Homem abordado por MST em vídeo é funcionário e não dono de fazenda; ocupação foi desfeita

Nas redes sociais, o vídeo foi compartilhado milhares de vezes, com legendas que afirmam que o MST expulsou o dono da fazenda. Algumas delas afirmam que o gado foi confiscado

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Atualização:

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Conteúdo investigado: Vídeo em que integrantes do Movimento Sem Terra (MST) informam a um homem em uma propriedade rural que ele precisa deixar o local, já que a terra foi ocupada. Nas redes sociais, o vídeo foi compartilhado milhares de vezes, com legendas que afirmam que o MST expulsou o dono da fazenda. Algumas delas afirmam que o gado foi confiscado e que o homem foi ameaçado para deixar a própria fazenda até as 20h daquele dia.

Onde foi publicado: Twitter, Facebook, Instagram, TikTok e Telegram

Contextualizando: O vídeo de uma conversa entre integrantes do MST e um homem em uma fazenda foi publicado nas redes sociais por diversos políticos, e rapidamente alcançou milhões de visualizações. Nele, duas pessoas identificadas como integrantes do MST informam a um homem em uma casa dentro de uma propriedade rural que ele deveria deixar o local até as 20h daquele dia, já que a terra estava ocupada.

O homem, então, pergunta quem iria retirar o gado da propriedade, já que apenas ele e mais uma pessoa fazem esse trabalho por lá, enquanto uma integrante do MST responde que ninguém do movimento irá mexer nas coisas que estão no local e que aquilo já não diz respeito ao rapaz ou ao dono da terra, e sim às pessoas que a estão ocupando.

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Os vídeos que viralizaram nas redes sociais ganharam textos sobrepostos à imagem ou legendas que afirmaram que o MST havia invadido uma fazenda e expulsado o dono dela. Outras diziam que o gado havia sido roubado e até que o dono tinha sido ameaçado. Algumas apenas teciam críticas ao grupo. O MST confirmou que o vídeo foi feito em uma ocupação do movimento, na zona rural de Parauapebas (PA), mas negou que o rapaz que é abordado no vídeo seja o dono ou que tenha havido violência.

O MST, a Polícia Civil e o Sindicato dos Proprietários Rurais de Marabá – que fica na mesma região – concordaram que o homem é um trabalhador da fazenda. O dono, na realidade, é um fazendeiro identificado como José Miranda Cruz, que entrou na justiça com um pedido de interdito proibitório – uma medida preventiva, para se antecipar à possibilidade de um “esbulho, turbação, ameaça ou conflito fundiário coletivo rural” – e obteve uma sentença favorável nesta segunda-feira, 11 de dezembro.

Gravação feita em Parauapebas, no Pará, foi tirada de contexto nas redes. Foto: Arte/Projeto Comprova

As imagens que viralizaram foram feitas no dia 20 de novembro deste ano e marcaram o Dia da Consciência Negra e a Jornada de Lutas Terra e Liberdade. O acampamento, que havia começado na madrugada do dia 19 para 20 de novembro, foi desfeito na noite de 20 de novembro após uma negociação entre os ocupantes e o Incra, com intermédio da Delegacia Especial de Conflitos Agrários (Deca) de Marabá.

Após desocuparem a fazenda, os integrantes do movimento montaram um acampamento, a cinco quilômetros do local, em uma área cedida por um assentado, enquanto fazem um cadastramento junto ao Incra e aguardam que o órgão federal analise a situação da fazenda ocupada no dia 20. O caso da ocupação também é apurado pela Deca.

O novo acampamento, batizado de Terra e Liberdade, foi palco de uma tragédia no último sábado, 9 de dezembro. Durante a instalação de internet no local por técnicos de uma empresa privada chamada G5 Internet, uma antena acabou atingindo um fio de alta tensão. De acordo com o MST, nove pessoas morreram eletrocutadas, sendo seis trabalhadores sem-terra e três técnicos da empresa. Outras oito pessoas ficaram feridas. Uma delas continuava internada com queimaduras de segundo grau, mas com quadro estável, até a tarde de domingo.

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Em entrevista coletiva, representantes do MST Nacional e do movimento no Pará disseram não haver indícios de que o acidente tenha sido uma ação criminosa com envolvimento dos latifundiários da região, mas culparam as más condições de trabalho na empresa de internet pela tragédia, já que os técnicos trabalharam por longas horas sem uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), mesmo com pedidos dos acampados de que o trabalho fosse suspenso e concluído em outro momento.

O local do vídeo

O conteúdo viral foi publicado por diversos políticos e outros usuários nas redes sociais nos últimos dias. Quase todos registram as mesmas cenas: um diálogo entre integrantes do MST e um homem que diz trabalhar com gado no local. Alguns conteúdos acrescentam que o vídeo foi feito em Mato Grosso, em 5 de dezembro, o que é falso. Um dos vídeos virais possui alguns segundos a mais no início que permitem identificar uma tenda branca e um banheiro químico verde próximos um do outro.

