Lula não deu indulto a Cesare Battisti, e sim negou extradição do italiano

Decisão de 2010 foi tirada de contexto depois que Jair Bolsonaro concedeu perdão da pena a Daniel Silveira

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Por Projeto Comprova

Esta checagem foi produzida por jornalistas da coalizão do Comprova. Leia mais sobre nossa parceria aqui.

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Conteúdo investigadoUm post diz que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria concedido indulto a Cesare Battisti, em 2010. A postagem ainda alega que a "graça" é a mesma concedida pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), em abril deste ano.

Onde foi publicado: Twitter e TikTok.

Conclusão do Comprova: Postagens enganam ao afirmar que o ex-presidente Lula teria concedido indulto a Cesare Battisti, condenado na Itália pelo assassinato de quatro pessoas. O petista, na verdade, negou a extradição solicitada pelo país europeu. A postagem equipara ao ato de perdão da pena do presidente Jair Bolsonaro no caso do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), mas as situações são distintas.

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O indulto é a extinção da pena de um condenado. O que Lula fez foi negar uma extradição, ou seja, o envio de uma pessoa para cumprir uma pena em outro país. No Brasil, ambos são prerrogativas do presidente da República.

"Está havendo uma confusão", diz Danilo Berger, mestre em Ciências Criminais, sobre a postagem. Quando se diz que os dois casos são a mesma coisa, não quer dizer que os dois sejam classificados como indulto, mas sim que ambos mostram "favorecimento de uma pessoa por questões políticas".

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor, e que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

Indulto de Bolsonaro a Daniel Silveira causa confusão nas redes. Foto: Reprodução

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos de maior alcance nas redes sociais. No TikTok, o vídeo foi visualizado 14,9 mil vezes. Já no Twitter, a postagem de maior repercussão teve 7,1 mil interações até a publicação desta verificação.

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O que diz o autor da publicação: Os perfis que fizeram as postagens no Twitter e no TikTok não permitem o envio de mensagem direta e não informam outro ponto de contato.

Como verificamos: Consultamos o decreto presidencial do presidente Jair Bolsonaro com o indulto a Daniel Silveira no Diário Oficial da União de 21 de abril de 2022. Também solicitamos à Advocacia-Geral da União (AGU) o parecer AGU/AG-17/2010, sobre o processo de extradição de Cesare Battisti.

AGU/AG-17/2010

Para confirmar as informações oficiais do andamento do julgamento, foram acessados os processos no site do Supremo Tribunal Federal (aqui e aqui). Para este fim, também foram consultadas reportagens na mídia profissional (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

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Por fim, três especialistas em Direito foram entrevistados para dar um parecer sobre a comparação entre indulto e recusa de extradição. Foram ouvidos Daniel Gerber, advogado criminalista especialista em Direito Penal Econômico e mestre em Ciências Criminais; Leonardo Magalhães Avelar, advogado criminalista; e Diego Henrique, advogado criminalista.

Indulto x recusa de extradição

Especialistas ouvidos pelo Comprova afirmam que o indulto e a recusa de uma extradição são situações distintas e não podem ser confundidas.

A extradição ocorre quando um país entrega uma pessoa à Justiça de outro país no qual ela foi condenada por um delito. Por exemplo, o Ministério Público da Itália recentemente pediu ao Ministério da Justiça que solicitasse ao governo brasileiro a extradição do jogador de futebol Robinho. O ex-atacante do Santos foi condenado em última instância no país europeu por violência sexual em grupo contra uma mulher de origem albanesa. O pedido não deve ser atendido porque a legislação não permite a extradição de brasileiros. A defesa do ex-jogador afirma que a relação sexual foi consensual.

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Já o indulto é o perdão e a extinção de uma pena, explica o advogado criminalista Leonardo Magalhães Avelar. Segundo ele, a negativa de extradição está relacionada à soberania nacional e é "absolutamente distinta", do ponto de vista jurídico, da concessão de indulto. Avelar ainda lembra que a recusa de extradição pode ser revista quando há uma mudança de governo, como aconteceu no caso de Battisti (saiba mais abaixo), o que não ocorre com indulto. "Em razão da não retroatividade de decisão que seja mais gravosa à pessoa acusada, dificilmente a concessão do indulto poderia ser revista por um novo presidente da República."

Daniel Gerber, especialista em Direito Penal, concorda que as duas medidas não são equiparáveis. Ele diz que há uma confusão em torno do caso porque tanto na situação envolvendo Daniel Silveira quanto na de Cesare Battisti, houve favorecimento por identificação ideológica. "Se (a oposição) reclamar sob o argumento de afinidade política, receberá de volta a acusação de que o ex-presidente Lula fez a mesma coisa com Battisti. Não é a mesma coisa (que) indulto, é a mesma coisa (no sentido de) favorecimento de uma pessoa por questões políticas."

