Esta checagem foi produzida por jornalistas da coalizão do Comprova. Leia mais sobre nossa parceria aqui.
Conteúdo investigado: No Twitter, médico afirma que colega de profissão é o “milionésimo caso de morte súbita em jovem vacinado”, insinuando que a vacina contra a covid-19 tenha causado o óbito. Ele compartilha, junto da afirmação, trecho de notícia sobre a morte do profissional e uma postagem de janeiro de 2022 na qual o médico dizia ser favorável à deportação do tenista sérvio Novak Djokovic da Austrália por recusar o imunizante.
Onde foi publicado: Twitter.
Conclusão do Comprova: É enganoso associar a morte do médico Atamai Moraes por infarto fulminante à vacinação contra a covid-19. A postagem analisada coloca em dúvida a causa da morte de Moraes e o identifica como um militante pró-vacina que criticou o tenista Novak Djokovic por ser contrário à vacinação. O autor da publicação enganosa escreve:
“O tenista continua vivo, sem vacina de Covid e ganhando títulos. O médico raivoso é o milionésimo caso raro de morte súbita em jovem vacinado”.
A viúva de Atamai Moraes afirma que a necropsia e os laudos iniciais não apontaram a possibilidade de o óbito estar relacionado ao imunizante. A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) do Paraná, onde ele morreu, informou não ter localizado notificação de reação adversa à vacina após o óbito.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) garante a segurança das vacinas, assim como as principais agências reguladoras do mundo. Todos os imunizantes passam por rigorosas fases de ensaios clínicos antes de serem aprovados para uso na população em geral. Após a aprovação das vacinas contra a covid-19, o monitoramento da segurança delas continua como parte normal dos programas de imunização, o que é feito para todas as vacinas.
Para o Comprova, enganoso é o conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O tuíte aqui verificado somou 14,4 mil curtidas, 288 comentários e 3,9 mil retuítes até o dia 28 de março.
O que diz o responsável pela publicação: Ao Comprova, o autor do post, alegou que o tuíte não correlaciona diretamente a morte de Atamai com a vacinação contra a covid-19 e citou uma publicação do médico no Facebook afirmando, em novembro de 2021, ter sofrido uma reação grave após ser imunizado com a primeira dose.A Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba informou ter sido feita a investigação clínica deste caso e concluído que a situação não tinha vínculo com a vacinação. A pasta destacou, ainda, não haver evidência de que a morte, quase dois anos depois, tenha relação causal com a vacina.
Como verificamos: Para se informar sobre o caso do óbito citado no post, a reportagem conversou com a família de Moraes por WhatsApp. Além disso, como as mortes relacionadas à vacinação contra a covid-19 precisam ser relatadas às autoridades de saúde, o Comprova procurou as Secretarias de Saúde do Paraná e de Curitiba e o Ministério da Saúde e a Anvisa. Também pesquisou dados referentes ao número de mortes relacionadas à imunização.
Viúva do médico nega relação causal entre a vacina e a morte
Atamai Caetano Moraes, de 27 anos, morreu enquanto trabalhava na Santa Casa de Prudentópolis, na região central do Paraná. O caso foi registrado em 23 de outubro de 2022, e a causa foi divulgada como infarto pelos veículos Plural, Aventuras na História e G1. O Conselho Regional de Medicina do Estado do Paraná (CRM/PR) chegou a emitir uma nota de pesar. Não houve, na ocasião, qualquer menção à suspeita de que o médico tivesse sofrido uma reação adversa grave à vacinação.
À época, a Polícia Civil informou que investigaria o caso. Ao Comprova, a assessoria de imprensa do órgão explicou que foi instaurado um inquérito policial para apurar a causa da morte e que testemunhas estão sendo ouvidas, mas o caso não foi concluído.
Ao Comprova, a enfermeira Jaqueline Rodrigues Zaborovski, viúva de Atamai, afirmou não haver relação entre o infarto fulminante sofrido pelo marido e qualquer tipo de vacina, incluindo a da covid-19. Conforme ela, a necropsia e os laudos iniciais não apontaram essa possibilidade.
Jaqueline condenou as peças desinformativas que associam o nome do marido a uma campanha anti-vacinação. “É algo repugnante depois de tanto trabalho como médico na pandemia e como defensor da verdade e da luta contra o negacionismo referente aos cuidados com a covid-19, à vacina e aos coquetéis medicamentosos sem fundamento científico algum”, desabafou.
Reação adversa anterior à morte foi descartada
A esposa informou, ainda, que Atamai chegou a ser internado no início de 2021 ao sofrer uma crise convulsiva, mas que esta esteve relacionada a uma febre sentida quando foi infectado pelo vírus. À época, diz, ele havia tomado a primeira dose do imunizante que ainda estava em fase de testes e, por isso, a vigilância epidemiológica acompanhou o caso, mas descartou a relação posteriormente. O atendimento neurológico pelo qual passou também descartou haver ligação entre o episódio e o imunizante, conforme ela.
Ao Comprova, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado da Saúde do Paraná informou registrar no sistema e-SUS Notifica Covid, disponibilizado pelo Ministério da Saúde, casos de reações adversas após a vacinação.
Conforme o órgão, ao ser realizada a busca pelo nome do médico, o sistema informa uma notificação feita pelo município de Curitiba em 26 de janeiro de 2021. Não há outra notificação registrada após a morte dele.
