Vídeo engana ao negar orçamento secreto e descontextualizar alta de preços no Brasil

Esquema revelado pelo 'Estadão' usa emendas de relator, que não permitem a transparência e detalhamento do processo de indicação e empenho de valores

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Por Projeto Comprova
Atualização:

Esta checagem foi produzida por jornalistas da coalizão do Comprova. Leia mais sobre nossa parceria aqui.

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Conteúdo investigado: Uma animação publicada no YouTube que simula um diálogo familiar no qual a filha (Priscila) apresenta para a mãe (Ana Cláudia) o novo namorado (Igor), que, na peça ficcional, é inspirado no youtuber Wilker Leão. O influenciador ganhou visibilidade após ter chamado o presidente Jair Bolsonaro (PL) de "tchutchuca do Centrão". Na conversa, Ana Cláudia questiona o genro sobre a atitude em relação ao presidente, assume um tom professoral e passa a "explicar" temas como o orçamento secreto, a relação de Bolsonaro com o Congresso, e a alta dos preços de carros usados, do leite e da carne. Ao longo do vídeo, as justificativas dadas por Ana Cláudia vão deixando Igor, o youtuber, sem argumentos.

Onde foi publicado: YouTube e Facebook.

 

Conclusão do Comprova: Ao falar sobre o orçamento secreto, vídeo engana ao afirmar que o detalhamento das emendas está disponível no Portal da Transparência do governo federal. O termo "orçamento secreto" é usado para se referir à emenda de relator-geral no Congresso Nacional, que surgiu em 2019. As emendas são recursos do orçamento a que parlamentares têm direito. Porém, no caso das emendas de relator, a prática não permite a transparência e detalhamento do processo de indicação e empenho dos valores, por isso a expressão "secreto". Os dados somente passaram a ser revelados, e de forma incompleta, após determinação da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber, em novembro de 2021.

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Em relação ao aumento nos preços de alimentos, como carne e leite, o conteúdo omite alguns fatores que contribuíram para o cenário. O vídeo alega que produtores de leite teriam migrado para o ramo da carne e que isso teria feito com que a produção de lacticínios caísse, gerando um aumento no preço do produto. No entanto, não há dados que comprovem esse cenário. Para o professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) César Augusto Bergo, essa mudança repentina de ramo seria inviável, uma vez que cada alimento possui especificidades e requer cadeias de produção diferentes.

Além disso, o valor da carne é influenciado pelo preço das commodities, enquanto para o leite, o inverno e o clima seco - intensificado pelo fenômeno La Niña - também interferem no mercado.

O vídeo relaciona a alta no valor dos carros usados à pandemia. De fato, a associação existe. Entretanto, não foi apenas o coronavírus que causou diretamente a elevação dos preços no caso dos automóveis usados. Segundo Mauro Sayar Ferreira, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a escassez na cadeia de componentes para a produção de veículos novos e a própria elevação de custos relacionados aos automóveis novos também influenciaram o cenário. Isso teria gerado um aumento de demanda para os carros usados, provocando alta nos preços.

Para o Comprova, enganoso é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

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Alcance da publicação: O Comprova investiga conteúdos que tiveram maior alcance nas redes sociais. Até o dia 1º de setembro, o vídeo publicado no YouTube teve 319,4 mil visualizações, 68 mil curtidas e 4,9 mil comentários. No Facebook, o conteúdo foi compartilhado pelo vereador de Fortaleza Odécio Carneiro e alcançou 711 mil visualizações, 84,4 mil curtidas, 4,8 mil comentários e 90,1 mil compartilhamentos até a mesma data.

O que diz o autor da publicação: Procurado pelo Comprova, Ricardo Lucena informou que o seu canal tem como objetivo entreter e divertir e que as simulações pretendem estimular a imaginação de quem o assiste. Ele também disse que, no entanto, "nem tudo pode ser levado a sério", pois também utiliza "exagero em nome do humor". Lucena afirmou que sempre "checa as fontes" antes de criar, mas reconheceu que algumas explicações "podem estar incompletas", o que, segundo ele, seria consequência da "complicada logística de criação" dos vídeos. Um exemplo de informação incompleta, de acordo com o criador, é a alta do leite, pois, segundo ele, não teria dado tempo de citar outros fatores.

