Boato relaciona projeto de mineração no Pará ao Fundo Amazônia

Ao reclamar da expulsão de garimpeiros de área em Itaituba, vídeo desinforma sobre o financiamento de projetos de sustentabilidade

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Atualização:

Esta checagem foi produzida por jornalistas da coalizão do Comprova. Leia mais sobre nossa parceria aqui.

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Conteúdo investigadoVídeo que afirma que Lula “vendeu a Amazônia”, mais especificamente a região de Itaituba, no Pará, para estrangeiros. O narrador cita projeto da mineradora Brazauro, que teria negociado terras naquela área, e relaciona o empreendimento com “canadenses e alemães”, Fundo Amazônia e políticos brasileiros.

Onde foi publicado: TikTok.

Conclusão do Comprova: Não é verdade que o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), tenham “vendido a Amazônia” para uma empresa estrangeira em troca de recursos bilionários do Fundo Amazônia. Ao fazer essa alegação, post desinforma sobre um projeto de mineração em Itaituba, no Pará, que obteve autorização de lavra pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e realizou licenciamento ambiental junto à Secretaria do Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) em diferentes governos.

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Garimpeiros, de fato, devem ser impedidos de explorar ilegalmente a área para obtenção de ouro. A prática na região vinha sendo realizada desde a década de 1970, segundo estudos, com danos ao meio ambiente e ganhos de produção não ressarcidos ao Estado, detentor do patrimônio. No caso do empreendimento Tocantinzinho, executado pela Brazauro, subsidiária da empresa canadense G Mining, a exploração mineral será executada seguindo regras definidas pelos órgãos públicos e mediante pagamento de R$ 9,7 milhões em compensação ambiental. A construção da base de operação a céu aberto ocorre desde o ano passado.

Doação de países para o Fundo Amazônia não prevê contrapartidas. Foto: Reprodução

O projeto Tocantinzinho também não tem qualquer relação com o Fundo Amazônia, diferentemente do que alega o conteúdo verificado. O fundo tem como finalidade captar doações para investimentos em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Também não faz sentido dizer que o mecanismo de captação de recursos receba “500 milhões por mês” de governos estrangeiros por conta do empreendimento. Desde 2008, o Fundo Amazônia recebeu ao todo US$ 1,2 bilhão da Noruega, US$ 68 milhões da Alemanha e US$ 7,7 milhões da Petrobras.

As doações são usadas para financiar projetos de preservação ambiental no bioma e não geram nenhum tipo de benefício aos doadores, segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), responsável pela gestão do fundo. A exploração mineral, que causa prejuízos ao meio ambiente, não está entre as modalidades de projetos apoiadas pelo Fundo Amazônia.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

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Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 24 de abril, o post somava 182,8 mil visualizações, 10,3 mil curtidas, 6,8 mil compartilhamentos e mais de 900 comentários.

Como verificamos: O Comprova fez essa investigação a partir de documentos públicos relativos ao projeto Tocantinzinho, notícias da imprensa profissional sobre o Fundo Amazônia, dados de sites financeiros sobre as empresas citadas e contato com os ministérios de Minas e Energia e do Meio Ambiente, com a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará e com o BNDES. A empresa Brazauro foi contatada por mensagens. A reportagem também fez uso da plataforma Cruzagrafos, da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) para tentar encontrar conexões da empresa de mineração investigada com outras empresas.

Garimpo tem efeitos nocivos ao meio ambiente e às populações tradicionais da Amazônia.  Foto: Guilherme Gnipper Trevisan/FUNAI/Hutukara

O que é o Tocantinzinho

O projeto é um empreendimento de mineração a céu aberto operado pela empresa Brazauro, que é subsidiária da empresa canadense G Mining. Segundo relatório de impacto ambiental anexado ao processo, a exploração ocorre em uma área de 43.840 hectares no município de Itaituba, no Pará, dentro da Província Mineral do Tapajós. A reserva de ouro foi estimada em 60 toneladas, com previsão de vida útil de 11 anos de operação a partir do segundo semestre de 2024.

A área fica próxima ao distrito de Moraes de Almeida, distante cerca de 290 quilômetros do centro da cidade de Itaituba. O relatório de impacto ambiental aponta que a localidade foi alvo da ação ilegal de garimpeiros durante 50 anos: “A região em que se encontra a Província Mineral do Tapajós já foi alvo de intensa atividade garimpeira principalmente nas décadas de 1970 e 1980, cujo objetivo era a extração de ouro de forma não sustentável, ocasionando diversos impactos ambientais.”

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Segundo o documento, a área do Tocantinzinho era alvo de extração ilegal de ouro “a partir do desmonte hidráulico dos solos superficiais e do uso de mercúrio”. O empreendimento da Brazauro não está livre de impactos ambientais, mas a operação é feita de modo regular, ou seja, passou pela análise dos órgãos públicos de fiscalização e traz contrapartida ao Estado.

