Esta checagem foi produzida pela coalizão do Comprova. Leia mais aqui.
Leia a versão em espanhol
É falso que um grupo de pesquisadores brasileiros tenha aplicado uma dosagem letal de cloroquina em pacientes com covid-19 para causar má-impressão sobre o medicamento no tratamento contra a doença causada pelo novo coronavírus.
Tal alegação foi feita pelo empresário americano Mike Coudrey em sua página no Twitter, em 14 de abril, e reproduzida um dia depois pelo canal Papo Conservador com Gustavo Gayer, no Youtube. O vídeo tinha mais de 55 mil visualizações até a publicação deste texto e seu conteúdo foi amplamente compartilhado nas redes sociais.
O empresário norte-americano Mike Coudrey é dono da empresa de comunicação digital Yuko Social, que ele define como "um time de milennials especialistas em redes sociais prontos a te ajudar com suas necessidades".
Postagens acusam diretamente o médico Marcus Vinícius Guimarães Lacerda, da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, de Manaus, e especialista em Saúde Pública da Fiocruz-Amazonas, de ter matado intencionalmente pacientes com covid-19 com doses altas de cloroquina.
Algumas postagens também afirmavam que o pesquisador é militante petista e traziam uma imagem dele com apoio à candidatura de Fernando Haddad à presidência em 2018. Outras ainda traziam sua foto com uma indicação de apoio ao candidato derrotado Ciro Gomes. As publicações relacionavam sua suposta militância com a tentativa de tirar o mérito da cloroquina.
Marcus Lacerda confirmou que ambas as fotos são verídicas e que refletem seu posicionamento nas urnas em 2018. Ressaltou, porém, que não é militante petista e que não votou em Haddad no primeiro turno. O Comprova confirmou que ele não é filiado a nenhum partido político.
Por que checamos isto?
Embora não existam ainda evidências conclusivas sobre a eficácia da cloroquina na cura da covid-19, alguns trabalhos indicam que o medicamento pode aliviar quadros graves da doença. A partir do momento que esses estudos começaram a vir a público - com destaque para estudo do francês Didier Raoult, que chamou a atenção de lideranças globais, como o presidente norte-americano Donald Trump - a cloroquina passou a ser usada em debates polarizados.
O microbiologista francês Didier Raoul publicou um estudo segundo o qual a cloroquina teria curado 75% dos pacientes em 6 dias. No entanto, Raoul excluiu dos resultados finais 6 dos 26 pacientes testados porque não completaram o tratamento. Desses, um morreu, 3 foram parar na UTI, outro desistiu por sentir náuseas e o último decidiu deixar o hospital. O estudo de Didier também é alvo de críticas por ter avaliado um número pequeno de pessoas.
No Brasil, a discussão se intensificou no início de março, depois que o presidente Jair Bolsonaro começou a defender o uso da cloroquina para o tratamento da doença. Porém, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, apresentou resistência na recomendação do medicamento uma vez que a OMS (Organização Mundial da Saúde) informa que ainda não há cura ou remédio para a covid-19.
O mal estar gerado pela divergência entre Bolsonaro e Mandetta culminou na demissão do ministro e serviu para aflorar debates na internet sobre a cloroquina. Esses debates ganharam mais tração nas redes sociais quando a pesquisa brasileira foi divulgada pela imprensa e, sobretudo, quando começaram a circular imagens de um dos pesquisadores relacionando-o à candidatura de Fernando Haddad, adversário de Jair Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial de 2018.
O Comprova entendeu que pela gravidade das acusações e pelo alcance das postagens deveria investigar esses conteúdos.
Enganoso para o Comprova é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro com o propósito de mudar o seu significado.
Como verificamos?
O Comprova recebeu pelo site a sugestão de verificação sobre o vídeo do canal Papo Conservador publicado no YouTube. O vídeo reproduz alguns comentários de Twitter do perfil @pauloeneas que, por sua vez, citam o norte-americano Mike Coudrey como fonte.
Ao procurar o nome de Coudrey na rede social, identificamos o seu perfil de usuário. Ele tomou conhecimento da pesquisa de Manaus por meio de uma reportagem do jornal The New York Times que comentava a suspensão da pesquisa. Coudrey, então, teceu críticas ao estudo que, por sua vez, foram reproduzidas por perfis brasileiros nas redes sociais.
