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Colesterol alto está, sim, associado a doenças do coração, diferentemente do que diz vídeo viral

Publicação questiona influência do ‘colesterol ruim’ em problemas cardiovasculares, mas evidências científicas mostram que o nível elevado no organismo pode causar doenças, como infarto ou AVC

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Foto do author Giovana Frioli
Atualização:

O que estão compartilhando: um médico afirma que “a mídia e as escolas de Medicina ensinam que o colesterol é um inimigo a ser combatido, mas isso está profundamente errado”. Segundo ele, os resultados que ligam a doença coronariana – obstrução das artérias que fornecem sangue ao coração – ao colesterol são “contraditórios”. O profissional também afirma que “não existem evidências sólidas mostrando que o colesterol seja um fator de risco para morte e problemas cardiovasculares”. Ele conclui que as informações são perpetuadas por “forças poderosas que utilizaram essa narrativa para ganhar lucros astronômicos”.

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O Estadão Verifica checou e concluiu que: é enganoso. Como informam o Ministério da Saúde, a Sociedade Brasileira de Cardiologia e a Federação Mundial do Coração, o colesterol ruim em taxas elevadas está sim associado ao desenvolvimento de problemas cardiovasculares. A condição está ligada a um risco de formação de placas gordurosas nas artérias, causadoras de doenças coronarianas (coração) e da aterosclerose, que podem levar a um infarto ou Acidente Vascular Cerebral (AVC). A Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo explicou à reportagem que estudos da área confirmam que o colesterol alto está associado a um maior risco de problemas no coração; já a redução dele está relacionada ao benefício da proteção cardiovascular.

O médico responsável pelo vídeo analisado não possui a descrição de especialidade de cardiologia em seu nome no site de busca do Conselho Federal de Medicina. O Estadão Verifica tentou contato com o profissional, mas não recebeu retorno até a publicação do texto.

Colesterol alto está, sim, associado a doenças do coração, diferentemente do que diz vídeo viral Foto: Reprodução/Redes Sociais

Saiba mais: Em uma publicação viral, o médico Alessandro Loiola afirma que pretende “descontruir o terrorismo” e a “paranoia” do colesterol. Trechos do vídeo afirmam que os resultados que apontam a relação entre o colesterol alto e as doenças coronarianas são “bem contraditórios” e que “não há evidências” de que taxas acima dos valores de referência sejam fatores de risco para morte e problemas cardiovasculares. O profissional já foi checado pelo Projeto Comprova por afirmar que as vacinas contra a covid-19 são um “lixo”.

A longa gravação publicada no Instagram minimiza o impacto do colesterol em problemas relacionados ao coração. Porém, o que o médico diz difere das orientações de instituições de saúde no Brasil e no mundo. Segundo o Ministério da Saúde, o colesterol desemprenha funções importantes em nosso organismo, como produção hormônios e de vitaminas. Porém, ele se torna perigoso quando existe o excesso da partícula LDL, conhecida popularmente como “colesterol ruim”. Em níveis elevados, ele é um dos fatores associados às doenças cardiovasculares graves.

O colesterol alto causa 3,6 milhões de mortes todos os anos, segundo a Federação Mundial do Coração. Dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) indicam que aproximadamente 40% da população brasileira possui níveis elevados de colesterol. Em 2022, 400 mil pessoas morreram no Brasil por conta de problemas cardiovasculares, sobretudo por conta do infarto e do AVC (76%). Embora a hipertensão seja o principal fator de risco para os dois problemas, diabetes e nível de colesterol elevado favorecem a ocorrência desses quadros, de acordo com publicação do Ministério da Saúde.

O colesterol alto é um dos principais fatores de risco para doenças do coração. Foto: Erica Dezonne/Estadão

A médica Maria Cristina Izar, presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo e professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que não é possível excluir o colesterol da discussão sobre os problemas do coração. Um dos exemplos é a aterosclerose, uma doença que se caracteriza pelo acúmulo de placas de gordura nas paredes das artérias. “O LDL tem um papel importante para o corpo, porém quando permanece por muito tempo em circulação, sofre modificações em sua estrutura química, o que dificulta que ele seja removido”, explicou. “Não sendo retirado do sangue, ele se deposita nas paredes dos vasos. A doença aterosclerótica é causada por um acúmulo de gordura e outros fatores de risco”.