A Secretaria Municipal de Saúde da capital paranaense também foi procurada e informou que Atamai era morador da cidade, mas trabalhava em municípios da região metropolitana, tendo apresentado uma suspeita de reação adversa após ser vacinado com a primeira dose em 20 de janeiro de 2021, no município de Pinhais.
A pasta acrescentou ter sido realizada toda a investigação clínica do caso e concluído que a situação não tinha vínculo com a vacinação. “A morte do médico ocorreu quase dois anos depois, em 23 de outubro de 2022. Não há qualquer evidência que exista relação causal com a vacinação ocorrida no passado”, destacou a assessoria de imprensa.
Benefícios da vacinação superam os riscos
Segundo os dados da Sesa, em 2021 o Paraná registrou 28.073 notificações de reações adversas, em 2022 foram 10.956 e, em 2023, outras 363 até o dia 23 de março, somando 39.392 desde o início da vacinação. A plataforma de transparência da pandemia mantida pelo governo do Paraná informa que, até a manhã de 27 de março, foram aplicadas 27,4 milhões de doses no Estado, ou seja, as reações notificadas são apenas 0,14% do total de doses aplicadas.
O órgão não identificou quantas evoluíram a óbito, mas o Comprova já explicou anteriormente que os eventos adversos graves pós-vacinação contra a covid-19 – dentre eles a morte – são raros e que os benefícios da imunização superam os riscos. Um boletim epidemiológico divulgado pelo governo federal no final de 2021 mostrou que o risco de óbito pela doença é 56 vezes maior do que o risco de ocorrência de um evento adverso relacionado à vacinação.
À reportagem, o Ministério da Saúde lembrou que, assim como qualquer medicamento ou imunizante, as vacinas para a covid-19 podem causar eventos adversos, sendo a maioria deles sem gravidade, como dores de cabeça, tosse, diarreia, rinite, náusea, entre outros.
As reações graves, destacou a pasta, são muito raras e ocorrem, em média, um caso a cada 100 mil doses aplicadas, apresentando um risco significativamente inferior ao de complicações causadas pela infecção do vírus. Dentre elas, está a possibilidade de desenvolvimento de tromboses venosas, miocardite e pericardite, síndromes neurológicas como a síndrome de Guillain-Barré, encefalite, hemorragias cerebrais, arritmia, infarto agudo do miocárdio e embolia pulmonar, entre outros.
Uma nota técnica da pasta publicada em maio de 2022 analisou a incidência de miocardite e pericardite no contexto da vacinação contra a covid-19 entre 18 de janeiro de 2021 e 12 de março de 2022, um período de mais de um ano. Foram identificados 222 eventos no e-SUS Notifica e, destes, apenas 87 tiveram diagnóstico sindrômico de miocardite/pericardite com algum nível de certeza. No mesmo período, o país registrou 294.159.843 doses aplicadas. Entre as reações graves confirmadas, apenas dois óbitos foram registrados.
A Anvisa informou ao Comprova que todos os dados de monitoramento e relatos de eventos adversos recebidos até o momento mantêm a relação de benefício-risco da vacina favorável ao seu uso. Sobre os casos graves como os de trombose, infartos e miocardites, explicou que eles podem ser desencadeados por multifatores e são conhecidos e descritos nas bulas das substâncias.
O órgão reforça que cidadãos e profissionais de saúde devem ficar atentos aos sinais e sintomas de eventos adversos e notificar imediatamente casos suspeitos, tendo em mãos a identificação do tipo de vacina, bem como a identificação e registro do número do lote utilizado e do fabricante. Quando esses eventos graves são notificados, é aberta uma investigação, com o objetivo de um diagnóstico diferencial e exclusão de causas alternativas.
O que podemos aprender com esta verificação: Uma tática comum de desinformadores é fazer correlações entre fatos diversos e destoantes, como a crítica feita pelo médico Atamai Moraes ao tenista Novak Djokovic por sua contrariedade ao uso da vacina e a morte de Moraes por um infarto fulminante. Isso ocorre em um contexto no qual há publicações diversas alegando que a vacina contra a covid-19 tem causado mortes súbitas em pessoas mais jovens.
A relação é feita quando a postagem afirma que “o médico raivoso é o milionésimo caso raro de morte súbita em jovem vacinado”, ou seja, se apropria da dualidade entre “milionésimo” e “caso raro” como crítica às explicações de que não é possível relacionar a vacinação ao falecimento de Moraes.
A prova de que o conteúdo desinforma é a quantidade de respostas de usuários que demonstram ter associado a morte do jovem médico à vacinação. Uma pessoa, por exemplo, respondeu à publicação dizendo que “o dr. Atamai Moraes é uma vítima da vacina”, enquanto outra afirma que “sem vacinas, sem efeitos colaterais” e uma terceira declara estar “fora dessas vaxinas (sic)”.
Desta forma, tem-se que é preciso questionar também o interesse, a intenção e o contexto das postagens que recebemos.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Sobre esse assunto, o Comprova já desmentiu que o jogador Lucas Leiva apresentou problemas cardíacos por ter se vacinado, mostrou não haver comprovação de que morte de menino em Arujá (SP) tenha relação com o imunizante e que não é verdade que a vacina da covid fez ‘explodir’ doenças cardíacas em crianças.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.