Fazendo uma busca por essas publicações, identificamos o nome da pesquisa e também o seu pesquisador principal, Marcus Vinícius Guimarães Lacerda. Ele era alvo de muitos ataques das publicações.
Ao buscar o título do artigo foi possível conferir que o estudo estava de fato publicado na plataforma MedRxiv. Com o estudo em mãos, pudemos analisar o seu conteúdo e a forma como a pesquisa foi conduzida. Procuramos a presença de aspectos formais de legitimação do estudo, como número de aprovação pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (Conep).
No estudo encontramos os contatos de Marcus Lacerda e mandamos mensagem por e-mail. Fizemos contato em duas ocasiões e tivemos resposta por e-mail. Marcus Lacerda explicou algumas decisões que sua equipe fez para conduzir o estudo e também negou militância política. Checamos suas informações na plataforma cruza.dados.org.
Por fim, entrevistamos dois médicos infectologistas que comentaram os aspectos técnicos da pesquisa. Também procuramos as notas técnicas do Ministério da Saúde sobre a aplicação de cloroquina no tratamento da covid-19.
Você pode refazer o caminho da verificação acessando os links para sites e documentos.
Que resultados a pesquisa pretendia encontrar?
A pesquisa "Cloroquina em Duas Dosagens Diferentes como Terapia Adjuvante de Hospitalizados com Síndrome Respiratória Grave no Contexto de Coronavírus" foi aprovada no dia 20 de março pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) e começou no dia 23. O órgão é ligado ao governo federal e responsável pela regulamentação ética de protocolos de pesquisas envolvendo seres humanos no país.
A pesquisa foi estruturada como um estudo de fase II. Isso quer dizer que o foco são diferentes dosagens e a segurança dos pacientes. De 81 pacientes infectados, 11 morreram enquanto eram monitorados pela equipe de Lacerda. Sete deles foram submetidos às dosagens mais altas de cloroquina.
Além de a metodologia do estudo ter passado pelo crivo do Conep, a Fundação de Medicina Tropical conduziu as pesquisas. Ela é um centro de referência mundial para o tratamento de enfermidades tropicais, explica Jaime Rocha, médico responsável pela Unimed Laboratório, diretor de Prevenção e Promoção à Saúde da Unimed Curitiba e vice-presidente da Sociedade Paranaense de Infectologia.
"Eles sabem usar cloroquina em função da malária, doença comum na região amazônica. Por essa experiência, ninguém melhor do que eles para tentar responder se a cloroquina é eficiente no caso da covid-19", disse. No Brasil, o medicamento tem autorização da Anvisa para ser usado no tratamento da malária e de lúpus.
Inicialmente, o estudo previa a inclusão de 440 pacientes hospitalizados já em estado grave, no Hospital Delphina Aziz, referência para covid-19 no estado do Amazonas. O Governo do Estado do Amazonas, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) são os patrocinadores oficiais do estudo.
Rocha explica ainda que para colocar em prática um estudo como esse, o comitê de ética avalia se a pesquisa traz uma resposta cientificamente válida para a sociedade e se deve prosseguir. "Essa decisão é tomada em conjunto por cientistas familiarizados com o tema e também por pessoas que não são especialistas, para 'verem com outros olhos', e enxergar se há questões religiosas, raciais ou outro tipo de interesse escuso", disse.
Como foi realizado o estudo
O levantamento reuniu 70 profissionais, entre pesquisadores, estudantes de pós-graduação e colaboradores de instituições com tradição em pesquisa, como Fiocruz, Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, Universidade do Estado do Amazonas e Universidade de São Paulo.
No Twitter, o empresário Mike Coudrey ainda havia acusado a pesquisa de usar o difosfato de cloroquina, medicamento supostamente menos seguro que a hidroxicloroquina. Mas Lacerda rebate esse argumento: "No curto prazo, não há qualquer diferença de toxicidade entre as duas apresentações da medicação (hidroxicloroquina e difosfato de cloroquina). A toxicidade da forma difosfato de cloroquina só é maior por períodos prolongados de uso, como em lúpus e artrite reumatoide."
O Ministério da Saúde considera seguro o uso tanto do difosfato de cloroquina quanto de hidroxicloroquina, desde que sejam respeitadas regras restritas e uma janela terapêutica.
