Postagens nas redes sociais espalham informações enganosas sobre Lia Thomas, nadadora trans dos Estados Unidos. Uma publicação no Facebook diz que ela teria se tornado “a mulher mais rápida do mundo” nas piscinas. No TikTok, um vídeo afirma que ela teria chegado ao topo do ranking após começar a disputar na categoria feminina. Ambas as alegações não são verdadeiras.
Pessoas transgênero são aquelas que se identificam com o gênero diferente daquele que lhe foi conferido no nascimento. Já pessoas cisgênero são aquelas que se identificam com o gênero atribuído ao nascer. A postagem checada tem a intenção de dizer que a participação de mulheres transgênero ameaça o protagonismo de mulheres cisgênero no esporte.
Thomas competiu no time masculino da University of Pennsylvania durante três anos até que passou a se identificar como mulher. Em 2022, se tornou a primeira atleta transgênero a vencer uma competição do campeonato universitário dos Estados Unidos. Ela ganhou na modalidade 500 jardas estilo livre com o tempo de 4m33s24, ficando 1s75 à frente da segunda colocada.
Ao contrário do que afirmam as postagens, ela não é a nadadora mais rápida do mundo ou topo do ranking. Ela não é a mais rápida nem da competição mencionada na postagem. Seu desempenho não foi suficiente para bater o recorde de 4m24s06, estabelecido por Katie Ledecky em 2017. Ledecky é dona de 7 medalhas de ouro e duas medalhas de prata olímpicas, além de ser atual detentora dos recordes mundiais de 400 metros, 800 metros e 1500 metros livres.
Entidades esportivas e os atletas trans
Não há consenso no esporte sobre os padrões que devem ser considerados para garantir o direito de competição de pessoas transgênero. Há debate, por exemplo, sobre se os ganhos corporais adquiridos na puberdade podem ser anulados com tratamentos já na fase adulta.
Uma regra do Comitê Olímpico Internacional (COI), de 2015, dizia que atletas transgênero podiam competir se mantivessem os níveis de testosterona no sangue abaixo de 10 nmol/L. Mas a organização reviu seu posicionamento, em 2021, e deixou a cargo de cada federação nacional e internacional estabelecer regras para as modalidades e campeonatos sob sua competência.
Em janeiro de 2022, a National Collegiate Athletic Association (associação de esportes universitários dos Estados Unidos) manteve o padrão estabelecido anteriormente pelo COI para a temporada de 2022. Mas em fevereiro, a federação americana USA Swimming decidiu que as atletas transgênero deveriam comprovar nível de testosterona 5 nmol/L nos três anos anteriores às competições (leia aqui). A nova regra excluiria Lia Thomas da competição da NCAA, que ocorreria no mês seguinte.
Um comitê técnico da NCAA avaliou a nova diretriz e decidiu que ela não deveria valer para aquele ano. Segundo os diretores que participaram da decisão, alterar as regras com a temporada em andamento poderia prejudicar atletas e universidades. Assim, Thomas pôde competir.
Em junho daquele ano, a Federação Internacional de Natação (Fina) emitiu suas próprias regras. Para disputar competições internacionais, atletas transgênero precisam comprovar que tenham passado por tratamento para bloquear hormônios na puberdade. Um tratamento que já existe, mas que ainda não é acessível à maioria das pessoas. Há estados nos Estados Unidos em que ele foi proibido.
Para permitir a participação dos que não se encaixam na nova regra, a Fina encaminhou providências para criar uma modalidade “aberta” própria para os atletas trans.
Desinformação sobre trans
Postagens com desinformação sobre a população trans viralizaram depois que o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) proferiu um discurso contra “homens que se sentem mulheres” no Dia Internacional da Mulher. Ele se tornou alvo de notícia-crime junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e o Ministério Público Federal pediu à Câmara dos Deputados que apure se ele cometeu transfobia.
O Estadão Verifica já desmentiu que a lutadora de MMA Gabi Garcia fosse trans. Também mostramos que postagens espalhavam um boato sobre a participação da primeira atleta trans a disputar as Olimpíadas.
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Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.
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