O que estão compartilhando: que a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) teria confessado em entrevista à GloboNews que não existe estudo de viabilidade sobre os impactos negativos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para acabar com escala de trabalho 6x1 – seis dias de trabalho e um de folga por semana.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Em entrevista na segunda-feira, 11, a deputada disse que não havia um estudo específico sobre o impacto que a redução de jornada teria no preço de medicamentos. Ela citou que sua proposta levou em conta estudos e experiências de outros países que adotaram uma escala de trabalho diferente. As postagens analisadas aqui cortam a parte da entrevista em que Erika menciona esses estudos.
Na mesma entrevista, ela disse que seriam necessárias mais discussões, estudos e análises para que a mudança não gere impacto negativo na economia e aumento nos preços “de forma tão dramática”. Esse trecho da fala também foi cortado nos vídeos enganosos.
Procurada, a deputada confirmou que se “referia a estudo relacionado aos preços dos remédios”. O gabinete de Erika disse que há estudos mais amplos sobre a redução da jornada de trabalho e acrescentou que a justificativa da PEC mostra dados concretos de outras experiências. “A pergunta (da entrevista da GloboNews) foi muito específica para o setor de farmácias, no Brasil, com impacto no preço de medicamentos. Algo bem específico, sendo que a PEC é uma proposta de emenda à Constituição que ainda nem foi protocolada e que trata da jornada de trabalho de forma ampla. Muitos debates ainda precisam ser feitos”, disse a equipe da parlamentar.
Saiba mais: A deputada Erika Hilton é a autora da PEC que visa a reduzir a jornada de trabalho para os brasileiros. Hoje, a jornada é de no máximo oito horas diárias, somando 44 horas semanais. A proposta é reduzir a escala para quatro dias de trabalho por semana, com no máximo oito horas diárias e 36 semanais, mantendo-se o mesmo salário e os benefícios trabalhistas atuais.
Na manhã desta quarta, 13, haviam sido recolhidas 194 assinaturas para abertura de uma discussão sobre a PEC, ultrapassando o mínimo necessário de 171. À noite, em uma entrevista coletiva, a deputada disse que ainda não havia protocolado a proposta porque continuava colhendo assinaturas. Uma vez protocolada, a PEC passa a tramitar pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Até às 14h40 desta quinta-feira, 14, a proposta tinha 232 assinaturas no sistema da Câmara.
Fala da deputada foi cortada
O trecho usado nos vídeos virais foi retirado de uma entrevista de Erika ao programa Em Pauta, da GloboNews, na noite da última segunda-feira, 11. Na ocasião, a PEC ainda não tinha assinaturas suficientes para poder começar a tramitar.
Erika respondeu a perguntas de seis jornalistas; o segundo deles foi o comentarista Gerson Camarotti. Ele usou o caso do vereador eleito do Rio de Janeiro Rick Azevedo (PSOL), idealizador do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), para perguntar se a PEC de autoria de Erika tinha algum estudo de viabilidade sobre o encarecimento de medicamentos. Azevedo trabalhava como balconista em uma farmácia.
A pergunta completa de Camarotti é:
“– Deputada, eu tava conversando com o deputado Tarcísio, que foi o candidato à Prefeitura do Rio de Janeiro, assim que acabou a eleição, e ele tinha me contado do Rick Azevedo, né? Como é que tinha sido a campanha proposta, que aquilo tinha viralizado no Rio de Janeiro, me chamou muito a atenção. De fato, você tem, essa proposta tem uma aceitação muito grande quando você pega o trabalhador brasileiro. Agora, do ponto de vista de viabilidade... Por exemplo, o Rick, que é o vereador eleito pelo PSOL, o seu partido, ele vem da área de farmácia, era funcionário de farmácia. E pra pegar esse exemplo, a senhora tem um estudo sobre viabilidade, quanto isso custaria o encarecimento de medicamentos? Porque, de fato, se tem que colocar mais pessoas para trabalhar e manter aquela farmácia aberta, isso tem um custo. Eu queria saber da senhora qual foi o estudo feito pra apresentação desse projeto”.