1º grupo de pacientes - 40 pessoas
Receberam 450 mg diárias ao longo de cinco dias, sendo que no primeiro dia a medicação foi administrada duas vezes, totalizando 2,7 g. Esta é a dose que o Ministério da Saúde, junto à Secretaria de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCETIE), indicou para o tratamento de pacientes com quadro clínico grave. A cloroquina deve ser aplicada como terapia paralela ao tratamento e não deve ter outras terapias preteridas a seu favor.
2º grupo de pacientes - 41 pessoas
Foram medicados com a maior dose de cloroquina. Eles receberam 600 mg do medicamento duas vezes ao dia durante dez dias (num total de 12g ao longo de todo o tratamento).
Sobre a escolha da maior dosagem, os pesquisadores informaram os seguintes motivos:
- Doses mais altas têm maior atividade antiviral in vitro, ou seja, em laboratório, realmente mais altas do que a dose usada para malária, por exemplo;
- É a mesma dose, por peso dos pacientes, usada na China, e que consta atualmente no Consenso Chinês de Tratamento de covid-19;
- Uso em pacientes com choque, ou seja, com baixa perfusão intestinal, e que, portanto, absorvem menos a medicação, que só tem apresentação em comprimidos;
- Em uma doença que se revelou, no mundo ocidental, muito letal, o risco de benefício da eficácia x de efeitos colaterais, de diferentes doses, precisava ser avaliado e conhecido dentro de parâmetros científicos;
- Boa segurança dessa mesma dose alta em pacientes com câncer, em vários estudos publicados, que usaram por períodos ainda mais longos, de 28 dias.
O Consenso Chinês de Tratamento a que se refere Lacerda foi publicado em estudo por especialistas chineses do Departamento de Ciência e Tecnologia e da Comissão de Saúde da Província de Guangdong. Eles recomendaram a aplicação de 500 mg de cloroquina duas vezes ao dia, por 10 dias, em casos leves, moderados e graves de covid-19.
A equipe liderada por Lacerda aplicou 200 mg a mais por dia do que o indicado pelo Consenso Chinês de Tratamento. Ao Comprova, Lacerda justificou: "A nossa [dosagem] foi ainda maior, porque tínhamos pacientes mais obesos e sabemos que a droga só mata o vírus em doses muito altas."
Os dados da mortalidade no grupo da maior dosagem foram analisados no 6º dia. Após identificar um risco maior para a saúde dos participantes, esse braço da pesquisa foi cancelado. Todos os participantes passaram a utilizar a menor dosagem. "A primeira conclusão do estudo, portanto, foi que pacientes graves com covid-19 não deveriam mais usar a dose recomendada no Consenso Chinês de Tratamento, fato que até o momento não se tinha qualquer evidência, uma vez que nenhum estudo realizou adequadamente a avaliação de segurança", esclareceu Lacerda.
"A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) foi comunicada oficialmente do acontecido [da interrupção da aplicação da maior dosagem por conta da toxicidade] no dia 11 de abril, por meio da Plataforma Brasil, e os dados, para maior transparência e visibilidade internacional, foram divulgados no site MedRxiv.
A intenção foi advertir demais pesquisadores do mundo sobre a toxicidade de uma dose alta, que apesar de teoricamente parecer mais eficaz, estava causando mais danos do que benefícios, disse Lacerda.
Sobre o site estrangeiro medRxiv, o médico Jaime Rocha, responsável pela Unimed Laboratório, lembra que é uma plataforma dedicada a divulgar trabalhos incompletos ou que ainda aguardam revisões. "A plataforma destaca em sua página inicial, inclusive, que não recomenda o uso dos estudos ali, pois são análises preliminares", explica o infectologista.
Vale ressaltar que, para serem publicados nessa plataforma, todos os manuscritos passam por um processo de triagem de conteúdo ofensivo e/ou não científico e de material que possa representar um risco à saúde. Os textos também são verificados quanto ao plágio.
O estudo de Lacerda não permite concluir se a cloroquina em doses baixas funciona ou não para o tratamento da covid-19, pois não tem o grupo de controle, isto é, o grupo que não recebeu o medicamento e serviria como parâmetro para comparar os resultados no grupo submetido à droga.
Eficácia da cloroquina
Normalmente usada no tratamento de doenças como malária, artrite e lúpus, a cloroquina passou a ganhar evidência após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, dizer em 19 de março que o medicamento era um "agente de mudança de jogo".
