O que estão compartilhando: que pessoas no Ceará que votaram no presidente Luiz Inácio Lula da Silva tiveram suas casas demolidas. Agora, se perguntam “cadê o PT”.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso porque a demolição de casas mostrada no vídeo não se deu por ordem de Lula ou do PT. A ação ocorreu na comunidade Terra Prometida, em Fortaleza, nos dias 1 e 2 de fevereiro, após um acordo para a desocupação do terreno, que pertencia à rede de supermercados Atacadão.
Navegue neste conteúdo
Saiba mais: O vídeo foi gravado numa comunidade que fica próxima ao Aeroporto de Fortaleza. O acordo para desocupação do terreno foi firmado em dezembro do ano passado, após oito meses de negociação. As negociações foram mediadas pela recém-criada Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e envolveram o Atacadão, o Ministério Público e a Defensoria Pública do Ceará, a prefeitura de Fortaleza, o governo do Ceará e os próprios moradores da comunidade.
O governador do Ceará é o petista Elmano de Freitas. No entanto, o governo não consta como parte no processo de reintegração e manutenção de posse do terreno – apesar de ter atuado na negociação e de ter a responsabilidade de alocar as famílias no programa federal Minha Casa, Minha Vida.
O secretário executivo de Articulação Política do Ceará, Miguel Braz, afirmou que o principal papel do governo do Estado foi o de garantir a mediação do conflito e atuar em benefício das famílias que seriam despejadas, já que o processo de reintegração de posse tinha sido julgado em favor do Atacadão.
Como localizar as imagens do vídeo
O vídeo investigado foi gravado na Rua Um, transversal à Rua Duarte Pimentel, que margeia a rodovia CE-401, em frente ao Aeroporto Internacional de Fortaleza. Ao fundo, é possível ver uma estrutura nas cores laranja e preto, que pertence à unidade do Atacadão vizinha ao terreno ocupado.
Abaixo, pode-se comparar o local no vídeo investigado com uma imagem do Google Street View feita em abril de 2023. A principal diferença é que, na imagem do Street View, há construções entre a rua e o supermercado, enquanto no vídeo aparecem escombros. A publicação do vídeo mais antiga encontrada pelo Verifica é de 4 de fevereiro deste ano, que coincide com o período imediatamente após a demolição das casas.
Como ocorreu a reintegração de posse
O terreno antes ocupado pelas famílias da comunidade Terra Prometida pertencia, na época da disputa, ao Atacadão, e fica ao lado de uma das unidades do supermercado em Fortaleza. Em 2013, a empresa entrou com uma ação de reintegração e manutenção de posse, que foi se arrastando ao longo dos anos. A partir de agosto de 2021, o local passou a ser ocupado por pessoas em vulnerabilidade por causa da pandemia de covid-19, como viúvas, crianças e pessoas desempregadas. Daí o nome da ocupação: Terra Prometida – Vítimas da Covid.
Também em agosto daquele ano, a Justiça determinou a desocupação da área, mas mandou que o oficial de Justiça verificasse antes há quanto tempo as famílias estavam no local e se existia alguma medida do Poder Público para levá-las a um lugar seguro. Também foi determinado que se oficiasse as secretarias municipal e estadual competentes.
Ao longo de oito meses, iniciados em abril de 2023, a Comissão de Soluções Fundiárias do TJCE, criada em março de 2023 e presidida pela desembargadora Vanja Fontenele Pontes, trabalhou em um acordo para desocupação do terreno. Ele foi firmado em 5 de dezembro do ano passado, durante uma reunião na Escola Superior da Magistratura (Esmec).
Como foi firmado o acordo
Segundo a Defensoria Pública do Ceará, que representa as famílias que viviam na área, ficou decidido que as famílias deixariam o local até 31 de janeiro de 2024, possibilitando a demolição das casas a partir de 1º de fevereiro.
Para que as famílias desocupassem a área, ficou acordado que, das 113 cadastradas, 78 delas – que viviam em casas construídas com características de moradia – irão receber aluguel social de R$ 420 por um prazo de dois anos – ou pagamento único de valor equivalente. Também haverá indenização para os que tinham demarcado lotes. A distribuição foi acordada da seguinte forma:
- 45 famílias receberão aluguel social de R$ 420 por mês, durante dois anos, pagos pela Secretaria Municipal do Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza (Habitafor).
