Conteúdos enganosos nas redes sociais exploram uma frase mal formulada do ex-presidente do PT José Dirceu para alimentar teorias infundadas de que o partido estaria envolvido no ataque a facada ao presidente Jair Bolsonaro, na campanha eleitoral de 2018. Em agosto do ano passado, o ex-ministro”>”>esclareceu que se referia ao atentado como um fato imprevisível que poderia impedir a vitória do ex-presidente Lula ou do ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad nas eleições de 2018. Até o momento, investigações da Polícia Federal não indicaram a participação de grupos políticos no crime.
Ainda assim, um vídeo do influenciador bolsonarista Gustavo Gayer, com mais de 100 mil visualizações no YouTube e compartilhado entre apoiadores do presidente no Telegram, reforça a teoria sem evidências de que o PT teria algum envolvimento no atentado. O autor do conteúdo não menciona os esclarecimentos de Dirceu sobre a declaração e também omite que não há provas de motivações políticas da facada. Também sugere que o ex-ministro cometeu um "sincericídio" e que deveria ser investigado pelas declarações.
A frase explorada pelo vídeo remete a uma entrevista de Dirceu ao canal Tutaméia TV, em março de 2021. A íntegra da entrevista está disponível no YouTube. A partir de 41 minutos e 38 segundos, o ex-presidente do PT inicia uma argumentação de que o partido teria vencido as eleições presidenciais de 2018 caso a ex-presidente Dilma Rousseff não fosse retirada do poder pelo processo de impeachment concretizado dois anos antes. Dirceu opina que apenas um fato imprevisível ou um erro do partido poderia comprometer a vitória.
"Se a Dilma governasse até o final do governo dela, e o Lula sendo candidato em 18, nós venceríamos a eleição", disse José Dirceu. "Aliás, ele venceria em 18 com tudo o que aconteceu ou, em liberdade, elegeria o Haddad. A possibilidade era grande, poderia acontecer qualquer fato, como acontece às vezes que impedisse isso, ou erros nossos, como foi a facada ao Bolsonaro, como foi a decisão do Fachin, as coisas imprevisíveis da política."
A declaração do petista já havia sido explorada pelo vereador Carlos Bolsonaro em agosto de 2021 -- o filho do presidente repercutiu a fala com a frase "a facada foi um erro nosso". Em resposta a Carlos, Dirceu
">fez no Twitter um esclarecimento: "Minha fala é uma lista de fatos imprevisíveis na política, que poderiam impedir a eleição do Lula ou do Haddad em 2018. Dentre eles, possíveis erros nossos e a facada em Bolsonaro. Coisas diferentes, compondo a mesma listagem de fatos imprevisíveis".
O caso Adélio
Até o momento, não há registros de conhecimento público de autoridades que associem o PT à facada em Jair Bolsonaro. Em 2020, o delegado Rodrigo Morais Fernandes concluiu em relatório final das investigações que o agressor Adélio Bispo de Oliveira atuou sozinho, por iniciativa própria e sem apoio de terceiros. No mesmo documento, ele pondera que existia uma dúvida razoável acerca do interesse dos advogados de Adélio no caso.
Em novembro de 2021, a Polícia Federal retomou o inquérito após a Segunda Seção do Tribunal Regional Federal da 1º Região (TRF-1) derrubar uma decisão liminar que impedia a análise de dados bancários e do celular do advogado de Adélio no caso. O objetivo é apurar se terceiros pagaram pela defesa do réu ou se há outro motivo que justifique o interesse do advogado em assumir o caso. Desde então, ainda não há atualizações sobre o inquérito que apontem o envolvimento de instituições políticas no episódio.
Por outro lado, boatos infundados que tentam alimentar a tese de que há mandantes por trás do crime são frequentes. Em fevereiro, o Estadão Verifica desmentiu postagens que afirmavam que Adelio Bispo teria revelado o mandante da facada em um novo depoimento à Polícia Federal. A própria instituição apontou a improcedência do boato. Neste mês, o blog apontou que é falso que Jair Bolsonaro levou um soco enquanto estava sendo carregado após o atentado.
Procurado por e-mail, Gustavo Gayer escreveu: “Só pra eu entender aqui. O video é ‘fake news’ por que o Dirceu disse que ele foi mal interpretado? É isso mesmo? Então o ‘nosso erro’ foi apenas um errinho de escolha de palavras?” Ele não comentou sobre o fato de até hoje não haver conclusão da Polícia Federal que aponte envolvimento do PT ou de outros partidos no ataque a Bolsonaro.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.