Como verificamos: Após assistir ao vídeo investigado e transcrevê-lo, a equipe separou os temas abordados a fim de pesquisá-los individualmente. Para entender o que é o orçamento secreto e como a medida influencia na relação dos poderes Executivo e Legislativo, o Comprova consultou os sites do governo federal e da Câmara, além de reportagens de veículos de imprensa como UOL, G1, Brasil de Fato, CNN e Folha.

Também reunimos informações sobre o aumento do preço de carros usados durante a pandemia a partir de matérias jornalísticas do UOL, G1 e Exame, além de entrevistarmos o professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG Mauro Sayar Ferreira.

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Em seguida, investigamos a alta nos preços do leite e da carne no Brasil por meio da consulta a materiais da Exame, CNN Brasil, G1 e UOL. Além disso, a equipe conversou com o professor do Departamento de Economia da UnB e especialista em mercado financeiro César Augusto Bergo.

Por fim, o Comprova entrou em contato, por e-mail, com o autor do vídeo verificado.

O que é o orçamento secreto?

"Orçamento secreto" foi um termo criado pelo jornal O Estado de S. Paulo (responsável pela revelação da prática) para definir a recém-criada emenda de relator-geral no Congresso Nacional, prática elaborada em 2019 e implementada em 2020.

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De acordo com a Constituição brasileira, a emenda parlamentar é um instrumento que o Congresso Nacional possui para participar da elaboração do orçamento anual. Os deputados e senadores têm, nesse caso, a oportunidade de indicar ao Executivo demandas de comunidades que representam. Atualmente, as emendas dividem-se em quatro tipos:

  • Individuais (RP6) - verba destinada individualmente a parlamentares, com caráter impositivo desde 2015 (ou seja, cada parlamentar decide onde alocar o dinheiro e essa emenda é obrigatória, precisa necessariamente estar no orçamento);

  • De bancada (RP7) - verba destinada às bancadas estaduais, com caráter impositivo desde 2019 (ou seja, emendas coletivas, elaboradas por deputados do mesmo estado ou região. Também obrigatória);

  • De comissão (RP8) - verba destinada às comissões temáticas do Congresso. Não são impositivas (ou seja, emendas coletivas de comissões permanentes da Câmara ou do Senado. Não é obrigatória).

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  • De relator (RP9) - emenda que permite ao relator-geral do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) alterar ou incluir despesas. Criada em 2019 e não é obrigatória.

A emenda de relator se diferencia das demais porque é definida pelo deputado ou senador escolhido como relator-geral do Orçamento a cada ano. Além disso, ao contrário das outras, não há critério definido quanto ao destino do dinheiro, o que dificulta a fiscalização sobre a execução da verba.

No vídeo verificado, o autor alega que a prática "não é segredo para ninguém" porque está "disponível no Portal da Transparência". No entanto, o termo "secreto" dá conta da inexistência de transparência e detalhamento do processo de indicação e empenho dos valores da emenda de relator, dados somente revelados, e de forma incompleta, após determinação da ministra do STF Rosa Weber, em novembro de 2021.

Na decisão, Weber ordenou a divulgação do processo de definição e a execução das emendas de relator nos orçamentos de 2020 e 2021. Além disso, mandou que fossem registradas, em plataforma eletrônica, todas as demandas parlamentares voltadas à distribuição desse tipo de emenda.

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No fim do ano passado, o Supremo liberou o pagamento das emendas, depois que o Congresso aprovou novas regras de transparência, e deu prazo de 90 dias para que o sistema de monitoramento (com individualização, detalhamento e motivação das indicações) fosse instituído.

Após Weber negar o pedido de prorrogação de prazo para a implementação das medidas de transparência, o Congresso encaminhou, em maio deste ano, informações sem padronização e incompletas sobre o orçamento secreto.