- 33 famílias receberão um valor pago, de uma vez só, equivalente a dois anos de aluguel social de R$ 420. O valor total, pago pelo Atacadão, é de R$ 10.800 para cada família.
- 35 famílias que ainda não moravam no terreno, mas que já tinham demarcado lote, também serão indenizadas pelo Atacadão com um pagamento único de R$ 5 mil.
Em 1º de fevereiro deste ano, quando se iniciaram as demolições, a Defensoria Pública informou que o valor das indenizações estava depositado em juízo e que seria entregue às famílias após a desocupação. A Defensoria acrescentou ainda que as demolições começaram em 1º de fevereiro pelas construções que não tinham teto, dando assim mais um dia para que as pessoas deixassem o terreno, uma vez que a derrubada se encerraria no dia seguinte, 2 de fevereiro.
Em nota, o Tribunal de Justiça do Ceará comunicou que os trabalhos de desocupação foram concluídos de forma pacífica. “Os trabalhos foram encerrados no dia 2 de fevereiro, com a demolição das últimas três unidades, em comum acordo entre os ocupantes e os proprietários”, informou em nota.
As 113 famílias contempladas pelo acordo foram cadastradas pelas equipes multidisciplinares da Defensoria, da Habitafor e da Secretaria de Proteção Social (SPS) do Governo do Ceará. Na época que o acordo foi firmado, a líder comunitária Antônia dos Santos, conhecida como Mana, assegurou que a desocupação seria feita de forma pacífica a partir de 15 de janeiro, mas ela contestou o número de famílias cadastradas. Ao Diário do Nordeste, ela disse que viviam 300 famílias no local.
De acordo com o secretário de Articulação Política do Ceará, Miguel Braz, o cadastro foi feito a partir de visitas presenciais na ocupação, demandadas a partir das audiências de conciliação. O grupo que fez as visitas chegou ao número de 78 famílias que efetivamente moravam na ocupação e outras 35 que tinham casas em construção ou barracos, mas que não moravam no local. Isso soma 113 famílias.
O acordo prevê que as famílias cadastradas recebam apartamentos do programa federal Minha Casa, Minha Vida. “O compromisso firmado foi que quando o Estado do Ceará for contemplado por conjuntos habitacionais do Minha Casa, Minha Vida em Fortaleza, essas famílias entrarão nas prioridades de recebimento. Além disso, essas famílias já estão recebendo alugueis sociais”, disse Miguel Braz.
O Ministério das Cidades informou que foram selecionados 16 empreendimentos do MCMV em Fortaleza, com 3.462 unidades habitacionais para famílias enquadradas na Faixa 1 do programa, com renda familiar mensal de até R$ 2.640.
A Habitafor informou que incluiu 45 famílias sob sua responsabilidade no acordo no programa de aluguel social. “Estas famílias seguirão assistidas pelos próximos dois anos, conforme a Lei 10.328/2015″, diz a nota.
O Atacadão informou que o acordo homologado com os órgãos competentes foi cumprido em sua totalidade. “Reforçamos também que o terreno em questão não pertence mais à empresa e não há mais nenhuma família no local”, disse.
O Verifica não conseguiu estabelecer contato com a líder comunitária Mana Santos.
Porque o PT não tem participação no caso
Apesar de o Ceará ser governado por um petista – Elmano de Freitas –, não há relação entre a demolição das casas e o PT. A ordem de demolição partiu de uma decisão do Tribunal de Justiça do Ceará.
O diretório do PT no Ceará foi procurado para informar se participou, ainda que informalmente, das negociações, mas não respondeu até a publicação desta checagem.
A Habitafor, vinculada à Prefeitura de Fortaleza, é parte no processo. Ainda assim, não é possível vincular o órgão ao PT, já que o secretário, Carlos Kleber, é filiado ao partido Agir, enquanto a prefeitura é administrada por José Sarto, do PDT.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.