É falso que militares tenham destruído móveis do Planalto antes do ataque de 8 de janeiro

Boato descontextualiza momento em que forças de segurança fazem bloqueio em uma das escadas do 3º andar; prédio havia sido invadido por golpistas mais de uma hora antes

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Foto do author Samuel Lima

O que estão compartilhando: gravação de câmera de segurança do Palácio do Planalto supostamente mostrando militares “destruindo tudo” antes do 8 de janeiro.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. As próprias imagens desmentem o boato. O militar que aparece nas imagens usa uma escrivaninha para bloquear o acesso a uma escada do 3º andar. A alegação de que o fato teria ocorrido antes do atentado não faz sentido porque três manifestantes bolsonaristas circulam pelo local nesse meio tempo.

Além disso, o blog analisou os registros completos da câmera cedidos pelo governo para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro e concluiu que a gravação é de 16h56min — mais de uma hora depois de o prédio ser tomado pelos golpistas.

O primeiro invasor a ser flagrado naquele setor foi um homem de óculos escuros, boné e camiseta amarela cobrindo o rosto, às 15h30min. Ainda houve tempo de dezenas de outros acessarem o corredor e para dois manifestantes destruírem o relógio de D. João VI antes da chegada da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI) e do Exército.

É falso que militares tenham destruído móveis do Planalto antes do 8 de janeiro Foto: Reprodução

Saiba mais: o vídeo analisado nesta checagem faz parte de uma live no Instagram, cuja autoria não foi identificada pelo blog. No TikTok, o conteúdo acumula mais de 10 mil reações.

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Em legendas e comentários dos posts, perfis alegam que militares “quebraram tudo” antes do 8 de janeiro e que o episódio seria uma manobra da “esquerda” para incriminar os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) — campanha de desinformação recorrente desde os ataques (veja por que essa alegação não faz sentido mais abaixo).

O que mostra o vídeo

O material circula em baixa qualidade, aparentemente gravado de outra tela, mas ainda assim é possível ter ideia do que se passa na cena. Em pouco mais de dois minutos, militares aparecem reunidos em um corredor do Palácio do Planalto, com a inscrição de “08-01-2023″ no topo, o que permite entender que a filmagem é de uma câmera de segurança.

No primeiro momento, um homem fardado e outro com roupa de civil pegam uma mesa e a colocam diante de uma escada, em uma tentativa de bloquear a passagem. Em seguida, duas pessoas com bandeiras do Brasil nas costas são orientadas a seguir em direção ao andar de baixo.

Após um corte, o vídeo retoma com um dos militares derrubando objetos de cima de uma escrivaninha e colocando o móvel de lado, deixando cair a gaveta. A gravação é cortada novamente e prossegue com a escrivaninha já colocada sobre a mesa na frente da escada. O militar passa a chutar os objetos de modo a reuni-los no centro do ambiente.

Localizando o original

O Estadão conseguiu localizar o arquivo original através dos registros das câmeras de segurança do Planalto cedidos para a CPMI do 8 de janeiro, de acesso público em uma página do governo federal.

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Constam registros de 33 câmeras diferentes, sendo 24 completas, ao longo de todo o dia 8 de janeiro, e 9 parciais. Sobre essas filmagens incompletas, o gabinete da Presidência informa que os equipamentos foram depredados (3), sofreram queda de energia (1) ou tiveram extração pela PF apenas das 12h às 19h (5).

O passo seguinte foi identificar qual a câmera correta. No vídeo do TikTok, é possível observar a presença do relógio de D. João VI destruído ao lado da parede. Reportagem da TV Globo mostra o mesmo corredor (com relógio, escadas, escrivaninha e caixa eletrônico) e a informação de que se trata da câmera do “3º andar — Escada Oeste”.

Câmera de segurança registra movimentação no 3º andar do Palácio do Planalto Foto: Reprodução / TV Globo

O passo a passo da invasão

O Estadão analisou os registros da câmera a partir das 14h do dia 8 de janeiro, pois o isolamento da Esplanada dos Ministérios foi rompido pelos bolsonaristas às 14h43min. Não houve nenhuma movimentação no corredor do 3º piso antes das 15h30min.

A escrivaninha e a mesa permaneciam em seus lugares, e o relógio de Dom João VI estava intacto. Ou seja, nada estava previamente destruído, diferentemente do que alega o boato.

O primeiro manifestante golpista foi flagrado pela câmera exatamente às três e meia da tarde, subindo a escada. Estava de óculos escuros, boné e com uma camiseta amarela cobrindo o rosto. Na sequência, outro homem, de casaco preto e mochila nas costas, caminha de um lado ao outro do corredor enquanto mexe no celular.

