Vídeo que vem circulando nas redes sociais mostra o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) e o senador Cleitinho (Republicanos-MG) na rodovia BR-367, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, fazendo críticas ao presidente Lula. Os dois congressistas denunciam o abandono da estrada e cobram do atual governo federal que ela seja recapeada. Cleitinho informa que a rodovia está em estado precário há muito tempo, e que foram feitas promessas, não cumpridas, de reforma nos governos federais anteriores, desde Lula até Bolsonaro, passando por Dilma e Temer.
O argumento central do vídeo é que o governo Lula está fazendo gastos desnecessários e exagerados, mas não direciona recursos para consertar a estrada.
A afirmação de que o atual do governo “não tem dinheiro” para a BR-367 é precoce, uma vez que Lula assumiu a Presidência há pouco mais de dois meses, mas esse tipo de cobrança é aceitável no embate político, e não configura desinformação. Em afirmações contidas em seis placas que Nikolas e Cleitinho vão fixando na rodovia ao longo do vídeo – todas com a cara do presidente Lula ao lado de frases que lhe atribuem gastos de recursos –, entretanto, há desinformação.
Placa 1: Fundo Eleitoral de 4,9 bilhões
É falso que Lula ou seu governo tenha estabelecido ou gastado o valor de R$ 4,9 bilhões referente ao Fundo Eleitoral.
O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) foi criado pelo Congresso Nacional em 2017, como forma de compensar o fim do financiamento eleitoral privado, estabelecido em 2015 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que proibiu doações de pessoas jurídicas para campanhas políticas. Distribuídos somente em anos eleitorais, os recursos do Fundo foram de R$ 1,7 bilhão em 2018 e de R$ 2,03 bilhões em 2020. Em 2022, por decisão do Congresso, o valor foi aumentado para R$ 4,9 bilhões.
Não faz sentido atribuir a Lula um valor fixado pelo Congresso durante o governo Bolsonaro, sancionado pelo ex-presidente e relativo a verba distribuída antes do início da atual gestão federal.
Placa 2: R$ 1 bilhão para a Lei Rouanet
O Ministério da Cultura anunciou, em janeiro, o desbloqueio de um total de quase um bilhão de reais (R$ 968.376.281), composto por verbas captadas para patrocínio de 1.946 projetos culturais em todo o País, com base na Lei Rouanet. O montante estava retido pelo governo Bolsonaro desde o começo de 2022. Não se tratou, portanto, de reserva ou aporte de novos recursos nem de deslocamento de verbas de outra área para a Cultura, mas apenas do desbloqueio de dinheiro já disponível e vinculado a projetos habilitados pela lei de incentivo.
Mesmo que se argumente que o governo Lula poderia manter o bloqueio, a verba captada para os projetos não poderia ser transferida para outras finalidades – como o recapeamento da BR-367, conforme o argumento central do vídeo de Nikolas e Cleitinho –, ficando evidenciado o caráter enganoso da afirmação da segunda placa mostrada pelos dois congressistas.
Placa 3: R$ 628 mil para cerimônia de posse
De fato, a posse de Lula no dia 1º de janeiro de 2023 custou R$ 628 mil aos cofres públicos, conforme informado pela Secretaria-Geral da Presidência. Citando a cifra em tom de denúncia, Nikolas e Cleitinho sugerem se tratar de gasto inédito ou excessivo, e deixam de informar que a posse presidencial anterior, de Jair Bolsonaro, foi, em valores atualizados, cerca de 74% mais cara (em janeiro de 2019, custou R$ 859.105,68, valor equivalente a R$ 1.090.439,39 em janeiro de 2023). Essa falta de contexto comparativo tem potencial enganoso – especialmente em se tratando de uma crítica a Lula feita por dois apoiadores de Bolsonaro –, mas, isoladamente, não chega a configurar desinformação.