Dois dias depois, o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, anunciou o aumento da produção da droga no país. Esse posicionamento acabou virando um dos pontos de desentendimento entre Bolsonaro e o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não recomendava o uso indiscriminado do medicamento.
O Ministério da Saúde passou a oferecer, em 27 de março, cloroquina a médicos da rede pública que queiram usar no tratamento de casos graves de covid-19 como terapia auxiliar.
No documento, o ministério destaca que não existem terapias farmacológicas e imunobiológicas específicas para a covid-19, mas considera publicações científicas que apontam possível capacidade de inibição da reprodução viral do novo coronavírus. A pasta ainda lembra que há dezenas de outros estudos clínicos nacionais e internacionais em andamento, avaliando a eficácia e a segurança dos medicamentos. "Portanto, essa medida poderá ser modificada a qualquer momento, a depender de novas evidências científicas", afirma a Nota Informativa.
Enquanto isso, a cloroquina segue sendo objeto de estudos pelo mundo, mas nenhum deles provou até agora a sua eficácia no tratamento da covid-19.
Viralização
Desde a sua publicação, em 15 de abril, até o dia 23, o vídeo de Gustavo Gayer no canal Papo Conservador já teve 55.951 visualizações. As acusações contra o médico Marcus Lacerda tiveram maior divulgação, sendo que uma delas, compartilhada pelo site Gazeta Brasil, teve 760,9 mil visualizações em menos de 24 horas.
Versão em espanhol
Texto traduzido pelo LatamChequea, grupo colaborativo que reúne dezenas de fact-checkers da América Latina no combate à desinformação relacionada ao novo coronavírus.
Un estudio brasilero no usó dosis letales para matar pacientes y atacar la cloroquina
Esta verificación fue realizada por la coalición de Comprova. Lea más aquí.
Es falso que un grupo de investigadores brasileños haya aplicado una dosis letal de cloroquina en pacientes con Covid-19 para causar mala impresión respecto del medicamento en el tratamiento contra la enfermedad causada por el nuevo coronavirus.
Esa afirmación fue realizada por el empresario norteamericano Mike Coudrey en su página de Twitter el 14 de abril y fue reproducida un día después por el canal Papo Conservador con Gustavo Gayer, en Youtube. El video tenía más de 55.000 visualizaciones hasta la publicación de este texto y su contenido fue ampliamente compartido en las redes sociales.
El empresario norteamericano Mike Coudrey es dueño de la empresa de comunicación digital Yuko Social, que él define como "un equipo de milennials especialistas en redes sociales listos para ayudarte en lo que necesites".
Los posteos acusan directamente al médico Marcus Vinícius Guimarães Lacerda, de la Fundación de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, de Manaos, y especialista en Salud Pública de Fiocruz-Amazonas, de haber matado intencionalmente a pacientes con Covid-19 con dosis altas de cloroquina.
Algunos posteos también afirmaban que el investigador es militante del PT (Partido de los Trabajadores) e incluían una imagen de él apoyando la candidatura de Fernando Haddad a la presidencia en 2018. Otros posteos incluían su foto con una recomendación de apoyo al candidato derrotado Ciro Gomes. Las publicaciones relacionaban su supuesta militancia con el intento de quitarle mérito a la cloroquina.
Marcus Lacerda confirmó que ambas fotos son verídicas y que reflejan su posición en las urnas en 2018. Pero destacó que no es militante del PT y que no votó a Haddad en la primera vuelta. Comprova confirmó que no está afiliado a ningún partido político.
¿Por qué verificamos esto?
Si bien no existen todavía evidencias conclusivas sobre la eficacia de la cloroquina en la cura de la Covid-19, algunos trabajos indican que el medicamento puede aliviar cuadros graves de la enfermedad. A partir del momento en que esos estudios comenzaron a llegar al público, en especial el estudio del francés Didier Raoult, que llamó la atención de los líderes globales como el presidente norteamericano Donald Trump, la cloroquina pasó a usarse en debates polarizados.
