Médicos japoneses enganam ao afirmar que vacinas contra a covid causam doenças

Segundo apontaram em conferência, as enfermidades seriam causadas pela injeção de substâncias tóxicas no corpo; porém, elas são ministradas de forma controlada e atuam por pouco tempo no organismo, sem causar danos

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Por Bernardo Costa
Atualização:

O que estão compartilhando: cinco vídeos de conferência de médicos japoneses que relatam a ocorrência de doenças causadas pela aplicação da vacina contra a covid-19, contemplando praticamente todos os órgãos do corpo humano. Segundo afirmam, os efeitos adversos seriam causados pela vacina de mRNA (RNA mensageiro), por ela injetar no organismo dois agentes tóxicos: a proteína spike e as nanopartículas lipídicas. Eles ainda citam a proliferação da imunoglobulina IgG4 após a aplicação do imunizante como algo indesejável e que também contribui para o aparecimento dos efeitos adversos. Os médicos afirmam que chegaram a essas conclusões após a análise de 3.071 artigos pesquisados por eles no site PubMed.

O Estadão Verifica apurou e concluiu que: é enganoso. A proteína spike e as nanopartículas lipídicas são injetadas no organismo de forma controlada, em baixas quantidades e com permanência transitória, sendo, assim, incapazes de gerar doenças no organismo. A função delas é provocar a resposta imune no corpo: o objetivo da vacina. Sobre a substância IgG4, os médicos consultados nesta checagem afirmam que não há um estudo sério que comprove que ela é produzida pela vacina, causando danos à saúde. De forma mais abrangente, afirmam que não há relação de causa-efeito comprovada entre a vacina e qualquer doença. Eles consideram, ainda, ser problemática qualquer análise com base em artigos pesquisados no PubMed, por constar, ali, artigos de toda sorte, inclusive aqueles sem qualidade científica atestada. Em 2023, por exemplo, houve recorde de retirada de artigos publicados em revistas científicas, por erro ou fraude: mais de 10 mil, segundo lista da prestigiada revista Nature.

Captura de tela da postagem enganosa Foto: Reprodução/X

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Saiba mais: A conferência foi realizada no dia 11 de janeiro por um grupo de médicos japoneses que criaram, em 16 de junho de 2023, uma associação chamada Grupo de Estudos de Problemas da Vacina. Eles afirmam ter feito um compilado de diversos endereços eletrônicos de artigos pesquisados no site PubMed, da National Library of Medicine (NLM), mantido pelo governo norte-americano. No site, há um aviso de que a NLM apenas coleta a literatura científica publicada por outras organizações, o que não significa que os Institutos Nacionais da Saúde (NIH) dos EUA ou o governo federal norte-americano endossam ou concordam com esses artigos.

Em outra página do site PubMed, consta que não é possível limitar a busca por artigos revisados por pares, ou seja, estudos que são validados por outros pesquisadores, o que os tornam mais confiáveis. Essa característica do site PubMed, no qual foi feita a pesquisa dos médicos japoneses, é apontada como um problema na análise desses médicos pelo virologista Amilcar Tanuri, coordenador do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências: “É difícil você compilar dados ali porque tem artigos de todas as qualidades. Mais de 10 mil artigos científicos publicados na pandemia foram retirados de várias revistas científicas por erro ou fraude. Os dados eram feitos muito rápidos, sem crítica nenhuma. Não dá para querer falar mal da vacina a partir de literatura retirada do PubMed”, diz Tanuri.

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O virologista foi um dos profissionais consultados pelo Estadão Verifica nesta checagem, ao lado do imunologista Orlando da Costa Ferreira Junior, também do Laboratório de Virologia Molecular da UFRJ, e de Jackson Cioni Bittencourt, professor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP). Bittencourt também citou a retirada de vários artigos pré-prints, não revisados por pares, das publicações científicas. “Isso porque outros pesquisadores fizeram a mesma coisa e não encontraram os mesmos resultados. Por isso que alguns pesquisadores sérios, durante a pandemia, conversavam mais através de plataformas confiáveis e fechadas, trocando os dados, do que através de publicações. Isso aconteceu muito”, acrescentou Bittencourt.

