Esta checagem foi produzida por jornalistas da coalizão do Comprova. Leia mais sobre nossa parceria aqui.
Conteúdo investigado: Post no Facebook traz uma imagem do ex-presidente Lula com um texto afirmando que os "filhos milionários" do petista não são investigados pela Justiça porque Lula teria ameaçado o Supremo Tribunal Federal. Embaixo da foto, há uma frase atribuída ao ex-presidente: "Se um dos meus filhos for preso, arrasto todo o STF junto".
Onde foi publicado: Facebook.
Conclusão do Comprova: É falsa a publicação feita no Facebook, no dia 3 de julho, que sugere que os "filhos milionários de Lula" não são investigados pela Justiça porque o ex-presidente teria ameaçado o STF ao proferir a seguinte frase: "Se um dos meus filhos for preso, arrasto todo o STF junto".
Buscas na internet resultaram apenas em frases antigas com o mesmo teor, porém todas sem qualquer menção a fontes que baseassem a alegação. Nenhum registro da frase utilizada no post verificado, ou variações dela, foi localizado em sites de órgãos oficiais ou reportagens jornalísticas.
Procurada, a assessoria de imprensa de Lula afirmou que ele jamais proferiu as ameaças ao STF. Já a assessoria da Corte disse não ter localizado registro do assunto quando perguntada se havia sido procurada por jornalistas, em algum momento, para comentar as supostas declarações do ex-presidente.
O Comprova classifica como falso todo conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. Originalmente, o post foi publicado no Facebook em 20 de fevereiro de 2021. Este conteúdo, até o dia 7 de julho, alcançou 781 curtidas e 43 mil compartilhamentos. A segunda publicação, feita em um grupo de apoiadores do presidente Bolsonaro, teve 1,5 mil curtidas, 666 comentários e 1,7 mil compartilhamentos.
O que diz o autor da publicação: O Comprova entrou em contato com as duas pessoas que publicaram o conteúdo no Facebook, mas não houve retorno até o fechamento da verificação.
Como verificamos: As buscas no Google pelas palavras-chave "Lula", "ameaça" e "STF", ou trechos da frase supostamente dita pelo ex-presidente, retornaram conteúdos suspeitos que não mencionam nenhuma fonte e uma checagem feita pelo Estadão Verifica em maio de 2021.
Nenhuma repercussão na imprensa nacional a respeito da suposta declaração foi encontrada.
Buscando em redes sociais, a equipe achou posts semelhantes ao verificado, que utilizam a mesma foto, mas com variações da frase. O mais antigo é de março de 2018.
Fazendo uma busca reversa pela imagem que aparece na postagem, o Comprova encontrou reportagens do jornal El País e do G1 que mostram que a foto foi tirada durante uma coletiva de imprensa de Lula em São Paulo, em março de 2016. Na época, o ex-presidente, que era investigado por lavagem de dinheiro e corrupção passiva no caso do tríplex no Guarujá, foi conduzido coercitivamente para prestar depoimento à Justiça. Nos registros disponíveis da coletiva, a frase não aparece.
O Comprova também buscou informações sobre os filhos do ex-presidente, seus patrimônios (Justiça Eleitoral, Estadão, Veja) e investigações que sofreram ao longo dos anos (G1, Agência Brasil, Folha e O Povo).
A equipe ainda fez contato com as assessorias de imprensa de Lula e do STF, e com o jurista Modesto Carvalhosa, que citou, em entrevista em março de 2018, que Lula proferiu a frase.
Declaração não foi feita por Lula
Além da frase "Se um dos meus filhos for preso, arrasto todo o STF junto", atribuída a Lula pelo post falso, publicado no último dia 3, no Facebook, o Comprova localizou outras duas variações da frase também atribuídas ao ex-presidente em publicações referentes aos anos de 2018 (1, 2) e de 2019. São elas, respectivamente: "Se eu for para a cadeia arrasto o STF comigo" e "Se prenderem meu filho, arrasto todo STF junto".
Todas as postagens usam a mesma foto de Lula. A partir de buscas reversas da imagem na internet, foi possível identificar que a foto, feita por reportagem publicada pelo El País em 4 de março de 2016, por ocasião da coletiva dada por Lula após a condução coercitiva para prestar depoimento no âmbito da Lava Jato. A legenda da foto é "Lula, durante a coletiva de imprensa que deu em São Paulo ao terminar sua declaração ante a polícia".
A entrevista coletiva pode ser conferida na página oficial de Lula no Facebook e no G1. Em nenhum momento Lula profere as frases atribuídas a ele.
Todos os posts suspeitos localizados pelo Comprova não trazem informações sobre o contexto em que as frases teriam sido ditas. As supostas declarações também não aparecem sendo repercutidas por veículos de imprensa, o que sugere que a informação é falsa.
