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Paola Carosella não teve prejuízo milionário após criticar Bolsonaro, nem foi atacada por Jô Soares

Restaurante da argentina, o Arturito tem agenda cheia e reservas disponíveis só para daqui a 59 dias; entrevista de Jô Soares criticando estrangeiros que falam mal do Brasil é de 2017 e não tem relação com a chef

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Foto do author Clarissa Pacheco

Depois de promover um boicote ao restaurante Arturito, da argentina Paola Carosella, apoiadores do governo inventaram que a chef teve um prejuízo milionário por causa das críticas recentes feitas ao presidente Jair Bolsonaro (PL). Na verdade, as reservas para o restaurante estão esgotadas pelo menos até 31 de julho de 2022.

Postado em diversas contas no Facebook, um vídeo com mais de 200 mil visualizações  retira de contexto o trecho de uma entrevista de Jô Soares para insinuar que o dramaturgo criticou a empresária por "falar mal do Brasil". Mas Jô não se referia a Paola na entrevista, concedida em novembro de 2017 a Pedro Bial.

 Foto: Estadão

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O vídeo com ataques a Paola Carosella circula na internet ao mesmo desde 24 de maio. Uma semana antes, no dia 17, ela fez críticas a Bolsonaro e aos apoiadores dele durante entrevista ao podcast DiaCast. Paola disse ter chorado com a eleição do presidente e afirmou conhecer muitas pessoas que votaram nele. Perguntada como lidava com as pessoas que ainda o apoiam, ela respondeu que não se relaciona mais com bolsonaristas: "Fica muito difícil se relacionar com alguém que... por dois motivos: ou porque é um escroto, ou porque é burro", disse, a partir de 1:09:20 do podcast.

A fala ganhou repercussão na imprensa a partir de 23 de maio e, no mesmo dia, bolsonaristas começaram a atacar a cozinheira e promoveram um boicote aos restaurantes dela, o Arturito, no bairro de Pinheiros, e o La Guapa, em vários endereços de São Paulo. Primeiro, foi feita uma campanha nas redes para que apoiadores de Bolsonaro não frequentassem nenhum dos restaurantes de Paola; depois, houve uma movimentação para rebaixar a nota dos estabelecimentos no Google. A nota do Arturito no site caiu de 4,5 estrelas - são 5, no máximo - para 1,6.

Nota alta e agenda lotada

O Google informou que estava investigando as avaliações a adotando medidas para remover o conteúdo fraudulento e que violava as políticas da empresa. "Temos políticas claras que proíbem conteúdo falso e fraudulento e nossos sistemas automatizados e equipe de pessoas treinadas trabalham contra o relógio para monitorar o Google Maps com o objetivo de identificar conteúdo suspeito", diz a nota. Nesta quinta-feira, 2, a nota do Arturito estava em 4,5.

Captura de tela feita em 2 de junho de 2022 pelo Estadão Verifica Foto: Estadão

Embora o vídeo afirme que Paola Carosella sofreu um prejuízo milionário após as críticas a Bolsonaro, a repercussão do caso na imprensa aponta para o contrário. No dia 25, notícias mostravam que o restaurante "cancelado" tinha fila de espera na porta. O Estadão Verifica tentou fazer uma reserva no Arturito por meio do site oficial no início da tarde desta quinta-feira. No entanto, só há vagas disponíveis para o dia 31 de julho, daqui a 59 dias. A chef planeja transferir o restaurante para um lugar quatro vezes maior no ano que vem, segundo a Veja SP. O movimento também continuava normal nas unidades do La Guapa, segundo o G1.

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Captura de tela feita pelo Estadão Verifica em 2 de junho de 2022 Foto: Estadão

A administração do restaurante foi contatada para comentar o caso, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

Entrevista de Jô Soares

No vídeo viral checado aqui, o narrador afirma que o problema de Paola Carosella "não acabou" só no prejuízo milionário e que foi encontrado um novo vídeo, o que estaria motivando a chef a voltar para a Argentina, seu país de origem. Na sequência aparece um trecho de uma entrevista de Jô Soares a Pedro Bial em que ele afirma que não aceita que estrangeiros que ficam ricos no Brasil falem mal do País, nem que se critique o País no exterior.

