A um mês e meio do início do prazo para fazer a Declaração do Imposto de Renda 2023, o trecho de um debate na Rede Globo em 28 de outubro do ano passado, voltou às redes sociais para cobrar do agora presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) uma promessa de campanha: isentar do pagamento do IR todos os brasileiros que ganham menos do que R$ 5 mil. Isso porque, em 2023, o contribuintes que ganham a partir de R$ 1.903,98, ou seja – 1,4 salário-mínimo – terão que pagar o imposto.
Nas redes, vídeos afirmam que a promessa de Lula era fake e que o governo decidiu prejudicar os mais pobres. Para que a cobrança do tributo não atingisse essa camada dos trabalhadores, o governo precisaria corrigir imediatamente a faixa de isenção da tabela do Imposto de Renda conforme a inflação, o que não acontece desde 2015 – por isso, a defasagem. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou logo nos primeiro dias do ano que a correção só entrará em vigor em 2024. Segundo ele, não é possível fazer com que a mudança valha já para 2023 por conta do chamado princípio da anterioridade, que impede que tributos sejam reajustados em um curto espaço de tempo para, em termos práticos, não pegar o contribuinte de surpresa.
O presidente Lula disse nesta quarta-feira, 18, em um evento com centrais sindicais, em Brasília, que os sindicalistas devem pressionar o Congresso para a aprovação de uma reforma tributária que possibilite uma mudança na cobrança do Imposto de Renda. No início da tarde, Lula tuitou sobre o assunto:
Em Davos, na Suíça, durante o Fórum Econômico Mundial, Haddad disse que o governo enviará em abril uma proposta de reforma na tributação sobre o consumo. Já a proposta sobre as mudanças na tributação sobre a renda deverão ser apresentadas no segundo semestre deste ano.
O que impede a mudança agora?
De acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão, o princípio da anterioridade invocado por Haddad não se aplicaria ao reajuste na faixa da isenção, desde que o governo reduza o imposto para todas as faixas, e não aumente para nenhuma . No entanto, de acordo com a advogada tributarista Elisabeth Libertuci, especialista em assuntos do Imposto de Renda, a proposta veiculada pelo governo de aumentar a cobrança em algumas faixas impede a mudança na tabela por agora.
“Existe uma proposta pelo que ele veiculou que vai aumentar algumas faixas. É por isso que não dá para mexer na tabela em si agora. Ele teria que esperar para o ano que vem”, disse Elisabeth ao jornal no início do mês. Luiz Eguchi, diretor de Tax da Mazars Brasil, empresa especializada em auditoria, impostos e consultoria, também disse ao Estadão que uma correção integral na tabela do IR faria com que o governo deixasse de arrecadar R$ 184,29 bilhões.
Para ele, o impasse diz mais respeito ao orçamento do que à regra de anterioridade, e o governo parece estar de mãos atadas. “Em termos legais, o reajuste é possível, mas tem a trava do orçamento, que não tem a ver em si com a parte tributária”, afirma.
Em entrevista ao O Globo, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que não há espaço para corrigir a tabela do Imposto de Renda já em 2023 sem comprometer o orçamento. “Se eu mexo na tabela de Imposto de Renda, eu estou deixando de arrecadar. Eu tenho um Orçamento para ser executado esse ano. Por isso que estou dizendo: eu posso fazer isso para o ano que vem, temos quatro anos para isso. Você diminui a receita ao mexer na tabela. Tem que compensar com alguma coisa, e isso depende de uma decisão política”, disse.
O governo desistiu de isentar quem ganha até R$ 5 mil?
A proposta de governo cadastrada pela equipe de Lula junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante a campanha não especifica qual faixa ficaria isenta do imposto. O texto informa, contudo, que existe uma intenção de aumentar a taxação sobre os mais ricos e reduzir para os mais pobres.
“Proporemos uma reforma tributária solidária, justa e sustentável, que simplifique tributos e em que os pobres paguem menos e os ricos paguem mais”, diz um trecho da proposta. “Vamos fazer os muito ricos pagarem imposto de renda, utilizando os recursos arrecadados para investir de maneira inteligente em programas e projetos com alta capacidade de induzir o crescimento, promover a igualdade e gerar ganhos de produtividade”, completa outro trecho.
Esse movimento, de aumentar a taxação para uns e reduzir para outros, esbarraria no princípio de anterioridade, enquanto uma redução agora, já em 2023, só seria possível se a tabela fosse corrigida reduzindo a tributação para todos. Para cumprir a promessa feita pelo governo, a correção na tabela do Imposto de Renda precisa ocorrer por meio de um projeto de lei aprovado no Congresso ou por uma medida provisória, com efeito imediato.
O Estadão Verifica questionou o Ministério da Fazenda e a Secretaria de Comunicação da Presidência se houve alguma mudança de intenção no governo em relação à isenção – inclusive, se a faixa de renda que deverá ficar isenta mudou –, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Apesar disso, cálculos feitas por associações de auditores fiscais da Receita Federal apontam que, se feita a correção integral da tabela a partir da inflação, o teto de isenção chega bem próximo dos R$ 5 mil.
Como ficaria tabela, se fosse corrigida agora?
De acordo com estudos feitos pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco) e pelo Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), a defasagem na tabela do Imposto de Renda para o exercício fiscal de 2023 é de 148,1%. Se ela fosse totalmente corrigida pela inflação, ficariam isentos em 2023 todos aqueles que recebem até R$ 4.465,34. Seriam 18 milhões de isentos a mais. Para 2024, o limite para isenção seria para que ganha até R$ 4.723,77.
“A correção da Tabela do IRPF pelo índice integral da inflação evitaria uma distorção comum na política tributária brasileira dos últimos 25 anos: o pagamento de mais imposto de renda, mesmo por aqueles que não tenham auferido ganhos reais. Esta é uma séria ofensa aos princípios da Capacidade Contributiva e da Progressividade, inscritos na Constituição Federal”, diz um trecho do estudo publicado pelo Sindifisco.
“Quem ganha mais deve pagar progressivamente mais. Porém, a não correção integral da tabela faz com que muitos daqueles que não ganharam mais, ou mesmo ganharam menos, paguem mais. É, portanto, uma política regressiva, desprovida de um senso maior de justiça fiscal e que, por estas razões, conduz à ampliação das desigualdades distributivas do país”, completa o estudo.
Quem decidiu taxar os que ganham mais de 1,5 salário-mínimo?
A decisão sobre qual faixa salarial precisará pagar o Imposto de Renda em 2023 não foi tomada pelo governo atual. A última correção na tabela do IR de acordo com a inflação foi feita em 2015, ainda no governo de Dilma Rousseff (PT). Na época, foi estabelecido que aqueles que recebiam até R$ 1.903,98 ficariam isentos. Isso correspondia, oito anos atrás, a 2,4 vezes o valor do salário-mínimo, que foi de R$ 788 em 2015.
No entanto, os reajustes anuais no salário-mínimo – mesmo que, desde 2019, acompanhem apenas a inflação e não ofereçam ganho real – fez com que a remuneração de boa parte dos brasileiros fosse se aproximando cada vez mais do teto de isenção do Imposto de Renda, que não teve a tabela corrigida de 2015 para cá. Agora, o salário-mínimo é de R$ 1.302 – por isso, essa será a primeira vez que pessoas que ganham mais de 1,5 salário-mínimo deixarão de ser isentas do IR.
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