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O terceiro a aparecer, às 15h33min, foi o mecânico Antônio Cláudio Alves Ferreira. Vestido com uma camiseta preta com o rosto de Bolsonaro, ele derruba o relógio e tenta quebrar a câmera de segurança com um extintor de incêndio, depois de empurrar a escrivaninha e a cadeira e acionar o alarme. As cenas foram divulgadas pela CNN Brasil no dia 19 de janeiro.

A partir de 15h37min, houve uma intensa movimentação de manifestantes no corredor do 3º andar (veja na galeria abaixo). Eles circulavam entre os ambientes e subiam e desciam livremente as escadas entre o 2º e o 4º piso. Alguns furtam galões de água, outros sorriem e filmam as cenas com os seus celulares.

Um dos invasores aproveita para sacar dinheiro no caixa eletrônico, outro bate e tenta arrancar peças do equipamento, possivelmente tentando roubá-lo. Dois invasores recolhem o relógio do chão, mas dura pouco: às 16h12min, outro golpista, com uma bandeira improvisando uma mochila nas costas, derruba pela segunda vez o objeto, que se espatifa no chão.

Somente às 16h13min o capitão do Exército e ex-servidor do GSI José Eduardo Natale de Paula Pereira, de camiseta branca, tenta convencer os manifestantes a se retirarem. Ele ficou conhecido por oferecer água aos invasores, em cenas vazadas em abril deste ano e que resultaram na demissão do ex-ministro da pasta, general Gonçalves Dias.

Ainda houve tempo para um dos invasores vasculhar as gavetas da escrivaninha e atirar papéis, cadernos e livros no chão. Ele sai com algo nas mãos e procura entrar em duas salas que estavam trancadas.

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PM e Exército expulsam os bolsonaristas

As forças de segurança aparecem no corredor do 3º piso a partir das 16h27min. Cerca de 15 policiais da PMDF descem a escada do 4º andar com escudos. Um deles aponta a arma com munição não letal para um dos lados e dispara duas vezes. Dois minutos depois, um dos policiais carrega uma mesa para bloquear a passagem da escada de acesso entre o 2º e o 3º piso.

A ofensiva é insuficiente para conter os invasores, que continuam a circular pelo ambiente. O primeiro militar aparece na câmera às 16h48min. Ele entrega garrafas de água para alguns deles e orienta a saída. Na sequência, chegam mais homens fardados, que passam a vigiar o corredor.

O boato analisado pelo Estadão Verifica usa imagens a partir de 16h51min, quando a mesa é recolocada em frente ao lance de escadas. Dois bolsonaristas descem do 4º para o 3º piso e são orientados a deixar o prédio na base da conversa, assim como outro que procurava subir para o corredor. O militar pega a escrivaninha para reforçar o bloqueio às 16h56min. O material pode ser visto no vídeo a seguir.

Alguns minutos depois, às 17h08min, uma mulher de camiseta amarela e com o celular em mãos aproveita um momento de distração dos militares e derruba a escrivaninha, danificando-a. Ela olha na direção do corredor e, ao perceber que um homem vinha em sua direção, foge descendo a escada. Os militares recolocam a escrivaninha em cima da mesa e prosseguem com a vigilância.

Campanha de desinformação

Boatos como o analisado nesta checagem promovem uma falsa ideia de que a depredação do patrimônio público ocorrida no 8 de janeiro seria obra de “infiltrados” de esquerda ou mesmo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Nenhuma investigação séria sobre o assunto trabalha com essa hipótese. As evidências apontam que os autores do ataque foram bolsonaristas inconformados com o resultado da eleição e que passaram meses acampados em frente aos quartéis pedindo um golpe militar antes da posse.

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O Estadão já mostrou anteriormente que o atentado foi planejado por bolsonaristas em redes sociais e aplicativos de mensagens, como canais do Telegram, onde ganhou até apelido, a “Festa da Selma”. Vídeos das câmeras de segurança flagram a ação de golpistas com roupas em verde e amarelo, bandeiras do Brasil e camisetas com o rosto de Bolsonaro e frases usadas pelo político e seus aliados na campanha.

O relatório da intervenção federal no DF apontou ainda que os bolsonaristas se mobilizaram a partir de caravanas e do acampamento golpista montado em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília. Mais de 2 mil pessoas foram detidas em flagrante dentro dos prédios públicos ou no QG do Exército, no dia seguinte. Ao todo, 1.295 respondem a processos criminais no Supremo Tribunal Federal (STF).

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