A justificativa foi de que os relatores dos orçamentos anteriores, deputado Domingos Neto (PSD-CE) e senador Márcio Bittar (União-AC), tiveram dificuldades de reunir os dados, já que não havia obrigação legal para isso à época. Por isso, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), solicitou de forma genérica a todos os deputados e senadores que sinalizassem quais emendas de relator haviam sido apoiadas por cada um.

Cada parlamentar respondeu de uma forma. Alguns não detalharam os valores das emendas, nem os estados e municípios beneficiados. Três em cada 10 sequer responderam o ofício.

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Como o orçamento secreto transita entre Executivo e Legislativo

O orçamento secreto nasceu no gabinete do então ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos. À época, ele era o responsável por fazer a ponte entre o governo e o Congresso. Na prática, com o novo mecanismo, Bolsonaro transferiu ao Congresso a palavra final sobre uma parte do orçamento da União.

Para viabilizar a proposta, Ramos resgatou um dispositivo incluído pelo Congresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), mas que havia sido vetado por Bolsonaro três semanas antes. Em 3 de dezembro de 2019, o ministro assinou o documento que criou a emenda chamada RP9. A nova lei, que alterou a 13.898, de 11 de novembro de 2019, foi sancionada pelo presidente da República em 18 de dezembro.

A prática é alvo de críticas e é questionada em ações no STF - ADPF 850/Cidadania; ADPF 851/PSB; ADPF 854/PSOL - e no Tribunal de Contas da União (TCU) pela inexistência de um mecanismo claro de monitoramento do pagamento das emendas, tampouco do destino do dinheiro ou do objetivo da ação.

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De acordo com reportagem do UOL, o orçamento secreto teria facilitado o trabalho do governo de Bolsonaro nas negociações com as bancadas do Congresso ao ser usado em troca de apoio político, já que o pagamento das emendas de relator não é obrigatório constitucionalmente. O orçamento secreto, no entanto, passou a ser o mais atendido pelo governo, como revela imagem abaixo retirada do Portal da Transparência, e que faz referência aos empenhos do ano de 2022:

Portal da Transparência - acessado em 30.08.2022  

No orçamento de 2021, conforme a CNN, as emendas parlamentares individuais custaram R$ 9,6 bilhões. Já as emendas para as bancadas foram de R$ 7,3 bilhões. As de comissão foram zeradas. Enquanto as de relator custaram R$ 18,5 bilhões.

Em julho de 2022, a Comissão Mista de Orçamento divulgou a relação de R$ 12,3 bilhões em emendas de relator, que foram indicadas para execução pelo deputado Hugo Leal (PSD-RJ). Por causa das restrições da legislação eleitoral, outras transferências só poderão ser pagas depois das eleições de outubro. Ainda há um saldo de quase R$ 4,2 bilhões para indicações de emendas de relator.

Ao longo do mandato de Bolsonaro, governo e Congresso destinaram R$ 65,1 bilhões do Orçamento para as emendas de relator. Desse total, R$ 36,4 bilhões foram empenhados, etapa em que o dinheiro é reservado para ser pago quando o bem ou serviço forem entregues.

Como a prática foi revelada

A adoção da emenda do relator como prática no Congresso em troca de apoio político foi divulgada inicialmente pelo

Estadão, após investigação dos jornalistas Breno Pires e Patrik Camporez. Em uma">">thread publicada no Twitter, Pires contou detalhes da apuração, iniciada em dezembro de 2020.

Segundo ele, relatos da compra de apoio para a eleição do deputado Arthur Lira (PP-AL) à Presidência da Câmara foram o "marco zero" da investigação. No final de janeiro de 2021, uma reportagem revelou que o Planalto liberou R$ 3 bilhões em obras a 285 parlamentares - 250 deputados e 35 senadores - em meio à eleição no Congresso. A reportagem teve acesso a uma planilha interna de controle de verbas, até então sigilosa, com os nomes dos parlamentares contemplados com os recursos "extras", que vão além daqueles que os deputados e senadores já têm direito de direcionar.

