Postagens usam imagem de atleta de vôlei para fazer associação falsa entre vacina de covid e câncer

Paula Borgo morreu aos 29 anos de câncer de estômago; especialistas explicam que imunizantes não são capazes de causar a doença, diferentemente do que insinuam publicações

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Foto do author Clarissa Pacheco
Atualização:

O que estão compartilhando: Que casos de câncer aumentaram após a vacinação contra a covid-19 e que pessoas conhecidas morreram de câncer após se vacinarem. Diversos posts nas redes usam uma fotografia da ex-jogadora da seleção brasileira de vôlei Paula Borgo, que morreu no último dia 11 de maio, aos 29 anos, vítima de um câncer no estômago.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso porque as vacinas contra a covid-19 não provocam câncer, como explicam especialistas das áreas de oncologia e imunologia. Não há qualquer notícia que associe o câncer que tirou a vida de Paula Borgo à covid-19. A atleta foi diagnosticada no ano passado, quando realizava exames pré-temporada junto à equipe médica do Vôlei Barueri, e se afastou das quadras imediatamente para tratamento.

Embora médicos percebam nos consultórios aumento de diagnósticos de câncer, oncologistas afirmam que a razão para isso é o represamento de casos ao longo da pandemia. Muita gente deixou de procurar atendimento e realizar exames, mesmo com sintomas. Esses casos aparecem agora, e muitos deles em estágio avançado.

 Foto: Reprodução

Saiba mais: No último dia 11 de maio, o mundo do vôlei lamentou a morte precoce da oposta brasileira Paula Borgo, que morreu aos 29 anos vítima de um câncer no estômago. No mesmo dia, um médico usou as redes sociais para afirmar que o número de casos de câncer “aumentou exponencialmente após a vacinação”. Ele diz não poder afirmar que foi a vacina que causou o câncer da atleta, mas usa uma fotografia dela junto ao post. Apenas no Twitter, a publicação alcançou 3,6 milhões de visualizações.

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Em outras plataformas sociais, mais postagens usaram fotos de Paula Borgo e associaram a morte da atleta diretamente à vacinação, o que é falso. Como explicam especialistas das áreas de oncologia e imunologia, as vacinas não causam câncer – e isso não vale apenas para as vacinas contra a covid, mas para todas as outras incluídas no calendário de vacinação.

“Não tem nenhuma plausibilidade biológica para a gente pensar que essa vacina leva ao desenvolvimento de câncer. A gente já tem mais de 100 anos usando vacinas e não foi feita nenhuma associação”, afirma a infectologista, imunologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Fernanda Grassi.

A oncologista Ignez Braghiroli, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC) e coordenadora do Comitê de Tumores Gastrointestinais Alto da SBOC, concorda, e diz que não existe relação com câncer nas vacinas que são aplicadas na população. “As vacinas que a gente usa não causam câncer. Pelo contrário, elas protegem: a de hepatite B protege contra câncer do fígado, a de HPV protege contra câncer do colo do útero”, explica.

Segundo Braghiroli, o aumento de casos de câncer neste momento é perceptível, ao menos nos consultórios, mas não há uma relação com a vacinação. “Existe uma relação com a pandemia, mas não de causa pela vacina. A pandemia causou atraso de exames, dificuldade de acesso a consultórios. Imagine, todo mundo passou um ano trancafiado, as pessoas ficaram sem ir ao médico, muitos pacientes ficaram até com receio, sem saber se deveriam ir ou não. Voltou a vida, as pessoas começaram a ir ao médico, começaram a fazer seus exames e começou a ter diagnóstico”, aponta.

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O Instituto Nacional do Câncer (INCA) estima que, de 2023 a 2025, o Brasil terá 704 mil novos casos da doença por ano, mas ainda não consegue prever em números qual será o impacto da pandemia nesses casos. Isso porque os dados se baseiam nas tendências de incidência de mortalidade de anos anteriores. Mas, o próprio INCA já observa que, em outros países, foram relatados atrasos importantes de diagnóstico de câncer no período pandêmico.

Quanto a uma relação direta entre câncer e a vacinação ou a infecção pelo coronavírus, o Instituto esclarece que não há qualquer evidência científica disso, nem com outras doenças. “Não há registro de aumento de casos oncológicos durante ou pós COVID associado a infecção por SARS-CoV2, ou mesmo pela vacina, demonstrada cientificamente”, acrescenta.

De onde vem a ideia de que vacina poderia causar câncer?

Não é a primeira vez que publicações nas redes sociais tentam relacionar casos de câncer à vacinação contra a covid-19. Além de Paula Borgo, uma mesma postagem inventou relação entre a imunização e as mortes de Rita Lee, Glória Maria, Jô Soares e Elza Soares, por exemplo – mesmo que os dois últimos nomes sequer tenham morrido de câncer.

Uma das explicações para a “suspeita” sobre a relação entre a vacina e o câncer é a ideia de que os imunizantes que usam a tecnologia do RNA mensageiro (mRNA) – como a Pfizer, usada no Brasil – seriam capazes de inativar os genes supressores dos tumores. Isso não é verdade, como explica uma publicação do Memorial Sloan Kettering Cancer Center, dos Estados Unidos.