Vídeo com texto sobreposto à imagem afirmando que grupo ficou com gado foi publicado pelo ex-deputado Deltan Dallagnol Foto: Reprodução

Ao fazer uma busca nos arquivos de ocupação do MST, o Comprova localizou estruturas parecidas em uma ocupação nas fazendas Santa Maria e Três Marias, na zona rural de Parauapebas, no dia 20 de novembro.

Tenda e banheiro químico aparecem em imagem de ocupação em Parauapebas Foto: Divulgação/MST

Além disso, uma das pessoas que aparece no vídeo viral – uma mulher usando boné com símbolo do MST e uma camisa verde, calça jeans e sandália – também é vista em um vídeo publicado por um site local feito durante a ocupação. O nome dela não foi identificado.

Mulher que aparece no vídeo viral usando camisa verde do MST, com calça jeans clara, boné e sandália. Foto: Reprodução Foto: Reprodu
Vídeo publicado pelo site Portal Pebão mostra momento da desocupação. Mesma mulher de camisa verde aparece na imagem, usando calça jeans clara, sandálias e boné preto. Foto: Portal Pebão/Reprodução Foto: Portal Pebão/Reprodução

O próximo passo foi buscar informações com o próprio MST, com representantes de fazendeiros da região, com o Incra e com a polícia sobre o conteúdo. Todos, exceto o Incra, reconheceram o vídeo e o apontaram como tendo sido gravado na ocupação de 20 de novembro na fazenda Santa Maria, em Parauapebas.

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Apesar de não poder afirmar que o vídeo tinha sido feito na mesma ocupação, o Incra disse, através da assessoria de comunicação, que atuou no caso citado. “O Incra Sudeste do Pará designou equipe da Câmara de Conciliação Agrária para se reunir com as lideranças e apurar a questão in loco”, disse.

O homem expulso da fazenda

Embora tenha sido citado em dezenas de postagens como sendo o “dono” da fazenda expulso pelo MST, o rapaz que aparece nos vídeos apenas trabalha na propriedade. De acordo com o MST no Pará, não houve nenhum momento de violência ou de desrespeito com os trabalhadores do local durante a ocupação. No diálogo registrado no vídeo, o homem de camisa e boné vermelhos se apresenta como sendo assistente social e diz que tem estrutura à disposição do rapaz para ajudar a levar seus pertences do local.

Em nota, o MST do Pará disse que convidou os trabalhadores para se juntarem ao movimento, mas que havia uma pessoa armada fazendo ameaças. “Na fazenda, [os ocupantes] encontraram uma família de trabalhadores, que inclusive foi convidado a lutar junto com o Movimento. E um vaqueiro que estava armado, ameaçando as famílias ocupantes”, diz a nota. Por essa razão, diz o MST, o vaqueiro foi convidado a deixar o local, para que o Incra e a Justiça vistoriassem a terra.

A nota não diz se o vaqueiro que fazia ameaças é o que aparece no vídeo, mas as imagens não mostram nenhuma arma à vista. Segundo o delegado Antônio Mororó Filho, da Deca, ninguém foi preso. Ele mencionou, ainda, que o homem abordado no vídeo não tinha um vínculo empregatício com a fazenda, e sim que trabalhava lá recebendo diárias, mas não identificou o rapaz pelo nome.

A terra ocupada

De acordo com a direção do MST no Pará, as fazendas ocupadas no dia 20 de novembro no sudeste do estado pertencem à família Miranda. “A área que foi ocupada é um complexo de fazendas que configuram latifúndios improdutivos, de terras griladas”, disse o MST, em nota.

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A situação das terras é investigada pela Superintendência Regional do Incra Sudeste do Pará, com sede em Marabá. “A princípio, uma análise preliminar do corpo técnico do Incra detectou que trata-se de áreas particulares tituladas pelo antigo Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (Getat). Todas as pautas estão sendo analisadas criteriosamente, sob a ótica da legitimidade e do amparo legal”, diz nota do Incra, que sucedeu o Getat, grupo extinto em 1987.

O Comprova tentou localizar o dono da fazenda invadida por intermédio do Sindicato dos Produtores Rurais de Marabá, mas não obteve sucesso até a publicação desta reportagem. O vice-presidente do Sindicato, Maurício Fraga Filho, disse que a propriedade pertence a José Miranda Cruz, e não ao homem que aparece nas imagens. “O rapaz é funcionário da fazenda, ele cuida do gado da propriedade”, disse.

Maurício contou que acompanhou a reintegração de posse e que os integrantes do MST, na realidade, ficaram cerca de 20 horas no local. “Os invasores entraram à noite e saíram pacificamente no final da tarde e início da noite”, disse.