O trabalho jornalístico foi dividido em três eixos: aspectos técnicos, orçamentários legais e as possíveis irregularidades no uso da verba. Somente em 9 de maio, foi iniciada a publicação da série Orçamento Secreto, com dezenas de reportagens. Até 6 de novembro de 2021, segundo o próprio jornalista, mais de 40 publicações sobre o tema já haviam sido divulgadas, dissecando o modus operandi do esquema:

"1 - Com aval do governo, deputados e senadores aliados ditam a aplicação de bilhões de reais, segundo critérios de interesse individual, e não técnicos, com ocultação de seus nomes, atropelando leis orçamentárias e a transparência;

2 - Ministérios aprovavam e desembolsavam as solicitações enviadas diretamente por parlamentares por meio de ofícios não tornados públicos. Eles diziam ter 'cotas' e terem sido 'contemplados' com 'recursos a mim reservados';

3 - Parte do orçamento secreto em 2020 foi pra bancar tratores com valores até 259% acima do mercado;

4 - O 'Tratoraço' [em alusão às compras feitas com os valores distribuídos] teve a digital do Planalto; irrigou empresas ligadas a políticos; a oposição só teve 4% do orçamento secreto de R$ 3 bi no MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional); políticos indicaram mais de R$ 180 milhões em verbas para fora de seus Estados, contrariando interesse do eleitor;

5 - A estatal Codevasf foi um dos canais preferenciais para escoar o dinheiro do orçamento secreto, com suspeitas de irregularidades, e o órgão foi completamente aparelhado pelo centrão e ampliado durante o governo Bolsonaro;

6 - Houve esforço coordenado entre Executivo e Legislativo para impedir acesso às informações. Senadores chegaram a alegar risco à segurança do Estado para recusarem-se a fornecer cópias de documentos que continham suas indicações. Secretaria de Governo (Segov) fraudou a Lei de Acesso à Informação (LAI);

7 - Apesar de o governo dizer que emendas de relator-geral são prerrogativas do Congresso, elas foram usadas pelo ministro Rogério Marinho (MDR) para agradar prefeitos do Rio Grande do Norte e construir mirante ao lado de condomínio privado que ele planeja no interior do Estado. Ibaneis Rocha (MDB) [governador do Distrito Federal] também as usou;

8 - O acompanhamento do fluxo das emendas em 2021 mostrou que elas foram executadas pelo governo na véspera de votações importantes, como a PEC dos Precatórios. Também houve pagamento de R$ 1 bi antes da PEC do Voto Impresso."

Alta no preço de carros usados

O autor do vídeo investigado cita o aumento do preço de carros usados como consequência da medida de confinamento adotada na pandemia, que fez com que comércios e estabelecimentos fechassem durante um período. A correlação existe, mas o contexto da pandemia também influenciou a oferta de itens dos carros novos, que não puderam ser produzidos na escala normal. A dinâmica atípica de produção e consequente alta de preços acabaram gerando aumento na procura por veículos usados.

Em determinado momento da animação, uma das personagens pergunta ao primo, que trabalha em uma montadora de carros, se o "para tudo" influenciou no mercado automobilístico. "As montadoras pararam, mas o mercado não parou não, porque tem carro quebrando todo dia. Todo dia tem carro saindo de circulação. Então as pessoas deixaram de comprar carro novo e foram comprar carro usado. [...] É a lei de mercado, quanto mais demanda por um produto, mais esse produto vai subir o preço. [...] Teve carro aí que subiu 20%, 30%, 40%."

Em 2021, o setor automobilístico registrou uma alta significativa nos preços. Segundo o G1, o aumento aconteceu em nível mundial e foi ocasionado pela escassez na cadeia de componentes para a produção de veículos.

Neste contexto, com limitação de escolha de algumas marcas e modelos, os carros novos ficaram mais caros e o preço dos usados teve um salto de quase 22% em 2021, conforme aponta a reportagem do UOL de maio deste ano.

Na coluna Autopapo do UOL, de fevereiro deste ano, o colunista Eduardo Rodrigues escreve que a crise dos semicondutores, aliada à inflação e à pandemia fez com que os preços dos carros usados subissem.

De acordo com reportagem da Exame, dados do Monitor de Variação de Preços da KBB Brasil, empresa especializada em pesquisa de preços de veículos, mostraram que o preço dos carros usados teve uma variação média de 19%, entre janeiro e novembro de 2021.

