Em vídeo com mais de 3 milhões de interações no Facebook, um médico cirurgião divulga o chamado "tratamento precoce", sem eficácia contra o novo coronavírus. Na gravação viral, o profissional da saúde afirma que a ivermectina "resolve" sintomas iniciais da covid-19. Até o momento, nenhum estudo comprovou que o remédio apresente benefícios no combate à doença. Agências e entidades internacionais como os Institutos de Saúde dos Estados Unidos (NIH) e Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) não recomendam o uso do fármaco.
A Associação Médica Brasileira (AMB) e a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) divulgaram em janeiro uma nota conjunta em que apontam que "as melhores evidências científicas demonstram que nenhuma medicação tem eficácia na prevenção ou no tratamento precoce para a covid-19, até o presente momento".
As instituições pontuam que pesquisas clínicas ainda estão em curso. "Atualmente, as principais sociedades médicas e organismos internacionais de saúde pública não recomendam o tratamento preventivo ou precoce com medicamentos, incluindo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)".
Até o momento, agências e entidades internacionais como os Institutos de Saúde dos Estados Unidos (NIH) e Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) apontam que não há evidências suficientes para recomendar o uso da ivermectina contra a covid-19.
O vídeo de quase nove minutos teve 3,25 milhões de interações no Facebook, de acordo com a plataforma de monitoramento CrowdTangle, e foi compartilhado em páginas de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro. Na gravação, o médico Davi Rodrigues compartilha outras dicas duvidosas para defender o "tratamento precoce". Especialistas consultados pelo Estadão Verifica reforçam que as orientações do médico não estão alinhadas ao que é defendido por organizações de saúde.
Rodrigues, formado pela Universidade de Brasília (UnB), recomenda que é preciso tomar "uma dose menor" de ivermectina para não prejudicar o fígado. Ele não especifica qual a dose recomendada, e não há estudos que tenham estabelecido um patamar seguro para pacientes de covid-19. Em São Paulo, o uso do chamado kit covid levou cinco pacientes à fila do transplante de fígado. De acordo com médicos ouvidos pelo Estadão, o uso indiscriminado desses medicamentos é apontado como causa de ao menos três mortes por hepatite causada por remédios.
No vídeo, o médico diz que, mesmo com o respirador, existe 60% de chance do paciente de covid-19 morrer se não fizer o tratamento. O Estadão Verifica não encontrou nenhum estudo científico que contenha esse dado. Para o infectologista Sidnei Rodrigues, do hospital Eduardo Menezes, em Belo Horizonte, o que faz diferença não é o uso do "tratamento precoce", e sim, atender nas urgências os pacientes que são grupos de risco e quadro grave.
"Pacientes com sintomas graves de covid, em especial falta de ar, podem necessitar de uso de respirador", afirmou o médico, que trabalha na linha de frente do combate à covid-19. "Mas, sabemos que a mortalidade entre os intubados é alta. Infelizmente ainda não temos um 'tratamento precoce' que evite a evolução negativa do paciente. O que conta é que a equipe de saúde tenha condições de acompanhar de perto os pacientes graves".
Dentre as informações falsas mencionadas no vídeo, Davi Rodrigues afirma que o uso de vitamina D, magnésio e zinco pode prevenir casos de covid-19. Ele recomenda que, ao chegar da rua, as pessoas façam "nebulização com bicarbonato, metade de uma colherzinha de café, e 10ml de soro fisiológico para alcalinizar a via respiratória para o vírus não proliferar". Ele também comenta que usar prata coloidal em gargarejos e no nariz diminui a proliferação do vírus. Nenhuma dessas recomendações encontra respaldo na ciência.
Segundo a farmacêutica bioquímica e virologista do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Jordana Coelho, "não existem evidências de que vitamina D e minerais são preventivos para a covid-19. Essa composição para a nebulização também não tem fundamento científico. Trata-se de um profissional médico que tem uma fala baseada em informações incompletas, incorretas e equivocadas".
É importante ressaltar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o isolamento domiciliar é uma ferramenta de combate ao coronavírus, diferentemente do que afirma Rodrigues. Portanto, o distanciamento para casos suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus é uma forma segura de lidar com a doença para não transmiti-la para outras pessoas.
O Estadão Verifica tentou contato com Davi Rodrigues, mas não obteve resposta. O espaço está aberto para manifestação.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.
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