El microbiólogo francés Didier Raoult publicó un estudio según el cual la cloroquina habría curado al 75% de los pacientes en 6 días. Sin embargo, Raoult excluyó de los resultados finales a 6 de los 26 pacientes testeados porque no completaron el tratamiento. De esos pacientes, uno murió, 3 fueron a terapia intensiva, otro desistió porque sentía náuseas y el último decidió dejar el hospital. El estudio de Didier también es blanco de críticas por haber evaluado a un número pequeño de personas.
En Brasil, la discusión se intensificó a principios de marzo, después de que el presidente Jair Bolsonaro empezara a defender el uso de la cloroquina para el tratamiento de la enfermedad. El entonces ministro de Salud, Luiz Henrique Mandetta, se resistió a recomendar ese medicamento ya que la OMS (Organización Mundial de la Salud) afirma que todavía no hay cura o remedio para la Covid-19.
El malestar generado por la divergencia entre Bolsonaro y Mandetta culminó en la renuncia del ministro y sirvió para que surgieran debates en internet sobre la cloroquina. Esos debates obtuvieron más seguidores en las redes sociales cuando la prensa difundió el estudio brasileño y, sobre todo, cuando empezaron a circular imágenes de uno de los investigadores relacionándolo con la candidatura de Fernando Haddad, adversario de Jair Bolsonaro en la segunda vuelta de la elección presidencial de 2018.
Comprova entendió que por la gravedad de las acusaciones y por el alcance de los posteos debería investigar esos contenidos.
Engañoso para Comprova es el contenido retirado del contexto original y usado en otro contexto con el propósito de cambiar su significado.
Comprova recibió en su sitio web la sugerencia de verificación sobre el video del canal Papo Conservador publicado en YouTube. El video reproduce algunos comentarios de Twitter del perfil @pauloeneas que, a su vez, citan al norteamericano Mike Coudrey como fuente.
Al buscar el nombre de Coudrey en la red social, identificamos su perfil de usuario. Coudrey tomó conocimiento del estudio de Manaos por medio de un artículo del diario The New York Times que comentaba la interrupción de la investigación. En su momento, presentó críticas al estudio que, a su vez, fueron reproducidas por perfiles brasileños en las redes sociales.
Haciendo una búsqueda de esas publicaciones, identificamos el nombre del estudio y también el de su investigador principal, Marcus Vinícius Guimarães Lacerda, que fue blanco de muchos ataques en las publicaciones.
Al buscar el título del artículo fue posible verificar que el estudio había sido realmente publicado en la plataforma MedRxiv. Con el estudio en mano, pudimos analizar su contenido y la forma como había sido conducida la investigación. Buscamos la presencia de aspectos formales de legitimación del estudio, como el número de aprobación por parte del Consejo Nacional de Ética en Investigación (Conep).
En el estudio encontramos la forma de contacto con Marcus Lacerda y le mandamos un mensaje por e-mail. Entramos en contacto con él en dos ocasiones y tuvimos respuesta por e-mail. Marcus Lacerda explicó algunas decisiones que su equipo tomó para conducir el estudio y también negó tener militancia política. Chequeamos su información en la plataforma cruza.dados.org.
Finalmente, entrevistamos a dos médicos infectólogos que comentaron los aspectos técnicos de la investigación. También buscamos las notas técnicas del Ministerio de Salud sobre la aplicación de cloroquina en el tratamiento de la Covid-19.
Se puede rehacer el recorrido de la verificación por medio de los links a los sitios web y a los documentos.
¿Qué resultados pretendía encontrar la investigación?
El estudio "Cloroquina en Dos Dosis Diferentes como Terapia Adyuvante de Internados con Síndrome Respiratorio Grave en el Contexto de Coronavirus" fue
[aprobada el 20 de marzo por la Comisión Nacional de Ética en Investigación (CONEP)]
y empezó el día 23. El organismo está ligado al gobierno federal y es responsable de la reglamentación ética de protocolos de investigaciones en seres humanos en el país.
La investigación fue estructurada como un estudio de fase II. Eso significa que el foco son las diferentes dosis y la seguridad de los pacientes. De 81 pacientes infectados, 11 murieron mientras eran monitoreados por el equipo de Lacerda. Siete de ellos fueron sometidos a dosis más altas de cloroquina.
Además de que la metodología del estudio pasó por el filtro del Conep, la Fundación de Medicina Tropical condujo las investigaciones. Se trata de un centro de referencia mundial para el tratamiento de enfermedades tropicales, explica Jaime Rocha, médico responsable de Unimed Laboratório, director de Prevención y Promoción de la Salud de Unimed Curitiba y vicepresidente de la Sociedad Paranaense de Infectología.