Os procedimentos de obtenção de ouro também diferem da prática adotada pelos garimpeiros. O relatório informa que o Tocantinzinho compreende a extração de minério de ouro pelo “método de lavra a céu aberto (abertura de cava) e beneficiamento apropriado”. A perfuração da mina é feita por meio de técnicas de desmonte de rochas por explosivos, além de escavadeiras nas camadas superiores de solo. A cava da mina deve atingir 350 metros de profundidade e 900 metros de largura. Para cada tonelada de minério bruto, pretende-se obter 1,5 grama de ouro.

Processo teve análise de diferentes governos

O Comprova reconstituiu o processo de autorização do empreendimento com base em informações do Ministério de Minas e Energia e do governo do Estado do Pará. A linha do tempo mostra que a Brazauro recebeu licenças durante diferentes gestões federais e estaduais — lembrando que a legislação exige análise técnica para aprovação desse tipo de projeto.

Em julho de 2003, a empresa Brazauro deu entrada em um pedido de exploração da área junto ao governo federal. O Ministério de Minas e Energia relata que a autorização de pesquisa foi concedida cerca de dois anos depois, em abril de 2005, durante o primeiro mandato de Lula. Já a portaria de lavra foi concedida pela Agência Nacional de Mineração apenas em maio de 2018, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB).

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Além de obter os direitos de exploração com a ANM, a empresa de mineração precisa fazer o licenciamento ambiental antes de começar a atuar na região. Nesse caso, por se tratar de um território de abrangência estadual, o licenciamento deve ser realizado com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará. O procedimento depende de três etapas: a licença prévia, a de instalação e a de operação.

A licença prévia, que confirma a viabilidade ambiental de um projeto ainda a ser desenvolvido, foi emitida pela Semas em 2012, ainda durante a gestão de Simão Jatene (PSDB), que governou o Pará entre 2011 e 2018. Quatro anos depois, a Brazauro solicitou a licença de instalação do empreendimento, necessária para o início das obras. O documento foi expedido em 2017.

Os trabalhos não foram concluídos durante todo esse tempo. Segundo o governo do Pará, houve três processos administrativos infracionais na instalação do projeto, que resultaram em multa de R$ 365 mil. Eles se referem a exigências do poder público sobre as obras que não teriam sido atendidas dentro do prazo estipulado, mas o Comprova não encontrou os processos publicamente para verificar quais foram os problemas.

Ainda segundo a secretaria, a Brazauro justificou que não teria como atender essas condições por conta dos atrasos no início das obras, em especial uma linha de transmissão responsável por levar energia elétrica até o local, e solicitou a suspensão da licença de instalação em 2019. Houve encaminhamento de novo pedido para retomada em dezembro de 2021, com uma nova autorização sendo emitida no ano passado e obras a partir de setembro. Ambos os fatos ocorreram na gestão do atual governador, Helder Barbalho (MDB).

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Danos e compensação ao meio ambiente

A extração de minério ocasiona uma série de danos ao meio ambiente. O impacto é detalhado em relatório entregue à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade durante o processo de licenciamento ambiental do Tocantinzinho, localizado em um município que faz parte da Amazônia Legal.

O projeto prevê supressão da vegetação do bioma, limpeza da área, terraplanagem, implantação de vias de acesso internas e externas, aquisição e transporte de insumos, contratação e mobilização de mão de obra, edificações de estruturas físicas temporárias e permanentes, montagem dos equipamentos, captação de água e construção de aterro sanitário, além da inserção da presença humana no ambiente, gerando efluentes e resíduos.

“Essas atividades gerarão o corte de matas e outros tipos de vegetações e, consequentemente, parte de ecossistemas ricos e importantes deixarão de existir e muitos animais que vivem nestas áreas de matas perderão seus habitats. A retirada da vegetação também poderá provocar o aumento das erosões e, por isso, os rios e córregos poderão ficar temporariamente turvos, podendo haver alteração nas comunidades de animais que vivem na água”, informa o relatório. Ao menos 10 espécies de mamíferos registradas na área estão ameaçadas de extinção.

Entre os insumos da operação estão combustíveis, produtos químicos e explosivos. A atividade exige ainda consumo de água e energia, fatores que impactam o meio ambiente. Outro problema gerado é a produção de resíduos sólidos, que podem contaminar o solo e lençóis freáticos, trazendo riscos para a saúde humana, a fauna e a flora do bioma.

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Como contrapartida ao impacto do projeto na Amazônia, a Brazauro pagou R$ 9.720.465,06 a título de compensação ambiental. Deste valor, R$ 6.804.325,55 foram encaminhados ao Estado e R$ 3.158.669,88 ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), segundo o governo do Pará.

A destinação final da verba não foi detalhada ao Comprova, mas documentos públicos indicam que o dinheiro seria usado para a conservação do Parque Nacional do Jamanxim, da Área de Preservação Ambiental do Tapajós e do Parque Estadual do Utinga.

O relatório apresentado pondera que, indiretamente, o empreendimento da Brazauro gera empregos e arrecadação pública e substitui o garimpo ilegal, que corre às margens da legislação brasileira.