O advogado criminalista Diego Henrique concorda que o indulto e o ato de negar uma extradição são "institutos absolutamente distintos e em nenhuma medida equivalentes", embora ambos estejam sujeitos à discricionariedade do presidente da República. Ele diz, ainda, que, enquanto o indulto extingue a punibilidade da pessoa, o mesmo não ocorre quando o presidente nega a extradição. "Igualmente, não tem o condão de impedir o desencadeamento do processo-crime que corre em outro país em face do extraditando, tampouco de extinguir sua punibilidade."

Cesare Battisti desembarca em Roma, preso Foto: Alberto Pizzoli/AFP

O caso de Cesare Battisti

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Cesare Battisti foi condenado à prisão perpétua na Itália pelo assassinato de quatro pessoas na década de 1970. As mortes foram atribuídas ao grupo Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), do qual ele fazia parte. Para fugir da prisão, Battisti primeiro se refugiou na França e, depois, no Brasil.

No Brasil, foi preso no Rio de Janeiro, em 2007, por falsificação de passaporte. Foi levado para Brasília enquanto aguardava uma decisão sobre sua extradição. Em 2009, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, acatou o argumento de que Battisti sofreria perseguição política e lhe concedeu o status de refugiado.

Em novembro de 2009, o STF considerou ser ilegal o status de refugiado, o que abriu a possibilidade da extradição. No entanto, no mesmo julgamento, os ministros entenderam que cabia apenas a Lula decidir pela extradição.

Em seu último dia de mandato, no ano de 2010, o ex-presidente Lula decidiu rejeitar a extradição de Cesare Battisti para a Itália, baseando-se em um parecer da Advocacia-Geral da União que alegava que o preso poderia sofrer "perseguição política" em sua terra natal. A decisão gerou protestos do país europeu. A oposição no Congresso brasileiro criticou as decisões a favor de Battisti.

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Battisti viveu no Brasil até 2017, quando foi preso pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) tentando entrar ilegalmente na Bolívia. O presidente Michel Temer assinou sua extradição para a Itália em 2018. Ele atualmente cumpre a pena no país europeu.

'Estadão' de 1 de janeiro de 2011  

O caso de Daniel Silveira

Ex-policial militar, Daniel Silveira foi eleito em 2018 para seu primeiro mandato como deputado federal pelo Rio de Janeiro, com 31 mil votos. Ele disputou as eleições pelo Partido Social Liberal (PSL), mesmo partido ao qual Jair Bolsonaro estava filiado na época.

Daniel Silveira ganhou notoriedade no período eleitoral de 2018 quando, em uma manifestação no Rio de Janeiro, quebrou uma placa de homenagem à vereadora Marielle Franco, assassinada a tiros em março daquele ano. O crime completou quatro anos sem a descoberta de seus mandantes.

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O deputado passou a ser investigado em 2020 nos inquéritos que apuram ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) e a disseminação de fake news. Em fevereiro de 2021, o aliado de Bolsonaro publicou um vídeo nas redes sociais, com pautas inconstitucionais, no qual defendeu o Ato Institucional número 5 (AI-5), instrumento de repressão mais duro aplicado durante o regime militar (1964-1985), e a destituição de ministros do STF. Daniel Silveira foi preso em flagrante por determinação do ministro Alexandre de Moraes.

Quando ainda eram candidatos, o deputado federal Daniel Silveira(à esquerda)e o deputado estadual Rodrigo Amorim, ambos do PSL-RJ, quebraram uma placa que homenageava a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em março de 2018 Foto: Reprodução

Em 20 de abril de 2022, o deputado - filiado atualmente ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) - foi condenado pelo STF a oito anos e nove meses de prisão, em regime fechado, por estímulo a atos antidemocráticos e ataques às instituições.

Um dia após a condenação do deputado federal pelo STF, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto de indulto a Daniel Silveira. Em uma live, Bolsonaro anunciou a concessão de perdão da pena imposta ao parlamentar.

Em seu discurso, Bolsonaro usou o artigo 734 do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual o presidente da República pode conceder "espontaneamente" a graça presidencial, uma forma de indulto (perdão) individual. Ao menos quatro partidos de oposição já entraram com ações no STF para questionar a constitucionalidade do benefício .

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Por que investigamos: O Comprova checa conteúdos sobre a pandemia, as eleições e políticas públicas do governo federal. O conteúdo analisado envolve decisões tomadas por Bolsonaro e Lula, atualmente apontados pelas pesquisas eleitorais como os dois candidatos principais ao Planalto. Os eleitores precisam ter acesso a informações apuradas corretamente para tomar sua decisão nas urnas.

Outras checagens sobre o tema: Já explicamos que um homem que viralizou nas redes sociais sugerindo fraude eleitoral não é advogado do PT, partido de Lula, mas sim um comediante. Também já mostramos que Bolsonaro não se beneficiou de fraude eleitoral em 1994.

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