Vídeos enganam ao sugerir que Lula e Dilma furtaram itens do Palácio do Planalto

Ao arquivar auditoria, TCU afirmou que houve intepretação equivocada por parte de ex-presidentes, que levaram consigo presentes recebidos em cerimônias oficiais; crucifixo apontado como peça furtada era, na verdade, do petista

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Foto do author Clarissa Pacheco
Atualização:

Texto atualizado às 10h24 de 11 de janeiro de 2023 para inserir o posicionamento do autor de um dos conteúdos checados

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Um dia após golpistas invadirem as sedes do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF), depredarem as dependências e levarem objetos que integram os acervos, postagens enganosas tentam imputar ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o furto de itens do Palácio do Planalto no fim de seus dois primeiros mandatos (2003-2010). As postagens já tinham começado a viralizar nas redes após a primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, denunciar o mau estado de conservação do Palácio do Alvorada ao final do governo de Jair Bolsonaro (PL), e ganharam mais impulso depois das cenas de destruição promovidas em Brasília no último domingo, 8, por grupos bolsonaristas.

Entre os itens alegadamente furtados por Lula está um crucifixo de 1,5 metro esculpido em madeira que, na verdade, pertence a ele mesmo: foi um presente pessoal recebido em janeiro de 2003, pouco depois de iniciar o primeiro mandato. Também são citados nos vídeos outros objetos encontrados durante a 24ª fase da Operação Lava Jato, em março de 2016. Dentro de um cofre de uma agência do Banco do Brasil da Rua Líbero Badaró, em São Paulo, havia 23 caixas com joias, medalhas, canetas, condecorações e objetos de decoração recebidos por Lula durante seus dois primeiros mandatos.

Segundo documento do Tribunal de Contas da União (TCU), contudo, a própria Lava Jato concluiu que os bens que estavam no cofre eram de “caráter personalíssimo ou de consumo” e, por isso, não eram parte do acervo da Presidência, conforme determina o Decreto 4.344/2002, que trata do assunto. Essa informação não aparece nos posts virais.

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 Foto: Reprodução

Por fim, são mencionados outros presentes recebidos por Lula que foram levados, em 2011, para a sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo (SP). Após auditoria, o TCU concluiu que 434 presentes recebidos por Lula não deveriam ter sido levados por ele, e 306 foram encontrados por uma comissão instituída para recuperar os objetos na sede do Sindicato dos Metalúrgicos e devolvidos ao Planalto.

Outros 74, com valor calculado em R$ 199.436,04, não foram localizados, segundo relatório de auditoria de 2019. Em 2020, o TCU considerou que os trabalhos estavam encerrados. No ano passado, o Ministério Público Federal (MPF) informou ao Estadão Verifica que o processo que apurava o caso foi arquivado em outubro de 2020. “O Ministério Público Federal não encontrou irregularidade apta a ensejar o ajuizamento de ação de improbidade administrativa”, informou o órgão.

Crucifixo pertencia a bispo, que vendeu a amigo de Lula

Boatos a respeito de um suposto furto do crucifixo de madeira por Lula começaram em 2011. Isso porque a escultura, que frequentemente aparecia em fotos oficiais, já que ficava na parede atrás da mesa de Lula, “desapareceu” com a posse de Dilma. Na época, diversos textos se espalharam pela internet sugerindo que a presidente tinha mandado tirar a escultura do gabinete por ser ateia; outros iniciaram uma campanha para que Lula devolvesse o Cristo, que estaria no gabinete desde a gestão de Itamar Franco (1992-1996), e que teria sido furtado pelo petista quando deixou o governo, em 2010.

Quem desmentiu a tese de que o crucifixo estava lá há décadas e que havia sido furtado por Lula foi a repórter Mariana Sanches, da revista Época. Em fevereiro de 2011, ela publicou uma reportagem explicando a origem do crucifixo e desmentindo, inclusive, que ele fosse uma obra de Aleijadinho, como chegou a ser aventado: era uma escultura de origem portuguesa, dada de presente a Lula em janeiro de 2003 por José Alberto de Camargo, amigo do presidente recém-empossado e diretor da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM).

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O primeiro dono conhecido do crucifixo de madeira foi Dom Mauro Morelli, bispo de Duque de Caxias (RJ), que havia ganhado a escultura de um amigo médico. Em 2002, segundo disse à reportagem da Época, Dom Mauro precisou vender a peça para “atender a necessidades pessoais e familiares com problemas financeiros decorrentes de enfermidades”. Dom Mauro encontrou um comprador durante uma das discussões sobre o programa Fome Zero, criado por Lula antes de ser eleito presidente: era José Alberto de Camargo.

Ele contou que pagou R$ 60 mil pela peça, mas não sabia bem o que fazer com ela e aceitou a sugestão do Frei Betto, que coordenava a mobilização para o Fome Zero, de dá-lo de presente a Lula. A peça chegou a Brasília em mau estado de conservação e, antes de ser colocada no gabinete de Lula, passou por um restauro de três meses no Centro de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Restaurada, ficou instalada no gabinete do presidente e costumava aparecer em fotografias oficiais.

Crucifixo aparece em parede do gabinete presidencial em foto de 2010, após reforma no Planalto Foto: José Cruz/Agência Brasil

Lava Jato ressuscitou o Cristo em 2016

Seis anos depois de a história do furto ter sido desmentida, a Operação Lava Jato tentou prender o ex-presidente Lula em flagrante pelo crime de peculato (roubo de patrimônio público cometido por servidor). Reportagem publicada pelo The Intercept em 2021 mostra que, com base em textos publicados na internet em 2011, os procuradores acreditavam na versão do furto e tinham a expectativa de localizar o crucifixo de madeira em uma operação de busca e apreensão.