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“O RNA mensageiro (mRNA) não é o mesmo que o DNA e não pode se combinar com o DNA para alterar o código genético. O mRNA é frágil e dá instruções às células para produzir anticorpos contra o SARS-CoV-2. Não entra no núcleo da célula, que é a parte que contém o DNA. Portanto, o mito de que a vacina de mRNA poderia de alguma forma inativar os genes supressores de tumor não é verdadeiro”, diz um guia para pacientes e cuidadores.

Fernanda Grassi acrescenta que esse temor de que a vacina causará mutação no genoma da célula humana é fantasioso. “O RNA serve para sintetizar a proteína e, uma vez que sintetiza, ele não existe mais, ele se degrada”, afirma. O temor de que vacinas de covid com outras tecnologias poderiam provocar câncer também não tem fundamento, diz. “As vacinas baseadas em plataforma viral, como a CoronaVac, são extremamente seguras. A gente sabe disso porque são a primeira geração de vacinas, já temos estudos mostrando os benefícios e as reações adversas”, acrescenta.

As reações mais comuns são dor de cabeça, cansaço e dor no local da aplicação. Câncer não está entre os possíveis efeitos colaterais das vacinas.

Câncer de estômago, que acometeu Paula Borgo, é o 6º mais comum no Brasil

Paula Borgo recebeu o diagnóstico de câncer entre agosto e setembro do ano passado, quando a atleta, que jogava no Bergamo, da Itália, foi contratada como o principal reforço do Vôlei Barueri para a Superliga Feminina 2022/2023.No dia 1º de setembro, o Barueri informous que, durante a realização dos exames de pré-temporada no Departamento Médico do clube junto com a Prevent Senior NewOn, “foi identificada uma lesão tumoral no estômago da atleta”. Paula se afastou imediatamente das quadras para iniciar o tratamento.

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Paula Borgo, jogadora de vôlei que já representou a seleção brasileira, morreu vítima de câncer de estômago no último dia 11 de maio Foto: Paula Borgo Instagram/@patricyphotography

O Estadão Verifica procurou o Vôlei Barueri em busca de informações sobre o quadro de saúde da jogadora no momento do diagnóstico, inclusive para saber se ela tinha sido vacinada ou tinha contraído a covid-19, mas o clube disse não poder fornecer informações médicas das atletas. A Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) também disse não ter dados sobre covid-19 ou vacinação da jogadora, uma vez que ela atuou pela seleção pela última vez em 2019 – antes da pandemia – e não chegou a entrar em quadra no Brasil durante a emergência de saúde.

O Bergamo, último clube em que a jogadora atuou, na Itália, também disse não poder fornecer informações médicas por questão de privacidade. Os dois clubes, além da CBV, de dezenas de outros atletas e torcedores lamentaram a morte de Paula, mas em momento algum a vacinação ou a própria covid-19 foi mencionada como algo associado à doença da jogadora. O tipo de câncer que a acometeu – de estômago – é o sexto mais comum no Brasil e corresponde a 3,1% do total de diagnósticos, segundo o INCA. Ele fica atrás apenas do câncer de pele não melanoma (31,3%), de mama feminina (10,2%), de próstata (10,2%), cólon e reto (6,5%) e pulmão (4,6%).

“O câncer de estômago é uma doença que a gente eventualmente já encontrava em jovens e, de um modo geral, a gente tem visto um aumento de neoplasias em jovens”, diz a oncologista Ignez Braghiroli. Ela explica que esse tipo de câncer pode ser hereditário, pode estar relacionado à obesidade, principalmente na transição entre o estômago e o esôfago, ou pode estar relacionado à bactéria H. pylori, que é bastante comum.

O que diz o autor do post: O médico responsável pela primeira publicação – associando casos de câncer à vacina de covid-19 e usando uma imagem de Paula Borgo – foi procurado por e-mail, mas não respondeu até a publicação desta checagem. O post no Twitter foi apagado.

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Como lidar com postagens do tipo: Conteúdos como este usam notícias trágicas – como a morte de uma atleta jovem – para tentar desacreditar a vacinação, associando os imunizantes contra a covid-19 a uma doença que eles não têm capacidade de provocar: o câncer. Nestes casos, é importante pesquisar se existe relação entre uma doença e a vacinação contra a covid-19 ou se há relatos em sites confiáveis de que determinada doença pode ser um efeito colateral da vacinação, o que não é o caso do câncer. Além disso, se a vacinação tivesse provocado câncer em uma atleta conhecida, isso certamente seria notícia, já que o próprio diagnóstico foi noticiado à época em diversos sites ligados a jornais e na imprensa especializada.

Outras conteúdos que tentaram associar o câncer a vacinas, sobretudo de covid-19, foram desmentidos ao longo dos últimos anos. O Projeto Comprova, do qual o Estadão Verifica é parceiro, já mostrou que a vacina contra a covid-19 não provocava câncer do endométrio e outras doenças, que não havia relação comprovada entre os imunizantes e a herpes zoster, que era falso o vídeo que espalhava um boato sobre as vacinas da covid terem vírus e fungos “do câncer” e que não era verdade que a vacina contra a pólio tenha causado câncer em 98 milhões de pessoas nos EUA.

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