Substâncias são injetadas de forma controlada

A proteína spike é um fragmento do vírus SARS-CoV-2, causador da covid-19, por meio da qual o vírus entra nas células humanas. Já as nanopartículas formadas por lipídios são utilizadas para inserir nas células do organismo as substâncias envelopadas por elas. Segundo Orlando Ferreira, elas também produzem uma ação inflamatória que estimula o sistema imunológico a reagir.

Na conferência do dia 11, os médicos japoneses afirmaram que milhares de artigos compilados no PubMed relataram efeitos colaterais após a vacinação que afetam todos os órgãos, “variando desde a oftalmologia até a medicina interna geral, incluindo o coração e a saúde mental”. Nos 3.071 artigos científicos com efeitos colaterais da vacina que disseram ter coletado em pesquisa no site, os japoneses relataram a ocorrência de doenças como “as do coração, rins, tireoide, diabetes, fígado, pele, olhos, sangue e enfermidades neurais, sistêmicas, cerebrais e pulmonares, cobrindo todas as categorias médicas possíveis”.

Ainda na conferência, disseram que o mecanismo por meio do qual esses supostos efeitos colaterais acontecem são conhecidos. Segundo a declaração de um dos médicos, a vacina de mRNA – que rendeu o Prêmio Nobel de Medicina a seus criadores – injeta duas substâncias tóxicas no organismo: a proteína spike e as nanopartículas lipídicas. “Quando você administra um gene tóxico em alguém, as consequências são muito claras”, diz o médico japonês.

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Porém, como explica Tanuri, essas substâncias são injetadas em níveis baixos e de permanência transitória no organismo, justamente para que elas gerem a resposta imune a partir dessa “irritação”. “Qualquer vacina tem um adjuvante que carrega substâncias que irritam, que ativam a sua resposta imunológica para você criar o anticorpo contra o agente, isso não é novidade só na vacina de mRNA não. Mas é uma reação controlada. A vacina da Pfizer tem 30 microgramas de RNA, que nas suas células vão gerar uma quantidade da proteína spike. Essa questão da própria proteína ser tóxica a gente tem que pensar que é uma expressão transitória, não é pra sempre. Essa proteína tem uma vida média no seu corpo e ela vai ser destruída”, diz Tanuri, que prossegue:

“A quantidade de proteína spike que você tem no seu organismo se você for infectado pelo coronavírus é cem vezes maior. A vacina existe para você encontrar com o vírus de forma controlada, sem ter a doença, antes que o vírus entre em contato com você. Então, essa argumentação de que os efeitos colaterais sejam por causa da proteína spike diretamente, é algo que eu não acredito”.

Imagem de microscópio mostra vírus SARS-CoV-2, da covid-19 Foto: NIAD-RML/Reuters

Um texto no site do Conselho Federal de Farmácia traz a mesma explicação dada por Tanuri: “A proteína spike gerada pelas vacinas fica no corpo em concentrações muito menores do que o próprio vírus induz durante a covid-19. Permanecem no corpo apenas os anticorpos contra a proteína spike gerados pela vacinação, que protegem o indivíduo contra os casos mais graves da covid-19″.

Ainda sobre a toxicidade da proteína spike injetada no organismo pela vacina, o Estadão Verificamostrou que ela é eliminada do corpo após vacinação. O Fato ou Fake, do G1, esclareceu que a proteína spike das vacinas de mRNA não provocam danos no organismo. Em outras checagens, o G1 mostrou que a proteína spike da vacina não causa câncer ou trombose.

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Em relação às nanopartículas lipídicas, a inclusão dessa substância na vacina de mRNA segue a mesma lógica: “A quantidade dessas nanopartículas também é ínfima, é na faixa de 100 microgramas, 0,1 miligramas. Ela obviamente induz uma resposta inflamatória, mas assim, de novo, você não está injetando todo dia essa partícula. Então você tem um efeito sim, mas um efeito que a gente chama de adjuvante, um efeito local que tenta causar a inflamação para ativar o sistema imune”, diz Tanuri.

O virologista conclui: “A gente não consegue ver uma razão, uma explicação plausível do mecanismo de ação dessa ação tóxica, tanto da proteína spike quanto dessas nanopartículas lipídicas a ponto de causar doenças no organismo”.