"Saben usar la cloroquina en función de la malaria, enfermedad común en la región amazónica. Por esa experiencia, nadie mejor que ellos para intentar responder si la cloroquina es eficiente en el caso de la Covid-19", dijo. En Brasil, el medicamento tiene la autorización de Anvisa para su uso en el tratamiento de la malaria y del lupus.
Inicialmente, el estudio preveía la inclusión de 440 pacientes hospitalizados ya en estado grave, en el Hospital Delphina Aziz, de referencia para Covid-19 en el estado de Amazonas. El Gobierno del Estado de Amazonas, la Coordinación de Perfeccionamiento de Personal de Nivel Superior (Capes) y la Fundación de Amparo a la Investigación del Estado de Amazonas (Fapeam) son los patrocinadores oficiales del estudio.
Rocha explica también que para poner en práctica un estudio como ese, el comité de ética evalúa si el estudio aporta una respuesta científicamente válida para la sociedad y si debe proseguir. "Esa decisión es tomada en conjunto por científicos familiarizados con el tema y también por personas que no son especialistas, para 'ver con otros ojos', y observar si hay cuestiones religiosas, raciales u otro tipo de interés escondido", dijo.
¿Cómo se realizó el estudio?
El relevamiento reunió a 70 profesionales, entre investigadores, estudiantes de posgrado y colaboradores de instituciones con tradición en investigación, como Fiocruz, Fundación de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado, Universidad del Estado de Amazonas y la Universidad de San Pablo.
En Twitter, el empresario Mike Coudrey también había acusado a la investigación de usar el difosfato de cloroquina, medicamento supuestamente menos seguro que la hidroxicloroquina. Pero Lacerda rebate ese argumento: "En el corto plazo, no hay ninguna diferencia de toxicidad entre las dos presentaciones de la medicación (hidroxicloroquina y difosfato de cloroquina). La toxicidad de la forma difosfato de cloroquina solo es mayor por períodos prolongados de uso, como en el lupus y en la artritis reumatoide."
El Ministerio de Salud
[considera seguro el uso tanto de difosfato de cloroquina como de hidroxicloroquina]
, siempre que se respeten las reglas estrictas y una ventana terapéutica.
1er grupo de pacientes: 40 personas
Recibieron 450 mg diarios durante cinco días. El primer día, la medicación fue administrada dos veces, sumando 2,7 g. Esta es la dosis que el Ministerio de Salud, junto con la Secretaría de Ciencia y Tecnología e Insumos Estratégicos (SCETIE), recomendó para el tratamiento de pacientes con un cuadro clínico grave. La cloroquina debe aplicarse como terapia paralela al tratamiento y no en lugar de otras terapias.
2do grupo de pacientes: 41 personas
Se les administró la dosis más alta de cloroquina. Recibieron 600 mg del medicamento dos veces por día durante diez días (un total de 12g a lo largo de todo el tratamiento).
Sobre la elección de la dosis más alta, los investigadores informaron las siguientes razones:
- Las dosis más altas tienen mayor actividad antiviral in vitro, o sea, en laboratorio, realmente más altas que la dosis usada para malaria, por ejemplo;
- Es la misma dosis, por peso de los pacientes, que se usa en China y que consta actualmente en el Consenso Chino de Tratamiento de Covid-19;
- Uso en pacientes en shock, es decir, con baja perfusión intestinal, y que, por lo tanto, absorben menos la medicación, que sólo tiene presentación en comprimidos;
- En una enfermedad que se reveló en el mundo occidental, como siendo muy letal, el riesgo de beneficio de la eficacia x de efectos colaterales de diferentes dosis, debía ser evaluado y conocido dentro de parámetros científicos;
- Buena seguridad de esa misma dosis alta en pacientes con cáncer, en varios estudios publicados, que la usaron durante períodos aún más prolongados, de 28 días.
El Consenso Chino de Tratamiento al que se refiere Lacerda fue publicado en un estudio por especialistas chinos del Departamento de Ciencia y Tecnología y de la Comisión de Salud de la Provincia de Guangdong. Ellos recomendaron la aplicación de 500 mg de cloroquina dos veces por día, durante 10 días, en casos leves, moderados y graves de Covid-19.