Mauro Sayar Ferreira, professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, explicou ao Comprova que o preço dos carros usados aumentou como reflexo da elevação de custos relacionados aos automóveis novos. "Isso acabou gerando uma migração da demanda dos carros novos para os usados e, como qualquer ambiente onde há um crescimento na demanda, o preço do produto se eleva", diz.

Em relação à pandemia, principalmente durante os períodos de lockdown, a escassez na oferta de carros novos estava vinculada à restrição de componentes dos automóveis, como os chips que eram produzidos em países orientais. "Com isso, você não conseguia uma oferta grande desse componente e os carros não podiam ser finalizados [...] De uma forma geral, as cadeias de componentes de veículos sofreram impacto adverso na paralisação dos lockdowns. Essa menor oferta elevou o preço dos carros e, consequentemente, houve uma migração da demanda para carros usados", afirma Ferreira.

O economista ressalta que é mais fácil observar a oferta dos carros usados e não necessariamente a demanda. "No caso, a gente consegue perceber o resultado final do preço. Dado que os preços subiram muito, de carros usados, conseguimos compreender que houve um movimento talvez de menor oferta de carros usados, mas com certeza houve uma ampliação na demanda também pelos motivos que eu já expliquei."

"Talvez a oferta tenha também sido restrita de carros usados porque quando quem está no mercado para vender aqueles carros observa que não conseguirá comprar os carros novos, ou que o custo de outros carros também usados começa a ficar mais muito mais caro, talvez a pessoa fica mais cautelosa na hora de desfazer do produto. Com isso, pode ser que tenha influenciado também a oferta de carros usados", conclui o especialista.

Alta nos preços do leite

No vídeo analisado, a personagem Ana Cláudia diz ao youtuber que produtores deixaram de produzir leite para entrar no ramo da criação de gado, já que compensaria mais em termos financeiros, e isso fez com que a produção de lacticínios caísse. Apesar de ser um fator que influencia o mercado, não é o único.

O valor elevado do leite se insere no contexto de alta geral de preços de alimentos no Brasil. Conforme apontou reportagem da Folha, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), principal indicador da inflação brasileira, ficou em 10,4% no acumulado dos últimos 12 meses, deixando o país em 4º lugar no ranking de nações com maiores taxas de inflação entre as principais economias mundiais.

Além disso, o preço dos alimentos vem registrando altas acima da inflação. De acordo com uma pesquisa realizada pela Fipe, que mede a variação de preços para diferentes faixas de renda, e divulgada pelo G1, enquanto a inflação acumulada no ano gira em torno de 5,5%, a de alimentos beira os 13%.

Em entrevista ao UOL, Natália Grigol, pesquisadora da área de leite do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, da Universidade de São Paulo (Cepea - Esalq/USP), disse que "os preços do leite estão em alta devido à oferta limitada. Com o inverno e o clima mais seco, a qualidade das pastagens cai e, por isso, a alimentação do rebanho é afetada, levando à queda na produção".

Conforme o último levantamento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) divulgado pelo IBGE, o leite longa vida acumula alta de 29,28% nos últimos 12 meses -- e de 28,03% somente em 2022.

Segundo o levantamento, a ração, os suplementos minerais, os fertilizantes e o combustível tiveram aumento crescente nos últimos três anos, o que gerou alta do custo operacional do produtor de leite. "Isso levou muitos pecuaristas a saírem da atividade ou a enxugarem investimentos. Como consequência, agora enfrentamos dificuldade para elevar o nível da oferta", disse Natália Grigol ao UOL.

Já a Exame aborda que os efeitos do fenômeno La Niña, que acentua a estação seca, "e a disparada nos preços dos combustíveis e fertilizantes, por causa da guerra na Ucrânia, acentuaram a alta no leite".

Conforme apontou o professor de MBAs da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e presidente da Associação de Produtores de Leite (Abraleite), Roberto Kanter, ao G1, além dos fatores já mencionados, o aumento no preço do leite e seus derivados se dá pelo "mercado mais atrativo para o comércio de carne do animal, do que o leite e os ovos, principalmente com a alta do dólar - que melhorou a remuneração da exportação".