A mesma conclusão aparece em checagem do Estadão Verifica, que, em maio de 2021, analisou postagem com frases atribuídas a Lula, sendo uma delas a seguinte: "Se prenderem os meus filhos, arrasto todo o STF junto".
Como apontado pelo Estadão Verifica, caso fosse verdadeira, a frase teria sido publicada na imprensa, uma vez que se trata de uma ameaça ao Judiciário feita por um dos principais políticos do país.
O Comprova procurou a assessoria de imprensa do STF, partindo do princípio de que, caso tal declaração de Lula tivesse sido publicada pela imprensa, o órgão teria sido procurado para repercutir a frase. Resposta: "Olá, não localizamos registro desse assunto".
O Comprova também localizou entrevista com o jurista Modesto Carvalhosa, postada no canal do YouTube da TV Gazeta, em 27 de março de 2018. Carvalhosa falou sobre as decisões do STF em relação aos processos do ex-presidente Lula.
Ao responder a pergunta da jornalista Maria Lydia Flândoli se havia "alguma coisa por trás da decisão do Supremo" de suspender o julgamento, em 22 de março de 2018, do pedido de habeas corpus de Lula, adiando a decisão para o dia 4 de abril daquele ano, Carvalhosa disse: "O ex-presidente Lula, que é réu condenado pela Justiça Federal, declarou outro dia, e saiu em todos os jornais, que se ele for preso ele vai arrastar os ministros do Supremo Tribunal também com ele. Se alguém faz uma ameaça dessas, fica bem claro que os ministros do Supremo Tribunal Federal estão sendo ameaçados".
O Comprova procurou Modesto Carvalhosa, que respondeu: "Não me lembro de ter dito essa frase em época nenhuma. Deve haver algum desencontro de fontes, pode ser uma fake news da época".
A assessoria de imprensa de Lula também foi procurada, primeiramente em relação à frase do post verificado: "Se um dos meus filhos for preso, arrasto todo o STF junto". "O ex-presidente jamais disse isso. Infelizmente o bolsonarismo, assim como na pandemia, tem divulgado mentiras contra o PT, para tentar criar distrações em relação ao desastre do governo Bolsonaro", respondeu a equipe do petista.
Após a localização da variação da frase - "Se eu for para a cadeia arrasto o STF comigo" - em postagens de 2018, o Comprova fez novo contato com a assessoria de Lula, que afirmou: "Ele nunca disse isso. Aliás ele foi preso e não arrastou ninguém. Defendeu-se e provou sua inocência."
O contexto das frases atribuídas a Lula
As primeiras publicações com as supostas frases atribuídas a Lula em ameaça ao STF surgiram em 2018, no contexto do julgamento, na corte, do habeas corpus preventivo protocolado pela defesa de Lula, que havia sido condenado, em julho de 2017, a nove anos e seis meses de prisão pelo caso do triplex do Guarujá. A condenação foi mantida em segunda instância, em 24 de janeiro de 2018, com aumento de pena para 12 anos e um mês de prisão.
A defesa de Lula entrou com pedido de habeas corpus no STF. O primeiro julgamento na Suprema Corte foi em 22 de março de 2018. A sessão, no entanto, foi adiada para o dia 4 de abril. Nesse meio tempo, surgiram as postagens com a frase: "Se eu for para a cadeia arrasto o STF comigo". Na madrugada de 5 de abril daquele ano, os ministros rejeitaram o habeas corpus por seis votos a cinco. O ex-presidente foi preso dois dias depois.
Já em 2019, a declaração falsa atribuída a Lula "Se prenderem meu filho, arrasto todo STF junto" surge no contexto do pedido de prisão do filho de Lula Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, pela Polícia Federal. Em setembro daquele ano, a juíza Gabriela Hardt, da 13.ª Vara Federal de Curitiba, negou o pedido da PF, entendendo que não havia necessidade de decretação de prisão temporária dos investigados.
Agora, a frase "Se um dos meus filhos for preso, arrasto todo o STF junto", também falsamente atribuída a Lula, passou a circular em um momento em que o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) começou a fazer declarações atacando o Tribunal e seus ministros (Folha, Gazeta do Povo, Correio Braziliense).
Patrimônio dos filhos de Lula
A postagem aqui verificada afirma que os filhos de Lula, Fábio Luís, Luís Cláudio, Sandro Luís, Marcos Cláudio e Lurien Cordeiro, são milionários. Por se tratar de dado pessoal e não público, há dificuldade de confirmar o exato patrimônio deles. No entanto, o Comprova já mostrou que, conforme consta no Brasil.IO, site que facilita a busca por dados públicos, Fábio Luís é sócio de quatro empresas: G4 Entretenimento e Tecnologia Digital Ltda.; Br4 Participacoes Ltda.; LLF Participacoes - Eireli e FFK Participacoes Ltda.