Para eles, a prova de que Lula tinha furtado o crucifixo do Planalto seria uma foto do ex-presidente Itamar Franco na cadeira da Presidência, na qual o objeto aparecia ao fundo. A foto, no entanto, foi feita em 2006, quando Itamar fez uma visita ao gabinete e foi fotografado sentado na cadeira presidencial. Depois de encontrarem a peça no cofre do Banco do Brasil, os procuradores se organizaram para pedir a prisão de Lula em flagrante, até que o procurador Deltan Dallagnol localizou a reportagem da Época que mostrava que o objeto, na verdade, pertencia mesmo a Lula.

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Itamar Franco foi fotografado em gabinete em 2006, e não durante seu próprio mandato Foto: Reprodução/Revista Época

Na busca e apreensão, contudo, foram localizadas 23 caixas com centenas de objetos, entre peças de decoração, medalhas, adagas, condecorações e canetas que tinham sido recebidos por Lula nos dois primeiros mandatos, além de mais centenas de caixas no Sindicato dos Metalúrgicos. Nenhum dos itens foi vendido, contudo, e Lula não chegou a ser processado pelo caso.

Itens em cofre eram de caráter ‘personalíssimo’

Naquela busca e apreensão da Lava Jato em 2016, foram localizadas 23 caixas com centenas de objetos, entre peças de decoração, medalhas, adagas, condecorações e canetas que tinham sido recebidos por Lula nos dois primeiros mandatos, além de mais centenas de caixas no Sindicato dos Metalúrgicos.

Um desfecho sobre o caso aparece em um documento da Secretaria Geral de Controle Externo do TCU, de 22 de agosto de 2019, que informa o que diz o relatório elaborado por uma comissão designada para localizar a restituir as peças ao acervo da Presidência: “Quanto aos bens que estariam na agência do Banco do Brasil, a 13ª Vara Federal de Curitiba/PR entendeu que os bens seriam de caráter personalíssimo ou de consumo, não devendo ser incorporados ao patrimônio da União”.

Como nunca houve determinação do TCU para devolver itens de caráter personalíssimo e de consumo, as postagens virais enganam ao sugerir que o petista furtou estes itens.

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TCU fez auditoria em objetos

Com base nas caixas encontradas pela Polícia Federal na 24ª fase da Operação Lava Jato, o TCU mandou fazer uma auditoria e constatou o sumiço de mais de 4 mil itens do patrimônio da Presidência da República desde o governo de Fernando Collor de Mello. Como a legislação sobre o assunto, contudo, é de 2002, apenas os casos de Lula e Dilma foram adiante.

Em setembro de 2016, o Tribunal determinou que fossem identificados os atuais mantenedores de 586 bens recebidos por Lula e 144 por Dilma, para que fossem incorporados ao acervo público da Presidência da República em um prazo de 120 dias. Depois, o número caiu para 434 itens com Lula e 117 com Dilma. Na época, os ex-presidentes argumentaram que levaram itens recebidos de presente durante suas gestões, mas o TCU concluiu que a interpretação do Decreto 4.344/2002, que trata do assunto, foi equivocada.

Em nota, o TCU disse que “a interpretação gramatical do inciso II do Decreto 4.344/2002 apenas admite a conclusão de que não só os documentos bibliográficos e museológicos, recebidos em eventos formalmente denominados de ‘cerimônias de troca de presentes’, devem ser excluídos do rol de acervos documentais privados dos presidentes da República, mas, também, todos os presentes, da mesma natureza, recebidos nas audiências da referida autoridade com outros chefes de Estado ou de governo, independentemente do nome dado ao evento pelos cerimoniais e o local que aconteceram”.

Por conta de sucessivos pedidos dos dois ex-presidentes para adiar os prazos, os trabalhos só foram concluídos em 2019, com a localização e recuperação de 306 itens com Lula e de 111 com Dilma. Segundo documento do TCU, a equipe de Lula informou que não sabia da localização de 74 itens faltantes, enquanto Dilma declarou que os seis itens não localizados com ela estavam nas dependências da Presidência.

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Por causa desta falta, a comissão entendeu que alguns itens das determinações do TCU sobre o assunto estavam concluídos apenas parcialmente. Mas, em 2020, os ministros do TCU, por unanimidade, consideraram que os itens estavam cumpridos.

Objetos encontrados

Entre as publicações compartilhadas pelo autor do vídeos está uma do UOL, feita em agosto de 2016, apontando que, entre os objetos que tinham desaparecido do Planalto após as saídas de Lula e Dilma, estava a própria faixa presidencial. Anos mais tarde, em março de 2021, o Planalto disse ter encontrado a faixa. Ela estava guardada em um cofre que fica no cerimonial da Presidência.

O objeto, entretanto, estava sem um broche de ouro e diamante, mas este também não tinha sido furtado: estava embaixo de um armário, no mesmo cerimonial.

Por e-mail, o autor de um dos vídeos checados, Marcos Paulo, respondeu ao Verifica que mencionou diretamente apenas o caso do crucifixo, porque havia sido capa de jornal. Ele disse não ter citado a faixa presidencial, embora o caso apareça em um dos conteúdos compartilhados. Marcos Paulo que fará um vídeo esclarecendo a situação e anexando novas informações.

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