Médico desinforma ao criticar inclusão de vacinas contra covid em Programa Nacional de Imunizações

Postagem no Instagram falsamente afirma que nota técnica do Ministério da Saúde expressa opinião e não constitui ato normativo

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Atualização:

O que estão compartilhando: vídeo em que médico diz que a nota técnica que incluiu a vacina contra covid no Calendário Nacional de Vacinação Infantil é “opinativa” e não constitui um ato normativo. Segundo ele, apenas a publicação de um despacho ou portaria faria com que a vacina fosse obrigatória e incluída no calendário.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A vacina pediátrica contra a covid-19 foi incluída no Programa Nacional de Imunizações (PNI) e incorporada ao Calendário Nacional de Vacinação Infantil a partir da nota técnica nº 118/2023. Especialistas em Direito consultados pelo Verifica afirmaram que a nota é um ato administrativo válido e que tem efeito de norma.

Procurado, o médico responsável pelo vídeo repetiu que o “fato de o documento ser um ato administrativo válido e eficaz não significa que ele tenha poder de determinar o que determinou”.

Entenda os termos

  • Ato normativo: todo ato do Estado brasileiro que estabelece normas.
  • Nota técnica: documento que apoia tomadas de decisão em políticas públicas.
  • Portaria: ato normativo interno por meio do qual órgãos do governo estabelecem regras.
  • Despacho: documento com a decisão de uma autoridade.

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Obrigatoriedade da vacinação em crianças é constitucional e já foi discutida pelo Supremo Tribunal Federal em 2020 Foto: Reprodução/Instagram

Saiba mais: O vídeo verificado aqui circula nas redes sociais com a alegação de que a nota técnica não seria suficiente para tornar obrigatória a vacinação de crianças. Na gravação, um médico infectologista argumenta que o documento apenas oferece uma opinião favorável à inclusão da vacina Pfizer Baby no Calendário Nacional de Vacinação. Mas isso não é verdade, de acordo com o professor Fernando Aith, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, pela maneira como a legislação sanitária se organiza, a nota tem poder normativo para incluir a vacina no programa.

Aith destaca que, para a área do direito, seria formalmente mais correto a publicação de uma portaria determinando a inclusão da vacina no PNI. Isso não daria margem para discursos que fragilizam a política nacional de imunização. No entanto isso não muda o fato de que a vacina foi, sim, incluída no calendário de vacinação infantil.

O autor do vídeo diz que a ministra da Saúde, Nísia Trindade, deveria ter assinado um despacho ou publicado uma portaria determinando a inclusão da vacina no PNI. Mas isso também é contestado por Aith, que é diretor do Centro de Pesquisas em Direito Sanitário da USP.

Segundo Aith, a validade da nota técnica para incluir o imunizante contra a covid-19 no PNI pode ser explicada a partir da lei nº 6.259/75. O texto, que instituiu o Programa Nacional de Imunizações, afirma nos artigos 12 e 13 que “as pessoas físicas e as entidades públicas ou privadas ficam sujeitas ao controle determinado pela autoridade sanitária”.

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“No caso, a nota técnica foi assinada pela secretária nacional de Vigilância em Saúde, autoridade máxima no Brasil sobre o Programa Nacional de Imunizações, e há clara indicação de inclusão no PNI. A nota é um parecer normativo, portanto, tem poder normativo. Não se chama portaria, mas tem poder normativo”, pontuou Aith.

A nota técnica foi assinada pela secretária de Vigilância em Saúde, Ethel Maciel, e pelo diretor do departamento do PNI, Eder Gatti Fernandes. Por isso, na avaliação do especialista em direito administrativo José Jerônimo de Lima, do escritório Innocenti Advogados Associados, a nota técnica representa um ato da autoridade do PNI. Dessa forma, fica dispensada a necessidade de publicação de uma portaria.

“É um ato administrativo válido e eficaz”, disse Lima. “Até já se incluiu essa vacina no Programa Nacional de Imunizações. Então eu discordo (do vídeo), não tem necessidade de uma portaria.”

O mesmo argumento é defendido pelo advogado Raphael de Matos Cardoso, que também é especialista em direito administrativo. “A lei que trata da vigilância epidemiológica confere ao Ministério da Saúde essa atribuição de atualizar, elaborar o PNI e incluir, ou eventualmente excluir, a vacina que considera obrigatória”, disse. Segundo Raphael, a lei 6.259/75, não menciona qual seria a densidade do ato normativo para que ocorra a incorporação de uma vacina ao PNI.

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De acordo com o professor Aith, a inclusão de vacinas no PNI por meio de nota técnica é comum na legislação sanitária. “Tradicionalmente, isso foi feito assim. Até recentemente, antes de se ideologizar a vacina e ela virar um instrumento de política rasa, todas as vacinas eram incluídas no PNI por meio de nota técnica e manual de manejo. Todas, sempre foi assim.”