Ainda ao G1, o presidente da Abraleite disse que, além de reduzir o volume de leite, a alta dos custos de produção fez com que muitos produtores saíssem da atividade. No entanto, não há dados que comprovem que produtores de leite tenham migrado para o ramo da carne.

Alta no preço da carne

Apesar de tanto a carne quanto o leite serem provenientes do gado, os alimentos possuem cadeias de produção diferentes. César Augusto Bergo, professor do Departamento de Economia da UnB e especialista em mercado financeiro, afirma que o mercado de carne é mais profissional no Brasil, já que visa a venda externa e deve cumprir uma série de exigências internacionais, entretanto, em relação ao leite, o produtor deve se preocupar mais com a qualidade do animal e com características de conservação.

"A carne não depende tanto assim de confinamento, é um tratamento mais voltado ao abate e não a questão da qualidade do animal porque o leite você tem que ter um gasto extra com relação a manutenção do animal", diz o professor.

Por cada alimento possuir suas especificidades, o especialista acredita ser inviável que as pessoas deixem de produzir leite e passem a produzir carne. "O cara responsável não vai entregar um gado de leite para corte. Para ter gado de leite, tem que ter qualidade. Não é qualquer animal que pode ser um gado leiteiro. Então, só se o produtor praticamente se revoltou e mandou tudo pra corte e aumentou a produção de carne. Mas, assim, o mercado de carne no Brasil é tão profissional que eu não acredito muito nessa questão basicamente de você trocar o modal leite pelo modal carne", explica Bergo.

Em relação a alta no preço da carne, ele esclarece que o produto já enfrentava um grande aumento antes da pandemia. Em 2019, a China passou a comprar ainda mais carne do Brasil por conta de uma peste que dizimou o rebanho suíno no país, gerando uma demanda maior pela carne brasileira em geral.

Segundo o economista, com a pandemia, "o consumo de carne caiu abruptamente de uma hora para outra". A China até suspendeu as importações de carne bovina brasileira por algum tempo, gerando barateando o produto dentro do Brasil, mas essa questão foi rapidamente superada e a carne voltou a ter uma procura no mercado internacional. Assim, o preço da carne ficou estabilizado em alta. O professor ainda ressalta que o Brasil possui alguns dos mais importantes players do mercado de carne bovina no mundo, que conseguem influenciar indiretamente o preço do produto aqui por conta das exportações.

"O desempenho das exportações de carne brasileira no mercado internacional tem sido crescente. Houve uma queda em 2021 em função da China, mas agora está retornando e, se a gente analisar o preço da carne nos últimos 12 meses, ela se elevou a mais de 20%. Isso acaba de alguma forma pontuando o preço."

Outro fator que influencia o valor do produto é o preço das commodities, sobretudo aquelas que são utilizadas para preparação do farelo do gado, que tiveram um encarecimento muito por conta da guerra na Ucrânia. Além disso, aponta o professor, estiagens prejudicaram a pastagem para os animais: "Tudo isso acabou prejudicando e demandando mais investimentos na alimentação do gado. Dessa forma, acabou ocasionando uma baixa oferta de animais para abate porque o produtor espera engordar para poder vender e, em função dessas questões ligadas à alimentação do gado, houve essa retração na oferta de animais".

Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. O vídeo aqui verificado aborda temas que estão em debate na eleição atual e podem influenciar a decisão dos eleitores no momento do pleito. A escolha dos cidadãos deve ser baseada em informações verídicas e confiáveis.

Outras checagens sobre o tema: Em 12 de maio, o Aos Fatos apontou que é falsa a declaração de Bolsonaro de que as informações das emendas de relator (RP9) não são secretas.

Em verificações recentes envolvendo o contexto político-econômico brasileiro, o Comprova mostrou que reportagem cita outros países com cenário econômico positivo além do Brasil, que post de deputado exagera em 5 vezes o lucro das estatais em 2021 e que Brasil é acionista majoritário e responsável pelo controle da Petrobras, ao contrário do que diz post.

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