Segundo o imunologista Orlando Ferreira, as nanopartículas lipídicas integram a composição da vacina de mRNA para fazer com que o RNA mensageiro possa entrar nas células com a “mensagem” para que elas criem a proteína spike. “Fora do ambiente da célula, o RNA é rapidamente degradado. As nanopartículas lipídicas recobrem esse RNA e quando elas encontram a membrana da célula, que também é feita de lipídios, elas se fundem e jogam o RNA para dentro da célula, onde ele terá o efeito desejado de fazer as células produzirem a proteína spike”, explica Orlando.

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Outra afirmação dos médicos japoneses é a de que as vacinas de mRNA induzem no organismo a proliferação da imunoglobulina IgG4, que “causa problemas em várias funções imunológicas”, diz um dos conferencistas. Amilcar Tanuri e Orlando Ferreira afirmam não haver comprovação científica sobre isso: “Um colega nosso, no início da pandemia, ia atrás de quatro tipos de IgG, e a IgG4 nunca foi achada”, diz Orlando: “Isso nunca foi ventilado. Essa questão da IgG4, na verdade, está vindo agora com esses japoneses e uns youtubers que estavam levantando isso, mas sem mostrar nenhum dado, sem mostrar nenhum estudo científico que fosse sério”.

Não há comprovação de relação de causa-efeito das vacinas com as doenças citadas

Ao citarem na conferência o surgimento de diversas doenças, inclusive câncer, após as três doses da vacina contra a covid-19, os médicos japoneses incorrem em uma afirmação “perigosa”, segundo Tanuri. Tanto o virologista, quanto Orlando Ferreira e Jackson Bittencourt afirmam que não há relação de causa-efeito comprovada entre as vacinas e as enfermidades citadas pelos japoneses. “Durante a pandemia, as pessoas deixaram de ir ao médico. Então, aquelas que tinham algum problema de saúde em potencial, quando voltaram aos consultórios já vacinadas contra a covid-19, constatou-se que estavam doentes. Aí fica fácil dizer que a causa é vacina, concorda?”, diz Tanuri, que traça uma analogia:

“Em Medicina existe uma anedota. Em Estocolmo, no passado, quando se via uma cegonha em cima da chaminé, se tinha certeza que havia um recém-nascido naquela casa. Acontece que quando nasce uma criança, os pais colocam mais lenha na lareira para aquecer a casa. A chaminé fica mais quente e as cegonhas fazem ninho ali. Então, antes de dizer que foi a cegonha que trouxe o bebê, eu penso muito, eu me questiono: será que é isso mesmo?”

Enfermeira segura vacina da Pfizer contra a covid-19: imunizante que utiliza RNA mensageiro em sua composição. Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO 20/10/2021

Em relação ao câncer, duas reportagens do jornal japonês The Asahi Shimbun apresentam dados que vão ao encontro do que Tanuri diz. Em fevereiro de 2021, o jornal mostrou que a população deixou de realizar exames durante a pandemia com medo de se contaminar com o coronavírus. Segundo estudo da Sociedade do Câncer do Japão, o número de pessoas que foram examinadas para câncer de estômago, pulmão, mama, cólon e útero caiu 63% entre abril e julho de 2020, quando o vírus estava se espalhando, em comparação com o mesmo período de 2019.

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Em outra matéria, foi reportado recorde de mortes no Japão em 2022 desde a Segunda Guerra Mundial, com câncer sendo a principal causa. Segundo o texto, a covid-19 está relacionada ao dado, mas não devido à aplicação da vacina, e sim pelas seguintes hipóteses: um problema pré-existente de saúde pode ter piorado após contrair covid, a pressão sobre o sistema de saúde na pandemia impossibilitou o tratamento de outras doenças e a redução de atividades outdoor pode ter deixado a saúde das pessoas mais fraca.

Segundo Jackson Bittencourt, “nunca conseguiu-se provar que vacina causa doença”. “Pode ser que a pessoa vacinada não sabia que estava com baixa imunidade ou já tinha contraído um outro vírus e, eventualmente, pela requisição da resposta imune para responder ao estímulo da vacina, apresentou a doença. Mas, nesse caso, ela não tem nada a ver com a vacina, não há relação de causa-efeito. Por isso que, antes de ser vacinada, a pessoa é perguntada: ‘você teve alguma doença recentemente? Você é imunodeprimido? Você está usando que droga? Você teve febre?’ Todas essas preocupações são levadas em consideração para aplicar a vacina”, explica Bittencourt.

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