Conteúdo compartilhado nas redes sociais pelo deputado federal Filipe Barros (PL-PR) desinforma ao sugerir que a produtora T4F Entretenimento recebeu verbas da Lei Rouanet para produzir o festival de música Lollapalooza. Embora a companhia tenha captado recursos do mecanismo de fomento cultural para executar outros projetos, no portal de transparência da Secretaria da Cultura não constam incentivos ao evento em São Paulo. A empresa também afirmou ao Estadão Verifica nunca ter recebido verbas por meio da Rouanet para produzir o Lollapalooza.
O material divulgado por Barros tira de contexto um do ex-secretário especial da Cultura Mário Frias e diz que ele teria denunciado que a "empresa produtora do Lollapalooza ficava com metade do valor destinado ao evento". Frias comentou no Twitter que a T4F se beneficiava de um dispositivo que permitia a proponentes designarem até 50% do orçamento de projetos apoiados pela Lei Rouanet para remuneração própria. Mas o ex-secretário não afirma que a empresa teria captado recursos para o Lollapalooza.
No tuíte citado, Frias diz que sua gestão reduziu em 70% o teto de remuneração para empresas que utilizam o mecanismo da Rouanet. Ele se refere a uma instrução normativa, assinada em fevereiro de 2022, que reduziu o limite de 50% para 15% por projeto. Frias especula que, por conta dessa alteração, a T4F teria sido conivente com manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro (PL) no Lollapalooza 2022. Essa associação não é verificável.
Conforme informações do Portal Versalic, que reúne dados de projetos apoiados pela Secretaria da Cultura, a T4F Entretenimento captou cerca de R$ 186 milhões em incentivos da Lei Rouanet, desde 2009. A legislação estabelece que empresas privadas podem apoiar financeiramente projetos submetidos por produtoras culturais e aprovados pela equipe técnica do órgão federal de cultura. Em compensação, o valor do apoio é integral ou parcialmente abatido da cobrança do imposto de renda.
A T4F Entretenimento, por exemplo, levantou pouco mais de R$ 24 milhões para produzir a peça teatral Fantasma da Ópera entre 2017 e 2019. A principal apoiadora do projeto foi a empresa Bradesco Previdência, que destinou R$ 8 milhões ao espetáculo. A produtora também realizou musicais da Família Addams, do clássico Mamma Mia e organizou exposições de artes e apresentações de circo.
Em nota ao Estadão Verifica, a empresa afirmou que, "desde 2014, quando começou a ser promovido pela T4F, o Festival Lollapalooza Brasil nunca recebeu verba decorrente de nenhuma lei de incentivo à cultura, seja na esfera federal, estadual ou municipal." Para verificar se a companhia ficava com 50% do valor destinado às obras, seria necessário acessar o relatório de prestação de contas de cada um dos 33 projetos identificados no portal Versalic, mas a plataforma não disponibiliza esses documentos.
A reportagem procurou a Secretaria Especial de Cultura e a assessoria de imprensa do deputado Filipe Barros, que não responderam até a publicação desta checagem
Críticas a Bolsonaro e ação judicial
A postagem do deputado federal Filipe Barros, que faz parte da base aliada do governo, ocorre em meio a críticas de apoiadores de Jair Bolsonaro ao Lollapalooza. A edição mais recente do festival, que ocorreu entre os dias 25 e 27 de março, em São Paulo, contou com diversas manifestações de artistas contra o chefe do Executivo ou a favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A cantora Pabllo Vittar, por exemplo, fez um gesto de "L" com as mãos no palco -- em alusão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, principal adversário hoje de Bolsonaro nas eleições de outubro -- e carregou uma bandeira do petista oferecida pelos fãs. A britânica Marina Diamandis também xingou Bolsonaro e o presidente da Rússia, Vladimir Putin.
Ainda na sexta-feira, 25, o PL, partido de Bolsonaro, entrou com uma ação judicial no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para proibir manifestações políticas no Lollapalooza. O ministro Raul Araújo acolheu o pedido, em decisão liminar, alegando que a postura dos artistas caracterizaria "propaganda político-eleitoral". A Justiça fixou multa de R$ 50 mil à organizadora do evento em caso de descumprimento.
Artistas e políticos reagiram contra o que entenderam como ato de censura, e a decisão também foi criticada por especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo Estadão. Mesmo com a multa estipulada, outras apresentações do festival tiveram protestos contra Bolsonaro, a exemplo de Emicida, Fresno, Jão, Gloria Groove e Planet Hemp.
Em 28 de março, o PL resolveu retirar a ação e desistir do processo no TSE -- a pedido do próprio Bolsonaro, irritado com a repercussão do caso, segundo apurou o jornal Folha de S.Paulo. O ministro Raul Araújo derrubou a própria liminar e arquivou o caso no mesmo dia.
Quem é o parlamentar que assina a postagem
O deputado Filipe Barros faz parte da base aliada do presidente Jair Bolsonaro e se tornou o relator da matéria que ficou conhecida como "PEC do voto impresso" na comissão especial da Câmara dos Deputados. A proposta, de autoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), pedia a adoção de uma espécie de comprovante do voto para as eleições de 2022.
Barros recomendou a medida em seu parecer, mas a proposta acabou rejeitada na comissão e também no plenário. Na época, Barros compartilhou desinformação a respeito de um ataque hacker ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e teve a postagem checada pelo Estadão Verifica.
Lei Rouanet e desinformação
A Lei Rouanet é alvo frequente de desinformação nas redes sociais. O Estadão Verifica já desmentiu boatos que distorciam a finalidade de recursos do mecanismo de fomento à cultura destinados a projetos da Fundação FHC. Outro conteúdo espalhava uma lista desatualizada de projetos da Lei Rouanet para inventar desvios de dinheiro na saúde.
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