11 de maio de 2022: Atualizada com posicionamento do autor da postagem.
É enganoso um post no Instagram em que um médico afirma que a vacina contra a covid-19 da Janssen "não serve mais nos braços dos europeus e americanos". Na realidade, o imunizante continua sendo aplicado normalmente na Europa, sem nenhuma mudança de protocolo. Nos Estados Unidos, a agência reguladora Food & Drug Administration (FDA) limitou o uso da vacina a quem não pode receber doses dos outros imunizantes aprovados, ou àqueles que optarem pela Janssen.
Na imagem da postagem, o médico infectologista Francisco Cardoso compartilha o título de uma reportagem da CNN, publicada em 6 de maio de 2022, sobre a limitação do imunizante nos EUA. Na legenda do post, Cardoso diz: "Por que esse imunizante, que não serve mais nos braços dos europeus e americanos, ainda está sendo aplicado nos braços brasileiros, @anvisaoficial e @minsaude?"
O uso da vacina Janssen nos EUA foi limitado, não suspenso. Em comunicado à imprensa divulgado em 5 de maio deste ano, a FDA informou que decidiu deixar a vacina disponível apenas para pessoas com mais de 18 anos para as quais os demais imunizantes aprovados "não são acessíveis ou clinicamente apropriados". Também podem receber doses da Janssen maiores de 18 anos que optarem por receber a vacina e que não aceitarem receber outros imunizantes.
O risco de trombose com síndrome de trombocitopenia (TTS) foi o que balizou a decisão da FDA, embora seja rara a ocorrência de casos da síndrome, que se caracteriza pelo aparecimento de "coágulos sanguíneos raros e potencialmente fatais em combinação com baixos níveis de plaquetas no sangue". De acordo com dados do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC), a TTS ocorreu em aproximadamente quatro casos para cada um milhão de doses administradas da vacina da Janssen. Um relatório da FDA de 5 de maio diz que a incidência maior - 8 casos para cada 1 milhão de doses administradas - é em mulheres de 30 a 49 anos. No total, 15% dos casos foram fatais. Esse contexto não está presente na postagem de Cardoso, que não compartilhou a reportagem completa da CNN que traz esses números.
Por considerar que a vacina ainda é importante no combate à covid-19 é que a FDA decidiu limitar, mas não extinguir, o uso do imunizante da Janssen. A agência também determinou em suas análises que "os benefícios conhecidos e potenciais da vacina para a prevenção da covid-19 superam os riscos conhecidos e potenciais" para os grupos de pessoas que ainda podem recebê-lo.
"Reconhecemos que a vacina Janssen de covid-19 ainda tem um papel na atual resposta à pandemia nos Estados Unidos e em toda a comunidade global. Nossa ação reflete nossa análise atualizada do risco de TTS após a administração desta vacina e limita o uso a certos indivíduos", disse Peter Marks, diretor do Centro de Avaliação e Pesquisa Biológica da FDA, no comunicado oficial.
Vacina continua sendo usada na Europa
Embora o médico tenha afirmado no post que a vacina da Janssen já "não serve" aos europeus, a agência reguladora da Europa, a EMA, disse que não mudou suas recomendações para o imunizante Jcovden (antes chamado de Janssen Covid-19) e que a vacina "está autorizada para utilização na União Europeia".
Por e-mail, a EMA informou ao Estadão Verifica que o departamento de farmacovigilância e o comitê de segurança da agência (PRAC, na sigla em inglês) vêm "monitorando e avaliando de perto os relatos de coágulos de sangue após a vacinação com vacinas para covid-19 desde março de 2021, quando a questão foi relatada pela primeira vez".
Em abril de 2021, o PRAC concluiu que deveriam ser incluídas na bula da Jcovden informações sobre coágulos de sangue raros e plaquetas sanguíneas baixas. O PRAC também concluiu que estes eventos deveriam ser listados como efeitos colaterais muito raros da vacina. "Após extensas investigações pelo PRAC, advertências foram incluídas na seção 4.4 (Advertências e precauções especiais de uso) das informações sobre o produto. Uma atualização correspondente também foi adicionada à seção 2 (Advertências e precauções) do folheto informativo", disse a EMA, em nota.
A agência ressaltou que "os efeitos colaterais mais comuns observados com todas as vacinas contra covid-19 aprovadas na UE são geralmente leves ou moderados e melhoram em poucos dias após a vacinação" e que "a segurança das vacinas e tratamentos para covid-19 autorizados na União Europeia está bem documentada" A EMA afirmou ainda que continua a monitorar "com extremo cuidado" qualquer questão de segurança.
Relação de risco e benefício
Procurada pelo Estadão Verifica, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que se reuniu com a FDA logo após a reguladora norte-americana informar que faria restrições ao uso da vacina da Janssen no país, para "avaliar os dados e compreender o racional da decisão". A Anvisa disse que "durante a reunião, foi informado que não há nova preocupação de segurança, mas diante do risco raríssimo de TTS, o FDA entende que a utilização de outras vacinas naquele país devem ser priorizadas".
O risco de síndrome de trombose com trompocitopenia, ou TTS, é conhecido entre as vacinas que usam a tecnologia de adenovírus - como é o caso da Janssen e da AstraZeneca/Fiocruz - e já está descrito na bula aprovada pela Anvisa, segundo o próprio órgão. A agência informou que os casos são "raríssimos, que geralmente ocorrem após exposição à primeira dose com vacina desta plataforma". Entre as contraindicações previstas na bula está a de não administrar uma dose de reforço de vacinas desta plataforma em pessoas que tiveram TTS após a primeira dose.
Por enquanto, não há previsão de mudança na autorização para a Janssen. "A Anvisa mantém a avaliação contínua da relação benefício-risco de todas as vacinas autorizadas no Brasil. Até o momento, os benefícios superam os riscos para todas as vacinas aprovadas pela Anvisa. Assim, neste momento, a Agência não identifica a necessidade de ações regulatórias quanto à vacina da Janssen ou qualquer outra", diz nota.
O Ministério da Saúde também foi procurado a fim de informar sobre alguma política de restrição ou de preferência de uso de um imunizante em detrimento de outro no Brasil, mas respondeu que "os imunizantes utilizados na campanha de vacinação contra a covid-19 no País são aprovados pela Anvisa" e que até o momento, a pasta não foi comunicada sobre restrições.
De acordo com dados do Vacinômetro do Ministério da Saúde, a vacina da Janssen foi a menos aplicada no Brasil. Das 418,8 milhões de doses administradas até 9 de maio de 2022, apenas 16,3 milhões foram da Janssen, o que corresponde a apenas 3,90% do total. A mais aplicada foi a Pfizer (41,28%), seguida da AstraZeneca (30,88%) e da CoronaVac (23,69%).
Segundo números do boletim epidemiológico de coronavírus mais recente do Ministério da Saúde, de 26 de abril de 2022, dos 1.889 chamados eventos adversos tromboembólicos pós-vacinação notificados, apenas 29 (2%) foram reações adversas relacionadas às vacinas.
O post do médico aqui verificado recebeu mais de 9 mil curtidas em 24 horas. Entre os comentários, as pessoas usaram o material para atacar e desacreditar as vacinas, mesmo que, ao longo do post, o profissional não afirme ser contra o uso dos imunizantes.
Francisco Cardoso foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta verificação. O médico deletou o post que foi alvo desta checagem. No Instagram, ele fez nova postagem em 11 de maio de 2022 com ofensas à reportagem e repetiu a informação enganosa de que a limitação da vacina se deu porque "não serve mais para sua população, não tem a qualidade devida, ficando restrito apenas aos casos 'excepcionais'".
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.