No rodapé da imagem, aparece uma frase: "Jô Soares solta o verbo e desabafa geral. Paola Carosella podia dormir sem essa". A narração emenda, no final da montagem, que o vídeo pode ser antigo, mas que representa o que todos os brasileiros querem falar para a argentina. O vídeo, contudo, não tem nenhuma relação com Paola Carosella, nem foi uma reação à fala dela sobre Bolsonaro.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

A entrevista original foi ao ar em 24 de novembro de 2017, antes mesmo de Bolsonaro ser eleito presidente do Brasil. Jô Soares foi entrevistado por Pedro Bial no Conversa com Bial, que herdou o horário do Programa do Jô na Rede Globo. O trecho usado no vídeo viral não mostra o contexto, nem inclui a fala anterior de Jô, em que ele critica pessoas que que não têm noção do que é pátria e que criticam o Brasil.

"Eu tinha um tio-avô chamado Oscar Soares que foi deputado pela Paraíba e um dia eu encontrei um velhinho no avião e falou: 'Você é sobrinho-neto do Oscar Soares que foi deputado'. Eu digo: 'Foi, eu sei'. E ele: 'É. Ele foi presidente da Comissão de Orçamento e morreu pobre, é uma coisa espantosa'. Para você ver o que a corrupção não é nenhuma novidade, e tinha gente, como eu acho que hoje também tem, a maioria das pessoas são honestas, trabalham pelo bem do País", disse.

Ele continua: "Só que uma cúpula safada, miserável sem noção do que é Pátria, eu não tô falando com o patriotada, não, tô falando com o amor o lugar onde você nasceu, tanto que eu não admito que falem mal do Brasil fora do Brasil, sabe? Não admito. O cara diz: 'Não, mas é verdade...'. Foda-se! Aqui, você não vai falar mal do Brasil. É uma coisa, sabe? Pode parecer patriotada, mas não, é verdade. Como é que eu vou admitir que falem, fora daqui, que falem mal do meu País, ou que um estrangeiro que vem morar aqui, fica rico, e vai falar mal? Com todo o respeito, no c*!".

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Cidadania brasileira

Nascida na Argentina, Paola Carosella iniciou em 2019 o processo para se naturalizar brasileira. Em entrevista à CNN em abril de 2022, ela confirmou que já está naturalizada e que já tem título eleitoral. Paola disse que já tinha direito a residência permanente no Brasil, onde vive desde 2001, mas considerava importante exercer a cidadania e que entrou com o processo de naturalização para poder votar.

Nos últimos das, a cozinheira sofreu ataques pessoais em sua redes sociais, críticas ao seu país de origem e aos seus posicionamentos políticos. Paola, contudo, costuma fazer elogios ao Brasil, e não críticas. Ela já disse, por exemplo, que mesmo não tendo nascido aqui, ama o País. "Se tem um país que tem uma riqueza quase obscena em biomas, em ingredientes, em cultura gastronômico, de todos os que eu conheço - e eu conheço muitos países - é o Brasil. Não é meu, mas eu amo como se fosse", disse a chef durante o Master Chef, em 2017.

Recentemente, ela rebateu críticas por falar sobre a política brasileira: "Mensagem pras pessoas que nos últimos dias me chamaram de bonitinha e charmosa - mas: melhor volta pra cozinha e não fala de política - ou 'você é charmosinha mas não sabe do que fala'. Pois bem meus repolhos: eu sou charmosa sim, e bonita, uma gata, sou bem sucedida, independente, pago todas as minhas contas - e as de várias outras pessoas - tenho três empresas, trabalho pacas, leio, estudo, tenho opinião e VOTO no Brasil", escreveu no Instagram.


Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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