A origem da Brazauro

A Brazauro Recursos Minerais S/A é uma mineradora brasileira, subsidiária da canadense G Mining Ventures Corporation. A empresa de capital aberto tem ações negociadas na Bolsa de Valores de Toronto (TSX: GMIN), mas, segundo sites financeiros, a maior parte é de posse de acionistas internos, que são diretores e executivos da própria empresa. A canadense adquiriu a Brazauro em 2021 e está concentrada no desenvolvimento do projeto Tocantinzinho. Este é o único empreendimento da Brazauro no Brasil.

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Antes da compra pela G Mining, entre 2010 e 2021, a mineradora era de propriedade da Eldorado Gold Corporation. Trata-se de outra empresa de origem canadense com papéis negociados em bolsa no Canadá e nos Estados Unidos (TSX: ELD e NYSE: EGO) e que explorava anteriormente a mina de São Bento, em Minas Gerais. Sites de finanças mostram que as ações da Eldorado estão diluídas entre instituições e fundos de investimento.

Procurada pelo Comprova, a Brazauro disse que atua “com responsabilidade e de forma sustentável e não possui qualquer tipo de relação com organizações governamentais e não governamentais como as que foram reproduzidas no vídeo”.

Sem relação com Fundo Amazônia

Diferentemente do que alega o vídeo do TikTok, não existe qualquer relação entre o Tocantinzinho e o Fundo Amazônia. O BNDES, gestor do fundo, refutou a alegação em contato com o Comprova e destacou que este é voltado para ações de preservação do meio ambiente, e não projetos de mineração. Os valores recebidos em doações também diferem completamente do exposto.

O Fundo Amazônia foi criado em 2008 e tem como finalidade captar doações para investimentos não reembolsáveis em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento e de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia Legal. Os repasses não dão benefícios aos países doadores, menos ainda vantagens em uma suposta exploração da biodiversidade e dos recursos minerais da região.

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O BNDES esclareceu ao Comprova em checagem anterior que o Fundo Amazônia é um fundo de REDD+, o que significa dizer que é um fundo que recebe doações baseadas em resultados já alcançados na redução de emissões em função da redução do desmatamento. Portanto, não há contrapartidas relacionadas.

De acordo com o site oficial, o Fundo Amazônia recebeu em toda a sua história quase US$ 1,3 bilhão em doações, equivalente a R$ 3,4 bilhões pela cotação média do dólar em relação ao real no momento da entrada de cada parcela. O governo da Noruega foi responsável por US$ 1,2 bilhão, e o governo da Alemanha, por outros US$ 68 milhões. A Petrobras, com US$ 7,7 milhões, completa a lista de doadores.

A página do Fundo Amazônia aponta que, até o final de fevereiro deste ano, foram financiados 102 projetos envolvendo a quantia de R$ 1,5 bilhão. Os critérios e os focos de apoio podem ser consultados no site do fundo. Em 2019, primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), o comitê orientador foi paralisado. Insatisfeitos com a gestão do fundo, Alemanha e Noruega suspenderam os repasses. O comitê foi reinstalado em 15 de fevereiro deste ano.

Garimpo ilegal é crime

No vídeo do TikTok, o narrador reclama que garimpeiros estão sendo retirados da área do projeto da Brazauro e que a empresa “vai tomar nosso ouro, nossos minérios, tudinho”. O que a gravação não conta é que garimpo ilegal é crime. A prática pode ser enquadrada como dano ambiental e usurpação do patrimônio da União, com penas de até cinco anos, além de multa. O garimpo ilegal é um dos fatores que explicam o alto índice de desmatamento ao ano no Brasil e frequentemente envolve invasões de terras e conflitos com povos indígenas, como os Yanomami.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova não conseguiu identificar o autor da gravação. O perfil do TikTok que publicou o vídeo é anônimo e realizou apenas mais uma postagem na plataforma. Também não foi possível fazer contato por mensagem privada com o perfil pelo próprio TikTok, que permite que apenas amigos troquem mensagens entre si.

O que podemos aprender com esta verificação: O narrador do vídeo, que não se identifica, faz alegações genéricas a respeito de eventual negociação envolvendo o solo da Amazônia. Para transmitir credibilidade no discurso, o homem usa uma estratégia: cita um suposto geólogo que teria atuado por 15 anos na Brazauro, mas, em nenhum momento, menciona o nome dele. É importante desconfiar quando a fonte não é citada e o autor do conteúdo é anônimo.

Em outra parte do vídeo, o narrador diz que “parece” que políticos estariam recebendo dinheiro pela negociação; o termo usado já sugere que ele não tem certeza do que está afirmando.

Nesses casos, procure se informar sobre o tema, fazendo buscas no Google e lendo notícias divulgadas pela imprensa profissional. Se a Amazônia tivesse, realmente, sido vendida, o tema teria gerado repercussão mundial e motivaria uma série de reportagens sobre o assunto.

Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: O Comprova já desmentiu outras peças de desinformação envolvendo o presidente da República e a suposta venda da Amazônia. Constatou, por exemplo, que vídeo engana ao distorcer falas de Lula e sugerir ameaça à soberania nacional e que é falso que ele tenha vendido solo da Amazônia à empresa norueguesa em documento secreto.

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