dos indígenas. “Nas terras indígenas jurisdicionadas à Coordenação Regional da Funai no Xingu, o PrevFogo conta com ampla aceitação das comunidades e tem se mostrado essencial na redução de danos ambientais causados pelo fogo. Dentre as técnicas de prevenção de incêndio existentes encontra-se a queima prescrita, cuja utilização no Território Indígena do Xingu está descrita no Plano de Queimas e prevista no Plano Trabalho Proteção Territorial, além de contar com autorização expressa de liderança da aldeia na qual será realizada a atividade”, diz a nota.

Indígenas que aparecem no vídeo apreenderam veículo do Ibama

Nos segundos finais do vídeo, a autora do conteúdo afirma que apreendeu um veículo do Ibama e que ele só será devolvido quando a terra indígena for indenizada pelo “crime ambiental cometido”. O Ibama confirmou que um veículo foi apreendido e solicitou a devolução do mesmo para a continuidade das ações.

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“Os agressores exigiram que os brigadistas saíssem dos dois veículos e do UTV (Utility Task Vehicle) do Ibama, com a apreensão desse último. Temendo por sua segurança, os brigadistas tentaram permanecer dentro dos veículos, mas foram forçados a descer. Os agressores começaram a danificar as viaturas, primeiro tomando a chave de um dos veículos e, depois, ameaçando os brigadistas com as armas em punho”, diz a nota.

Trecho do vídeo mostra quando viatura do PrevFogo é abordada por indígenas em estrada. Foto: Reprodução/Facebook Foto: Reprodução/Facebook

Segundo o Ibama, após três horas, os brigadistas foram liberados para seguir em dois veículos. Eles registraram um boletim de ocorrência junto à Polícia Militar na cidade de Gaúcha do Norte (MT). O Verifica tentou contato com a PM e com a Polícia Federal, mas não recebeu resposta até a publicação desta checagem.

No Instagram, Ysani Kalapalo postou foto com veículo do PrevFogo apreendido ao fundo. Foto: Reprodução/Instagram Foto: Reprodução/Instagram

Em um vídeo feito com o intuito de “esclarecer” os fatos, Ysani Kalapalo aparece ao lado do pai e de outro homem, a quem chama de Guga, aparentemente irmão dela. Ele diz que flagrou os brigadistas colocando fogo no local e que pediu para que parassem, mas não foram ouvidos. “A única forma de pararem eles foi partindo pra cima do carro, pra cima deles. Com isso, acabou quebrando o retrovisor do carro. Esse carro não é dos brigadistas daqui, é do Ibama, do governo federal. O estrago que meu pai fez no carro não se compara com o que eles fizeram com a natureza”, declara.

A ATAX repudiou o ato dos três indígenas da etnia Kalapalo e classificou o episódio como “isolado”, mas que ameaçou a vida de algumas lideranças. “Os indivíduos que tentaram impedir com violência o trabalho dos brigadistas são pessoas com perfis já bastantes conhecidos em redes sociais que buscam nada mais que projeção em mídias e não representam o desejo e modo de agir das lideranças indígenas do Território indígena do Xingu”, diz a nota.

Tebet se referia ao Pantanal quando disse que ‘qualquer fogo ateado será considerado crime’

O governo federal anunciou uma série de ações de combate aos incêndios no Pantanal. Após uma reunião integrada entre ministros, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, disse que qualquer fogo ateado será considerado crime, mesmo aqueles controlados.

A fala vem sendo usada fora de contexto para alegar que o Ibama cometeu crime ambiental ao usar a prática da queima prescrita. Tebet se referia especificamente ao Pantanal, e não aos biomas do Cerrado e da Amazônia, onde fica o Parque Nacional do Xingu. A fala completa da ministra pode ser vista neste vídeo, a partir de 7 minutos e 42 segundos.

Usar fogo controlado está previsto em lei, mas cada um dos Estados onde isso é feito determina o período em que essa prática é permitida e proibida. No caso do Mato Grosso, o decreto deste ano proibia o fogo para limpeza e manejo de áreas entre 1º de julho e 30 de novembro, tanto nos biomas Cerrado e Amazônia quanto no Pantanal.

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Dada a gravidade da situação das queimadas no Pantanal, a proibição do uso do fogo controlado neste bioma foi antecipada para 17 de junho e segue até 31 de dezembro. Além de não afetar o bioma Pantanal, a queima prescrita citada no vídeo investigado ocorreu em 18 de junho, dentro do período permitido pelo governo do Mato Grosso.

Indígena que aparece no vídeo

Quem aparece no vídeo é a influenciadora indígena Ysani Kalapalo, que possui mais de 930 mil seguidores no Instagram. Ela também utilizou o vídeo de Tebet fora de contexto para acusar o Ibama de crime ambiental.

Ysani se tornou conhecida após integrar a delegação oficial do Brasil à Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, em 2019, sob a presidência de Jair Bolsonaro (PL).

Ysani Kalapalo (centro) na Assembleia-Geral da ONU, acompanhada de Eduardo Bolsonaro, do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, do general Augusto Heleno e do então chanceler Ernesto Araújo. Foto: Instagram/Ysani Kalapalo

Na época, a escolha da indígena para integrar a delegação foi criticada por representantes de 16 povos do Xingu e considerada ofensiva por “dar destaque a uma indígena que vem atuando em redes sociais com o objetivo único de ofender e desmoralizar as lideranças e o movimento indígena do Brasil”.

Este conteúdo foi publicado no Facebook e Instagram. Leitores do Verifica também pediram a checagem através do WhatsApp, no número (11) 97683-7490.