Erika responde:
“– Camarotti, nós não temos um estudo tão específico como esse, dando respostas a essas questões. Nós olhamos do ponto de vista do mundo do trabalho e das flexibilidades que outros países e estudos apontaram com relação à flexibilidade, com relação à economia. Obviamente que nós entendemos todos os impactos que podem ser gerados. Por isso que nós protocolamos, inclusive, uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Câmara, para que nós tenhamos a oportunidade de discutir. O que nós não podemos ignorar é que a condição do trabalhador hoje, ela é uma condição extremamente sucateada, e que nenhum tipo de argumento pode servir para a manutenção desse lugar. Óbvio que nós vamos precisar aprofundar, óbvio que nós vamos precisar de mais estudos, óbvio que nós vamos precisar de uma análise. Mas, o que nós estamos fazendo neste momento é dizer: o trabalhador precisa ser olhado, o trabalhador precisa ser observado e atendido. E pra isso, nos precisamos, então, mudar alguns mecanismos e entender de qual maneira eles podem ser sustentáveis e aplicados. Pra isso, nós precisaremos de longos debates, nós precisaremos de estudos, nós precisaremos nos aprofundar ainda mais. Mas, sem sombra de dúvida nenhuma, baseado em outros estudos, que não tão específicos como esse que você me questiona, em outros modelos de escala trabalhista, nós temos a convicção: é possível de ser implementado, sim, no Brasil, sem afrontar de forma absurda a economia, o aumento dos preços de forma tão dramática. Outros lugares fizeram, nós também podemos fazer”.
A fala completa da deputada tem 1 minuto e 35 segundos de duração: começa aos 39:05 de programa e termina aos 40:40. O trecho usado nos vídeos virais, contudo, tem apenas seis segundos. O único trecho que aparece nos vídeos é o da primeira frase dita pela parlamentar, seguido de um corte brusco: “Camarotti, nós não temos um estudo tão específico como esse, dando respostas a essas questões”.
Estudos são citados na justificativa da PEC
Na justificativa da PEC, são citadas experiências de outros países que implantaram a medida, a exemplo do Reino Unido, que executou um projeto piloto de redução da jornada de trabalho por meio da iniciativa 4 Day Week. Lá, o piloto foi executado em 2023 com 61 empresas e mostrou que 92% das companhias que participaram do teste continuariam com a jornada de quatro dias e 1,4% registraram aumento de receita. Entre os trabalhadores, 39% se sentiram menos estressados, 71% reduziram sintomas de burnout e 54% acharam mais fácil conciliar a vida pessoal com a profissional.
O mesmo piloto foi feito no Brasil este ano, entre janeiro e junho, com 21 empresas. Os resultados foram divulgados em agosto, com base em dados coletados pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Entre as empresas, 72% relataram aumento na receita e 84,6% recomendaram a semana de quatro dias para outras empresas. Entre os trabalhadores, 44,4% relataram uma capacidade aumentada de cumprir prazos, 65% relataram redução na exaustão e 74% observaram uma melhoria na saúde física.
A justificativa do projeto também cita uma publicação feita em 2010 pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), uma nota técnica sobre a redução da jornada de trabalho e em favor de uma nova legislação, desta vez que favoreça os trabalhadores, impactados negativamente pelas longas e intensas jornadas de 44 horas de trabalho semanais.
Há argumentos contrários à PEC. A Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) afirmou que, se aprovada, a medida implicaria “diretamente no aumento dos custos operacionais das empresas”. “O impacto econômico direto dessa mudança poderá resultar, para muitas empresas, na necessidade de reduzir o quadro de funcionários para adequar-se ao novo cenário de custos, diminuir os salários de novas contratações, fechar estabelecimento em dias específicos, o que diminui o desempenho do setor e aumenta o risco de repassar o desequilíbrio para o consumidor”, afirmou a entidade.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse nesta quinta-feira, 14, que a PEC “vai aumentar o custo do trabalho, vai aumentar a informalidade e vai diminuir a produtividade”. O economista Pedro Fernando Nery afirmou em entrevista ao Estadão que a redução na jornada para 36 horas resultaria em aumento de em torno de 15% da hora trabalhada, o que poderia levar à interrupção de novas contratações, aumento da inflação de serviços e até mesmo a diminuição da força de trabalho.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.