O que estão compartilhando: trecho de discurso do vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Kassio Nunes Marques. Legenda sobreposta ao vídeo diz: “‘Nós vamos colaborar com o Congresso e não vamos emitir opinião sobre o voto impresso’. Nunes Marques muda opinião dos demais ministros do STF no TSE.”
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. A postagem investigada recorta o trecho de um discurso Nunes Marques durante audiência pública que discutiu o voto impresso na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados. A postagem omite parte da declaração em que o ministro reforça a idoneidade do atual sistema de votação. Ele disse que, 22 anos depois da implantação das urnas eletrônicas, em 1996, o “sistema se provou uma vez mais à altura do desafio de apurar com exatidão e celeridade a vontade do eleitorado brasileiro, atualmente composto por um pouco mais de 155 milhões de eleitores aptos a votar”.
O TSE foi procurado para comentar a postagem checada, mas não respondeu.
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Quem aprova constitucionalidade das leis é o STF, e não o TSE
Além de fazer um corte que prejudica a compreensão do contexto do discurso do ministro, o vídeo investigado trata como novidade o fato de que cabe ao Congresso, e não ao TSE, decidir sobre a forma de votação no Brasil. Ao TSE cabe a organização do pleito e o julgamento de ações relacionadas às eleições segundo a legislação vigente. No Brasil, as leis são formuladas e aprovadas pelo Congresso Nacional, enquanto o controle de constitucionalidade de uma lei cabe ao Poder Judiciário, especialmente ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Em 1995, a Lei 9.100 definiu as regras para o pleito do ano seguinte. Aquela foi a primeira vez que urnas eletrônicas foram usadas no Brasil e a lei decidiu que o TSE poderia autorizar um ou mais tribunais regionais a usar o sistema eletrônico de votação. Como disse o ministro no discurso, a implantação do sistema eletrônico foi feita pelo TSE para atender ao dispositivo legal, e não cabe ao Tribunal emitir opinião sobre o tema.
Desde então, o Congresso já tentou algumas vezes estabelecer o registro impresso do voto em complemento ao registro eletrônico. Todas elas foram consideradas inconstitucionais pelo STF (entenda mais abaixo).
Nunes Marques disse que TSE fornecerá informações ao Congresso
O ministro participou de audiência pública que discutiu o Projeto de Lei 1169/2015, do deputado Carlos Henrique Gaguim (União-TO) – quando fez a proposta, ele integrava o PMDB, atual MDB. O projeto prevê a “recontagem física de votos nos pleitos para cargos eletivos federais, estaduais, distritais ou municipais”. O tema foi pauta da audiência pública na CCJ no dia 28 de novembro.
Nunes Marques foi um dos convidados e disse no discurso ter sido designado para comparecer à audiência pela presidente do TSE, a ministra Cármen Lúcia. Durante a audiência, pessoas que compareceram ao local levaram cartazes em defesa do voto impresso. Ao longo das discussões, foram repetidas acusações sem provas contra as urnas eletrônicas.
O ministro dividiu a mesa com o desembargador aposentado Sebastião Coelho da Silva. Ele ganhou destaque ao pedir a prisão de Alexandre de Moraes em um discurso no Quartel General do Exército em novembro de 2022, como mostrou o Estadão. Nunes Marques falou logo na abertura da audiência, tendo se retirado logo após o discurso. Depois de agradecer ao convite, o ministro fez um balanço de números da última eleição municipal e defendeu o sistema eletrônico de votação, implantado no pleito municipal de 1996. Essa parte de sua declaração foi omitida no vídeo checado. Nunes Marques disse:
“Para além dos números, cumpre destacar que as eleições municipais tradicionalmente têm papel de destaque quando se trata de inovações. Basta lembrar que foi no longínquo pleito de 1996 que o TSE, atendendo ao comando da Lei 9.100 de 1995, iniciou a implementação do sistema eletrônico de votação e apuração. Passados 22 anos, nosso sistema se provou uma vez mais à altura do desafio de apurar com exatidão e celeridade a vontade do eleitorado brasileiro, atualmente composto por um pouco mais de 155 milhões de eleitores aptos a votar. A confiança depositada na Justiça Eleitoral, portanto, segue dando bons frutos”, disse.
Na sequência, ele diz que haverá desafios para as próximas eleições, cumprimenta a Câmara pela realização da audiência pública e diz que o TSE continuará atuando para garantir o livre exercício do voto pelo eleitor e fortalecendo o Estado Democrático de Direito. O único trecho usado no vídeo viral é a parte em que Nunes Marques fala especificamente sobre o tema do Projeto de Lei pautado na reunião. Ele afirma:
“No tocante ao debate acerca da implantação da recontagem física dos votos ou a impressão de registros individuais dos votos lançados eletronicamente, entendo que esse debate cabe ao Congresso Nacional, não devendo o órgão de cúpula da Justiça Federal emitir opinião acerca do tema. Entretanto, o TSE, através da sua presidente, colaborará com o envio de dados e informações que possam auxiliá-los nos debates e nas tomadas de decisões”, declara.
Ele levanta questões sobre uma eventual implantação do sistema e diz que o TSE tem dados sobre eles: “Por exemplo, provavelmente se debaterá se o tempo médio das votações será alterado com uma eventual impressão de um comprovante de votação. Será necessário ou não o aumento de sessões eleitorais, de urnas, de mesários, de gastos com transporte, alimentação, suprimentos? E esse custo, de qual monta será? A custódia e o transporte de comprovantes impressos de votação reclamarão mais recursos financeiros, humanos, institucionais? Esse modelo é capaz de identificar, em caso de discrepância da contagem eletrônica imediata e a contagem de verificação manual, onde reside exatamente a falha, o erro? Há risco de se incrementar a judicialização? Qual a eleição seria mais adequada para um projeto piloto, acaso seja essa a vontade do povo brasileiro, representada pelo parlamento brasileiro? Haveria o aumento do número de sessões eleitorais, em decorrência do tempo, da elevação do tempo de votação? Então, como disse, são muitas as questões que serão debatidas e o Tribunal Superior Eleitoral se coloca à disposição, porque possui, sim, dados que podem auxiliá-los nesse debate. Como disse: esse debate está no foro correto: a casa do povo”, conclui.
Voto impresso já foi considerado inconstitucional pelo STF
O PL 1169/2015 não é o único a tentar implementar o voto impresso ou a recontagem dos votos eletrônicos por meio de um comprovante impresso no Brasil. Em 2002, uma lei instituiu o voto impresso para as eleições daquele ano. O TSE conduziu um teste com mais de 7 milhões de eleitores em 150 municípios e todo o Distrito Federal. A Corte considerou que o resultado não foi benéfico e a lei foi revogada pelo Congresso, em 2003. Foram identificadas filas, falhas na impressora e nas próprias urnas.
Em 2009, outra lei tentou criar o voto impresso a partir das eleições de 2014. Um dos artigos foi questionado em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade pela Procuradoria-Geral da República, acatada e reafirmada pelo STF, em 2022.
Em 2021, a Câmara dos Deputados rejeitou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/2019, que tentava tornar obrigatório o voto impresso no Brasil. A proposta precisaria ter no mínimo 308 votos favoráveis para avançar, mas obteve apenas 229 e foi arquivada.
Desde a implantação do voto eletrônico no Brasil, não houve qualquer registro de fraude comprovado. Veja a seguir outras checagens sobre urnas eletrônicas:
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