Apesar de Maurício dizer que a saída aconteceu de forma pacífica, a direção do MST no Pará denunciou, em nota no site da organização, que os ruralistas da região queriam uma desocupação forçada e que houve cerco ao local e bloqueio das entradas e saída pela polícia.

O delegado que acompanhou a desocupação e que conduz o inquérito do caso, Antônio Mororó Júnior, da Delegacia Especial de Conflitos Agrários de Marabá, disse que, após a negociação, o grupo montou um acampamento próximo da fazenda. “Nós intermediamos no sentido de que a gente respeita o direito à propriedade, à função social da propriedade, e de maneira alguma queria esvaziar o direito de ninguém. Mas, no atual Estado Democrático de Direito, pensamos que é inadmissível reivindicar dessa forma, com invasões, da forma como foi”, disse.

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Quem é o dono da terra?

A fazenda ocupada pelo MST no dia 20 pertence a José Miranda Cruz, um antigo fazendeiro da região. Ele aparece em pelo menos duas reportagens publicadas em abril de 1998 pela Folha de S.Paulo sobre as tensões na região após o assassinato de duas lideranças do MST em Parauapebas. Na época, 11 fazendeiros tiveram a prisão decretada. José Miranda apareceu nas reportagens falando sobre o temor de que invasões ocorressem (1 e 2).

Sobre a ocupação que aparece nos posts verificados aqui, foi possível acessar a argumentação do fazendeiro a partir da sentença de um pedido de interdito proibitório feito pelos advogados dele no dia 21 de novembro de 2023, um dia após o MST desocupar a fazenda Santa Maria. O juiz titular da Região Agrária de Marabá, Amarildo José Mazutti, disse haver indícios de que José Miranda Cruz exerce a posse da terra de forma “mansa e pacífica e direta” há mais de 30 anos e que explora a atividade de pecuária.

Um funcionário que serviu de testemunha disse que ficam na propriedade cerca de 4 mil animais e que no local possui quatro vaqueiros e outros três funcionários, todos trabalhando com carteira assinada – o que não condiz com a declaração do rapaz que aparece no vídeo, já que ele afirma serem apenas duas pessoas trabalhando com gado, nem com a declaração do delegado Antônio Mororó Júnior, que disse ao Comprova que o rapaz trabalhava no local mediante recebimento de diárias.

No pedido de interdito proibitório, o dono da fazenda argumentou que os integrantes do MST acamparam a apenas cinco quilômetros de distância e que havia ameaças de que voltassem a invadir a fazenda. O juiz atendeu ao pedido de liminar feito pelos advogados, embora tenha dito que “o autor não foi efetivamente molestado, vindo a sofrer apenas ameaças, com atos tendentes a turbar ou esbulhar a posse, definitivamente”.

Na sentença desta segunda-feira, 11, o juiz Amarildo José Mazutti fixou uma multa de R$ 1 mil por dia para cada pessoa que descumprir a decisão e “praticar turbação ou esbulho na área do imóvel objeto da lide”, limitando a multa a R$ 100 mil, e deu um prazo de 15 dias para que as partes contestem a decisão, caso desejem. Segundo a sentença, o Ministério Público se manifestou favorável à liminar.

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No último sábado, 9, antes de viajar a Parauapebas para acompanhar a situação após o acidente que resultou na morte de nove pessoas, o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, disse que negocia com a mineradora Vale um terreno para assentar as famílias. A companhia atua na extração de minérios em Parauapebas.

“Nós vamos levar os sentimentos do presidente Lula, as condolências nossas, e ao mesmo tempo, nós vamos prosseguir uma negociação que já está em curso para o assentamento dessas famílias. Nós, inclusive, tivemos uma ligação com o presidente da Vale semana passada para uma solução de assentamento dessas famílias”, disse, em um vídeo publicado no Instagram.

O que diz o responsável pela publicação: O Comprova tentou contato com alguns perfis que publicaram o vídeo, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até 12 de dezembro, o vídeo somava mais de 4,1 milhões de interações em apenas 6 posts checados nas redes sociais.

Como verificamos: O primeiro passo foi localizar onde o vídeo foi feito, a partir de ferramentas de busca reversa de imagens e de pesquisa em registros de ocupações do MST, o que levou à imagem de uma ocupação no dia 20 de novembro de 2023 em Parauapebas (PA). Em seguida, foram procurados o MST, representantes de fazendeiros da região, o Incra e a Polícia Civil. Também foram acionados perfis oficiais do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.

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Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.

Outras checagens sobre o tema: Como afirmado acima, o MST é alvo frequente dos desinformadores. Só neste ano, o Comprova checou, por exemplo, que matança de bois na Bahia não tem relação com o movimento, que post engana ao associar ao MST plantação de maconha na Bahia e que não há registro público de declaração de Lula nem do MST sobre eliminar o agronegócio da Terra.

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