É falso que Paulo Freire nunca tenha sido professor e só tenha formação em Direito

No mês em que pedagogo brasileiro completaria 100 anos, grupos bolsonaristas espalharam informações falsas sobre sua biografia

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Por Gabi Coelho
Atualização:

Postagens nas redes sociais espalham as informações falsas de que o pedagogo Paulo Freire (1921-1997)  "nunca foi professor", que sua única formação foi bacharel em Direito e que sua experiência com alfabetização foi com adultos em acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Ao Estadão Verifica, pesquisadores da obra de Freire disseram que o conteúdo é falso. O educador de fato estudou Direito, mas não exerceu a profissão e se tornou professor, com diversos títulos na área.

 

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O educador iniciou sua carreira dando aulas de português no Colégio Oswaldo Cruz, de Recife (PE), em 1944, e só deixou o magistério em 1990, quando saiu da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) para comandar a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo na gestão de Luiza Erundina (então no PT, hoje no PSOL).

Segundo o pesquisador Sérgio Haddad, biógrafo de Paulo Freire, "foi nesse período também que ele começou a dar aulas particulares. Posteriormente, a partir de 1947, trabalhou no SESI de Pernambuco como coordenador e professor de operários e de filhos de operários".

A única experiência de Freire com crianças em idade de alfabetização, de acordo com Haddad, foi em 1955, ano em que fundou juntamente com um grupo de educadores o Instituto Capibaribe. O espaço tinha a finalidade de educar crianças, formar professores e atualizar famílias. 

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"No ensino superior, deu aulas na Escola de Serviço Social da Universidade de Recife, depois, em 1955, foi nomeado professor catedrático interino [professor titular] de História e Filosofia da Educação na Escola de Belas Artes", disse o pesquisador, autor do livro O educador: um perfil de Paulo Freire.

Apesar de ter se graduado como bacharel de Direito, Freire se tornou doutor em filosofia e história da educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em 1959, e também recebeu 41 títulos de doutor honoris causa em universidades renomadas, como Cambridge e Oxford, no Reino Unido.

Sérgio Haddad conta que, "também no exterior, além de assessorar o Ministério de Educação do Chile, Paulo Freire foi professor da Universidade de Harvard e de Genebra. Trabalhou com os governos africanos, ex-colônias portuguesas de 1975 a 1980, quando voltou ao Brasil do exílio. Sua vida foi dedicada à educação, como podemos ver". 

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Relação de Paulo Freire com o MST

O post viral também alega que a única experiência de Freire em alfabetização foi com adultos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. A afirmação é falsa. Na verdade, as origens do MST estão ligadas a conflitos fundiários nas décadas de 1970 e 1980 no Sul do Brasil; o movimento só foi institucionalizado em 1984. O método de Freire de alfabetização foi sistematizado em 1962, quando ele era professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Na década de 1980, o pedagogo lecionava na Unicamp. O Estadão Verifica não encontrou registros de que ele tenha dado aulas para o MST.

Criada por Paulo Freire e conhecida pela maneira de educar conectada ao cotidiano e às experiências dos estudantes, a metodologia freiriana tornou-se conhecida não só no Brasil, mas no mundo. A coordenadora do Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Francisca Maciel, explica que princípios do método criado pelo brasileiro são usados na educação de várias faixas etárias. 

"Atualmente, o que a gente constata é que muitos professores dentro e fora do Brasil usam os princípios da proposta metodológica de Paulo Freire em sala de aula, desde a educação infantil", disse ela. "Não dá pra dizer que Freire tem só alfabetização de jovens e adultos. É a formação de uma pessoa, em todas as etapas da vida. Os princípios freirianos vão muito além dos muros da educação. Hoje a saúde, a engenharia, diferentes áreas do conhecimento tomam os princípios para suas formações". 

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Ataques do presidente

Paulo Freire faria 100 anos neste mês. O intelectual é alvo constante de ataques do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de seus seguidores. Na opinião de Sérgio Haddad, a busca pelo educador e o aumento de desinformação sobre sua obra "vêm desde a campanha eleitoral".

Na última quinta-feira, 16, a Justiça Federal do Rio proibiu o governo federal de tomar qualquer atitude que atente contra a dignidade de Paulo Freire. 

Na mesma semana, uma das maiores universidades do mundo, Columbia, em Nova York, anunciou no centenário do educador brasileiro uma série de eventos e incentivos para pesquisa sobre o seu trabalho. "Equidade, educação antirracista, gênero, a preocupação com diferentes camadas de opressão e exploração são temas com muita força na academia atualmente. E foram explorados há muitas décadas por Freire", disse o professor brasileiro de Columbia Paulo Blikstein, ao Estadão.

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Com mais de 12 mil interações no Facebook e quase 18 mil no Twitter, a publicação falsa analisada aqui foi feita por Paula Marisa, youtuber bolsonarista e ex-candidata a vereadora de Canoas (RS), em 2020. O Estadão Verifica entrou em contato com a autora do post, mas não teve retorno até o momento da publicação desta checagem. 

Aos Fatos e">">AFP também apuraram a informação que circula nas redes sociais. 


Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.

Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook  é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas:  apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.

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