É enganoso um vídeo em que médicos italianos mostram que um kiwi apresentou resultado positivo em exame de covid-19. Postagens no Facebook e mensagens no WhatsApp usam as imagens para sugerir que os testes de diagnóstico da doença são ineficazes e que a pandemia do novo coronavírus seria uma "fraude", com números epidemiológicos superdimensionados.
Especialistas consultados pelo Estadão Verifica, no entanto, esclarecem que o "experimento" dos médicos italianos não tem validade para determinar a eficácia dos testes de covid-19. Isso ocorre porque os exames são fabricados e testados para reagir com materiais biológicos humanos específicos e podem não funcionar adequadamente ao analisar outras substâncias.
"Você não pode pegar, por exemplo, um teste que foi validado para funcionar com sangue e usar saliva", afirmou o médico infectologista do Grupo Sabin e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia do Distrito Federal, Alexandre Cunha. "As substâncias presentes em cada um desses líquidos biológicos podem alterar o resultado. Então imagina trocar isso por uma fruta. É um absurdo".
A microbiologista Luciana Costa, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destaca que, antes de chegarem ao mercado, exames de diagnóstico passam por testes de sensibilidade -- a capacidade de apontar corretamente que uma pessoa está doente -- e de especificidade -- o potencial do exame dar negativo quando de fato não há infecção.
No caso dos exames de covid-19, os índices dos novos produtos são definidos a partir da comparação com testes moleculares ou RT-PCR, considerado padrão-ouro pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a cientista, diante da situação de emergência da pandemia, alguns testes de covid-19 são validados conforme o uso, mas os pacientes sempre recebem o resultado confirmado por um teste molecular.
"Se você pega uma coisa totalmente aleatória, que nunca foi testada, e tem um resultado positivo, você não está invalidando os testes com a substância certa. Provavelmente, pode ter alguma coisa reagindo que não sabemos", afirma Luciana. "O fabricante do teste pode dizer: olha eu não sei (o que houve), eu não testei meu produto com essa substância".
Teste de antígeno
O exame utilizado pelos médicos italianos no vídeo é um teste de antígeno de fluxo lateral. Trata-se de um método capaz de identificar uma infecção pelo novo coronavírus na fase ativa da doença.
Uma página informativa do Centro de Controle de Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (CDC) aponta que a sensibilidade do exame pode variar, mas geralmente é inferior aos parâmetros do RT-PCR. Já a especificidade costuma ser semelhante.
A vantagem, por outro lado, é que os exames de antígenos são mais baratos e fornecem resultados mais rápidos, em períodos de 10 a 30 minutos. A autoridade sanitária americana destaca que a performance do exame depende bastante das circunstâncias em que é aplicado.
"Tanto os testes de antígenos como os testes de amplificação de ácido nucleico [como o RT-PCR] têm melhor desempenho quando a pessoa testada contém carga viral elevada", diz o CDC. "Também podem ser informativos em situações em que a pessoa tem uma exposição conhecida a um paciente com covid-19".
Ainda de acordo com o CDC, pode ser necessário confirmar o resultado do teste de antígeno com um teste de RT-PCR, "especialmente se o resultado do exame for inconsistente com o contexto clínico". Um documento da Organização Mundial da Saúde pontua que os testes de antígeno são uma ferramenta importante para expandir programas de testagem em massa.
A professora Luciana Costa explica que o método funciona a partir da identificação de anticorpos específicos para proteínas do novo coronavírus fabricados em laboratório. Os anticorpos são produzidos em modelos animais e adicionados a uma membrana presente nos aparelhos de diagnósticos.
"Toda vez que esse anticorpo entrar em contato com o antígeno, que é a proteína do novo coronavírus, ele vai grudar nessa proteína", explica Luciana. "Isso precipita um corante, que vai indicar o resultado do teste. Se a cor aparece é porque ali tinha material viral".
Isso não significa, porém, que existem partículas virais do novo coronavírus no kiwi que foi "testado" pelos médicos italianos.
Testes de covid-19 são alvos de desinformação
Esta não é a primeira vez que resultados positivos de testes de covid-19 com amostras inadequadas alimentam conteúdos enganosos nas redes sociais. Em dezembro, o serviço de checagem de fatos da AFP desmentiu dois experimentos realizados com refrigerante de cola e purê de maçã.
Fabricantes e especialistas consultados pela agência apontaram os mesmos problemas que Alexandre Cunha e Luciana Costa pontuaram para o Estadão Verifica sobre o resultado positivo do kiwi: os exames de antígenos devem ser aplicados com material correto, sob a pena de apresentar resultados aleatórios.
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