STF decidiu pela obrigatoriedade da vacinação contra covid

Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou três ações relacionadas à possibilidade de o Estado determinar a vacinação compulsória contra doenças infecciosas. No julgamento das ações, os ministros decidiram que é constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina. Eles entenderam que a vacinação compulsória não significa vacinação forçada.

Dessa forma, o Estado pode, sim, determinar a vacinação compulsória contra a covid-19. Quem recusa a vacinação pode sofrer com medidas restritivas previstas em lei, como multa, impedimento de frequentar determinados lugares e fazer matrícula em escola. Nenhum cidadão é vacinado à força. Os ministros decidiram que é constitucional a obrigatoriedade de vacinas incluídas no Plano Nacional de Imunizações.

O advogado José Jerônimo explicou que a lei 6.259/75 criou o PNI prevendo, no artigo 3, que o Ministério da Saúde definiria as vacinas de caráter obrigatório. O artigo 39 do decreto 11.798/23 atribuiu ao Departamento do Programa Nacional de Imunizações a competência para definir a implantação das vacinas obrigatórias.

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“O ato normativo que regulamentou o PNI atribuiu ao responsável pelo programa a competência para definição e implantação das vacinas obrigatórias”, explicou. “Não é necessário um ato normativo, no caso uma portaria do Ministério da Saúde, tratando da questão.”

De acordo com o advogado, a inclusão de uma vacina no PNI já é suficiente para que ela se torne obrigatória. “É importante ressaltar que o STF decidiu que essa obrigação é constitucional. A obrigatoriedade de imunização não precisa de uma lei ou um ato normativo”, disse.

Ministério comunica que vacinação é necessária para proteção das crianças contra casos graves e mortes

Em nota, o Ministério da Saúde informou que o PNI incluiu a vacina pediátrica contra a covid-19 no Calendário Nacional de Vacinação para aumentar a proteção para bebês a partir dos seis meses e de crianças de até quatro anos. Segundo a pasta, essa faixa etária foi a mais atingida por óbitos causados pela covid.

O ministério reiterou que a vacina é segura, foi amplamente testada dentro e fora do Brasil, e tem aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Por essas razões, os pais devem levar seus filhos de seis meses a 4 anos para se vacinar e, assim, aumentar a proteção das crianças contra casos graves e óbitos”, informou.

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De acordo com a pasta, para integrar o SUS, uma vacina deve receber autorização de uso da Anvisa e estar de acordo com as definições Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec).

O ministério listou, ainda, os principais atos normativos que instruem e dão legitimidade ao PNI, para indicar as vacinas que integram o Calendário Nacional de Vacinação. Na nota, a pasta menciona o art. 3º da lei nº 6.259/75, o decreto nº 78.231/76, a lei nº 9.782/99 e a lei 12.401/11.

A pasta também destacou que a vacinação infantil está prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e encaminhou o texto do primeiro parágrafo do artigo 14, que diz ser “obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.

Qual a diferença entre portaria e nota técnica?

Veja abaixo a explicação dos termos abordados nesta verificação.

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Ato normativo: de acordo com o professor Fernando Aith, ato normativo é todo ato do Estado brasileiro que tem poder de definir normas. Um ato normativo pode ser uma lei, um decreto, uma portaria, uma resolução, um parecer normativo ou uma nota técnica normativa.

Nota técnica: conforme explicação do advogado José Jerônimo, nota técnica é um documento que, em regra, tem o objetivo de apoiar a tomada de decisão de uma autoridade na execução de uma política pública. Segundo Jerônimo, a nota técnica não tem uma forma prescrita em lei.

Portaria: de acordo com o glossário do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a portaria é um “ato normativo interno por meio do qual os órgãos governamentais estabelecem suas regras”. Por meio desse documento, é possível elaborar “instruções para aplicação de leis ou definições para organização e funcionamento de serviços e ações”.

Despacho: de acordo com Jerônimo, despacho “é a decisão ou o encaminhamento de uma determinada autoridade”.

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O que diz o autor do vídeo

O médico que fala no vídeo é o infectologista Francisco Cardoso, que já teve conteúdos checados pelo Verifica (aqui e aqui). Procurado, Cardoso defendeu os mesmos argumentos citados no vídeo a respeito da nota técnica nº 118/2023. Segundo ele, a lei 6.259/75 e o decreto 78.231/76 não especificam que a nota é suficiente para determinar uma norma. Na opinião do médico, é necessário o despacho da autoridade responsável para que a vacina seja incluída no PNI e passe a ser obrigatória.

Cardoso comparou a nota técnica que incluiu a vacina no calendário de vacinação infantil, com uma outra nota sobre aborto em casos previstos por lei, que recentemente foi revogada pelo Ministério da Saúde. Segundo Cardoso, “não há diferença normativa entre as duas notas técnicas”.

Embora ambos documentos sejam uma nota técnica, a nota sobre o aborto foi anulada após a repercussão entre políticos e influenciadores de oposição. Conforme mostrou o Verifica, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, suspendeu o texto alegando que ele não passou por consultoria jurídica e nem por todas as esferas necessárias da pasta.

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