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Segundo a especialista da área, a hipertensão, diabetes, tabagismo, obesidade e sedentarismo podem, de fato, acelerar problemas e inflamações relacionadas às doenças do coração, como é dito no vídeo analisado. Porém, “a exposição cumulativa ao longo da vida do colesterol é determinante na precocidade de um infarto ou um AVC, por exemplo”, disse ela. “Estudos observacionais com uma centena de milhares de pessoas mostram apontam que reduzir o LDL promove uma diminuição em mais de 30% da chance de um evento coronário (do coração)”, complementa.

Em publicação de 2022, a Fundação Mundial do Coração afirmou que “há evidências irrefutáveis da relação causal entre o colesterol LDL e doenças cardiovasculares ateroscleróticas”. Na época, o comitê alertou para desinformação nas mídias sociais que questionam a influência deste fator de risco nos problemas e disse que elas são “uma barreira para a melhor saúde do coração e implementação de estratégias preventivas”. O documento aponta que a redução do colesterol é benéfica para a prevenção de infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, revascularização ou morte cardiovascular.

Níveis de risco do colesterol e tratamento de pacientes

Por conta das evidências da associação entre o colesterol ruim alto e problemas cardiovasculares, em 2017, a SBC definiu novas metas para os valores de referência. No caso específico do LDL, as taxas são estabelecidas conforme o risco em adultos com mais de 20 anos. Para pessoas com perigo baixo, o valor deve ser menor que 130 mg/dL; médio, abaixo de 100 mg/dL; alto, menor que 70 mg/dL; muito alto, abaixo de 50 mg/dL. O HDL, chamado de “colesterol bom”, precisa ser mantido em níveis altos, acima de 60 mg/dL, para evitar doenças. Os números são similares aos aplicados no Reino Unido ou Estados Unidos, por exemplo.

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“Junto com as sociedades de Análises Clínicas, Patologia Clínica e Medicina Laboratorial e de Cardiologia nós elaboramos um consenso com novos valores referenciais de acordo com o risco cardiovascular. Antigamente, um paciente podia olhar para as taxas e achar que não precisava de tratamento por não levar em consideração outros fatores”, explicou a médica Maria Cristina. Ela salienta que é importante manter os níveis controlados a fim de também baixar a exposição cumulativa do LDL ao longo da vida.

Pessoas que possuem taxas elevadas de colesterol alto passam por tratamentos relacionados à mudança do estilo de vida e também medicações. A cardiologista explica que a terapia é voltada para uma alimentação balanceada, a prática de exercícios físicos de maneira regular, sono adequado e do controle da pressão arterial, peso e dos níveis de colesterol. “Isso faz parte da prevenção global para a saúde cardiovascular”, afirmou. Além disso, também há o uso de estatinas e outros remédios, prescritos de acordo com o risco do paciente.

É importante manter hábitos saudáveis para controlar o colesterol LDL e aumentar o HDL no organismo. Foto: Unsplash @huckster

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Médico não possui descrição de especialidade em cardiologia

Em uma pesquisa no site do Conselho Federal de Medicina (CFM), na aba de busca de médicos, o profissional Alessandro Lemos Passos Loiola aparece em três resultados. Porém, em nenhum deles, há o título de especialista na área de cardiologia. A descrição é de cirurgia geral e coloproctologia. Em seu Instagram, ele informa que trabalha com otimização de testosterona em homens. Não foi encontrado perfil dele no Lattes, plataforma com informações da vida acadêmica e profissional de pesquisadores e profissionais.

Em 2020, o Projeto Comprova apontou que ele espalhou informações falsas sobre a segurança das vacinas mRNA contra a covid-19. No mesmo ano, o profissional também havia tirado dados de contexto para sugerir que máscaras são ineficientes na pandemia.

O Estadão Verifica tentou contato com o médico, mas não recebeu retorno até a publicação da reportagem.

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