Através da consulta aos CNPJs das empresas, o Comprova encontrou o capital social de cada uma, ou seja, quanto foi necessário investir para que as empresas se mantivessem e começassem a gerar lucro. Foram R$ 100 mil para a G4 Entretenimento e Tecnologia Digital, R$ 4 milhões para a Br4 Participacoes, R$ 110 mil para a LLF e R$ 150 mil para a FFK.
Sandro Luís é sócio de FlexBR Tecnologia Ltda., Gasbom Cursino I e Gisan Comércio de Roupas e Acessórios Ltda. Marcos Cláudio tinha 25% das quotas do capital social da empresa Flex BR, segundo sua prestação de contas à Justiça Eleitoral em 2016, ano em que foi candidato a vereador em São Bernardo do Campo (SP). Naquele ano, a lista de bens declarados correspondia a R$ 614.485,15.
Luís Cláudio é sócio da LFT Marketing Esportivo Ltda., Touchdown Promoção de Eventos Esportivos Ltda. e Lula Comércio e Serviços Fotográficos Ltda. A pesquisa pelo nome de Lurian Cordeiro não retornou resultados.
A última declaração de renda de Lula à Justiça Eleitoral é de 2018. Na ocasião, o ex-presidente declarou patrimônio de R$ 7.987.921,57.
Ainda em 2018, no processo de inventário e partilha de bens de Marisa Letícia, esposa de Lula falecida em fevereiro de 2017, a defesa do ex-presidente informou à Justiça patrimônio de R$ 12,3 milhões do casal, em regime de comunhão universal de bens.
Investigações contra os filhos de Lula
De acordo com a apuração do jornal O Povo, feita em março de 2021, até aquele momento, dos cinco filhos de Lula, quatro estavam envolvidos em investigações: Fábio Luís, Luís Cláudio, Sandro Luís e Marcos Cláudio.
Em janeiro de 2022, a Justiça Federal de São Paulo arquivou a investigação sobre Fábio Luís na Operação Lava Jato. Ele era investigado em caso de repasse de mais de R$ 100 milhões da Oi/Telemar para a empresa Gamecorp/Gol, de sua propriedade.
A juíza Fabiana Alves Rodrigues, da 10ª Vara Criminal Federal de São Paulo, atendeu a um pedido do Ministério Público Federal (MPF), que defendeu o arquivamento do processo após o STF decidir pela suspeição do ex-juiz da vara federal de Curitiba Sergio Moro nos processos da Lava Jato em relação a Lula e pessoas ligadas ao ex-presidente.
Em 2016, o Ministério Público Federal (MPF) denunciou à Justiça Lula e Luís Cláudio pelos crimes de tráfico de influência, lavagem de dinheiro e organização criminosa no âmbito da Operação Zelotes, da Polícia Federal. Segundo o MPF, houve uma simulação de prestação de serviços por uma firma de Luís Cláudio, que recebeu R$ 2,55 milhões de um escritório apontado como sendo de lobistas.
Em março deste ano, o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, suspendeu a ação penal.
Já Marcos Cláudio teve sua casa, no interior de São Paulo, alvo de uma operação de busca e apreensão da Polícia Civil em 2017, após uma denúncia anônima sobre uso de drogas no local. Os agentes não encontraram nada de ilícito.
Em 2016, no âmbito da Operação Lava Jato, a Polícia Federal e o Ministério Público investigaram irregularidades no repasse de dinheiro do Instituto Lula e da empresa LILS Palestras, Eventos e Publicações Ltda a Fábio Luís, Marcos Cláudio e Sandro Luís. Em novembro de 2021, a 5ª Vara Criminal Federal de São Paulo encerrou o inquérito contra os três por falta de provas, acolhendo solicitação do MPF.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia de covid-19, eleições presidenciais e políticas públicas do governo federal que viralizaram nas redes sociais. A postagem aqui verificada mente ao dizer que o ex-presidente e pré-candidato ao Planalto Lula teria feito ameaças ao STF, mais alta instância do poder judiciário brasileiro. Conteúdos como esse podem influenciar a decisão dos eleitores no pleito, que deveriam basear o voto em informações verídicas.
Outras checagens sobre o tema: Em verificações recentes envolvendo o ex-presidente, o Comprova mostrou que postagem usa foto de atos sem presença de Lula para tentar desacreditar pesquisas eleitorais, que é falso vídeo que tenta ligar filho de Lula a Petrobras e a aumento de combustíveis e que Lula não tem conta no banco do Vaticano.
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