Placa 4: aumento de imposto da gasolina
No dia 28 de fevereiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou a volta da cobrança de impostos federais sobre combustíveis. Essa tributação havia ficado suspensa por decisão do governo Bolsonaro meses antes das eleições de 2022 – medida vista por adversários e analistas como uma tentativa de conquistar popularidade e votos para o então presidente, com potencial impacto deletério sobre as contas públicas.
As novas alíquotas fixadas pelo governo Lula, referentes à cobrança de PIS/Cofins, são de R$ 0,47 centavos por litro de gasolina e R$ 0,02 pelo de etanol. Como logo antes da decisão de retorno da tributação a Petrobras reduziu o preço do litro da gasolina em R$ 0,13, na prática o aumento do combustível foi de R$ 0,34 por litro. Esses aumentos não chegaram a recompor a tributação vigente antes da suspensão pré-eleitoral, que correspondia a R$ 0,69 no litro da gasolina e a R$ 0,24 no litro do etanol.
Pode-se, portanto, entender que seria mais adequado dizer que o governo Lula voltou a tributar a gasolina (com uma alíquota menor que a praticada durante a maior parte do governo Bolsonaro). Mas como, em termos estritamente factuais, é possível dizer que os impostos, que estavam zerados, ao serem reinstituídos, aumentaram, não há propriamente desinformação na quarta placa exibida por Nikolas e Cleitinho.
Placa 5: R$ 4 bilhões do BNDES para a Argentina
Apesar de Lula ter acenado aos argentinos com o possível financiamento de um gasoduto no país vizinho, ainda não há nada concreto nesse sentido. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) informou que, no momento, não trabalha com previsão de financiar obras no exterior. “Os esforços do BNDES são no sentido de alavancar a exportação de produtos e bens produzidos no Brasil, gerando emprego e renda em nosso País e fortalecendo a integração regional das cadeias produtivas com escala, competitividade e valor agregado”, relatou o banco, em nota.
Placa 6: R$ 88 milhões para a campanha eleitoral
Em junho de 2023, a Resolução nº 23.704/2022 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) estabeleceu que “o limite de gastos para os cargos eletivos em disputa nas eleições de 2022 será aquele adotado nas eleições gerais de 2018 atualizados pelo IPCA”. Aplicada essa regra, R$ 88,9 milhões foi o valor máximo que cada campanha eleitoral à Presidência da República poderia gastar no primeiro turno das eleições de 2022 (havendo segundo turno, cada candidato que o disputasse pôde gastar um máximo adicional de R$ 44,4 milhões).
Os R$ 88 milhões citados por Nikolas e Cleitinho referem-se, portanto, a uma norma geral estabelecida pelo Judiciário para todos os candidatos à Presidência de 2022, sendo descabido e enganoso associá-la ao governo Lula.
Das seis placas mostradas por Nikolas e Cleitinho, portanto, quatro contêm afirmações factualmente inverídicas e duas, ainda que potencialmente enganosas por falta de comparações contextuais, não são, isoladamente, desinformação.
No contexto do debate político, o vídeo evidencia o contraste de uma situação – o estado precário da rodovia BR-367, que se estende por 762 km, da região central de Minas Gerais ao litoral sul da Bahia – que não foi solucionada ao longo dos quatro anos do governo anterior nem objeto de protestos públicos conhecidos de Nikolas e Cleitinho, mas que, passados apenas dois meses do governo Lula, torna-se motivo de indignação para os dois.
Isso não invalida a compreensão de que Lula tem uma dívida antiga com a reforma da BR-367, pois, conforme informa o jornal O Estado de Minas, em 2010, último ano de seu segundo mandato presidencial, a obra foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), mas acabou não sendo realizada em razão de bloqueios orçamentários e dificuldades com licenças ambientais.
Já o ex-presidente Jair Bolsonaro chegou a lançar, em 2021, a pedra fundamental para a recuperação de um trecho da rodovia, de cerca de 50 km, entre os municípios mineiros de Salto da Divisa e Jacinto. Meses depois, o próprio Bolsonaro vetou a investimento necessário para a execução da obra.
O Estadão Verifica entrou em contato com Nikolas e Cleitinho mas não obteve retorno.
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