El equipo liderado por Lacerda aplicó 200 mg más por día que lo indicado por el Consenso Chino de Tratamiento. Lacerda lo justificó así a Comprova: "La nuestra [dosis] fue aún mayor porque teníamos pacientes más obesos y sabemos que la droga solo mata el virus en dosis muy altas".
Los datos de la mortalidad en el grupo de mayor dosis se analizaron al sexto día. Al identificar un riesgo mayor para la salud de los participantes, se canceló esa rama de la investigación. Todos los participantes empezaron a utilizar la dosis más baja. "La primera conclusión del estudio, por lo tanto, fue que los pacientes graves con Covid-19 no deberían usar más la dosis recomendada en el Consenso Chino de Tratamiento, hecho que hasta este momento no se tenía ninguna evidencia, dado que ningún estudio realizó adecuadamente la evaluación de seguridad", aclaró Lacerda.
"La Comisión Nacional de Ética en Investigación (Conep) recibió la comunicación oficial de lo sucedido [de la interrupción de la aplicación de la dosis más alta debido a la toxicidad] el día 11 de abril, por medio de la Plataforma Brasil, y los datos, para mayor transparencia y visibilidad internacional, se publicaron en el sitio web MedRxiv.
La intención fue advertir a los investigadores del mundo sobre la toxicidad de una dosis alta, que a pesar de que teóricamente parecía ser más eficaz, estaba causando más daño que beneficios", dijo Lacerda.
Sobre el sitio web extranjero medRxiv, el médico Jaime Rocha, responsable de Unimed Laboratório, recuerda que es una plataforma dedicada a difundir trabajos incompletos o que todavía esperan a ser revisados. "La plataforma destaca en su página inicial, inclusive, que no recomienda el uso de los estudios que allí constan, pues son análisis preliminares", explica el infectólogo.
Hay que destacar que para que se publiquen en esa plataforma, todos los manuscritos pasan por un proceso de selección de contenido ofensivo y/o no científico y de material que pueda representar un riesgo a la salud. Los textos se verifican también en cuanto al plagio.
El estudio de Lacerda no permite concluir si la cloroquina en dosis bajas funciona o no para el tratamiento de la Covid-19, pues no tiene un grupo control, el grupo que no recibe el medicamento y serviría como parámetro para comparar los resultados con el grupo sometido a la droga.
Eficacia de la cloroquina
La cloroquina, normalmente usada en el tratamiento de enfermedades como malaria, artritis y lupus, empezó a ganar evidencia después que el presidente de los Estados Unidos, Donald Trump, dijo el 19 de marzo que ese medicamento era un "agente de cambio de juego".
Dos días después, el presidente de Brasil, Jair Bolsonaro, anunció el aumento de la producción de la droga en el país. Esa posición se convirtió en uno de los puntos de desentendimiento entre Bolsonaro y el ex ministro de Salud, Luiz Henrique Mandetta, que no recomendaba el uso indiscriminado del medicamento.
El 27 de marzo, el Ministerio de Salud empezó a ofrecer cloroquina a médicos de la red pública que quisieran usarlo en el tratamiento de casos graves de Covid-19 como terapia auxiliar.
En el documento, el ministerio destaca que no existen terapias farmacológicas e inmunobiológicas específicas para la Covid-19, pero considera las publicaciones científicas que señalan la posible capacidad de inhibición de la reproducción viral del nuevo coronavirus. El ministerio también recuerda que hay decenas de otros estudios clínicos nacionales e internacionales en marcha, evaluando la eficacia y la seguridad de los medicamentos. "Por lo tanto, esa medida podrá ser modificada en cualquier momento, dependiendo de las nuevas evidencias científicas", afirma la Nota Informativa.
Mientras tanto, la cloroquina sigue siendo objeto de estudios por el mundo, pero ninguno probó hasta ahora su eficacia en el tratamiento de la Covid-19.
Viralización
Desde su publicación, el día 15 de abril, hasta el día 23, el video de Gustavo Gayer en el canal Papo Conservador tuvo 55.951 visualizaciones. Las acusaciones contra el médico Marcus Lacerda tuvieron mayor divulgación, siendo que una de ellas, compartida por el sitio web Gazeta Brasil, tuvo 760.900 visualizaciones en menos de 24 horas.
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