O que estão compartilhando: vídeo em que o deputado federal Marcel Van Hattem (Novo-RS) critica o Projeto de Lei 8889/2017, o chamado PL do Streaming. Ele diz que se trata de “um projeto de lei da TV Globo para taxar quem usa rede social” e que a proposta estabelece “imposto pra quem usa o Instagram, o Face, o X, o YouTube”. Segundo o parlamentar, o “dinheiro desse imposto vai para financiar ainda pautas da esquerda do PT na área da cultura”.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. O texto do projeto não estabelece um imposto para os usuários de redes sociais, mas sim para plataformas de streaming. Algumas redes sociais se enquadram no escopo do projeto, mas o X (antigo Twitter) e demais plataformas que não têm o vídeo como principal forma de conteúdo não são enquadradas pela proposta.
Procurado, Van Hattem disse que a taxação resultará em custos adicionais que serão repassados aos consumidores. “Alegar que os usuários não serão taxados ignora a realidade de que as empresas ajustarão seus modelos de negócio para mitigar o impacto financeiro, resultando em aumento de preços ou redução da oferta de conteúdo gratuito”, disse.
Saiba mais: Publicado em 14 de maio, o vídeo de Van Hattem acumulou em dez dias cerca de 2,7 milhões de visualizações. No mesmo dia da publicação do vídeo, o relator do projeto, André Figueiredo (PDT-CE), solicitou a retirada do projeto da pauta, devido à falta de consenso entre os parlamentares sobre a proposta. “É legítimo ser contra um projeto quando não se tem conhecimento do verdadeiro conteúdo”, declarou na tribuna da Câmara (assista a fala a partir de 6h14min50s).
A autoria do projeto de lei é de Paulo Teixeira (PT-SP). A proposta quer regulamentar plataformas e serviços que permitem às pessoas consumirem séries, filmes e vídeos pela internet, o chamado conteúdo audiovisual por demanda (CAvD). Netflix, Amazon Prime Video, Globoplay, YouTube e TikTok são algumas das empresas que trabalham com CAvD e que seriam atingidas pela lei.
O PL quer que as empresas de streaming paguem a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), criada em 2001 e é cobrada da veiculação de obras audiovisuais. Emissoras de TV por assinatura já pagam a taxa. O dinheiro recolhido vai para o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), que financia ações de fomento ao setor.
Na avaliação da pesquisadora Bia Barbosa, coordenadora do Direito à Comunicação e Democracia (DiraCom) e conselheira do Comitê Gestor da Internet no Brasil, existe má-fé por parte de alguns políticos que distorcem o teor do projeto do streaming, fazendo uma confusão proposital entre ele e o PL 2630, de regulação das redes sociais, cuja semelhança, segundo ela, é inexistente. Ela afirma que eles estão aproveitando a ocasião “para reforçar o discurso contra a regulação de plataformas, que interessa muito a atores que fazem uso político das redes ultrapassando muitas vezes os termos de uso e até incorrendo em violações de direitos”.
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O projeto tem objetivo de taxar usuários de redes sociais?
O texto do projeto não menciona taxação a usuários de redes sociais. O relator do projeto, André Figueiredo, afirmou ao Verifica que não há nenhum imposto para os usuários das redes sociais. “O YouTube, como um serviço de streaming será, sim, atingido por uma pequena taxa de Condecine e poderá inclusive abater valores repassados para criadores de conteúdos, como os influenciadores”, afirmou.
Na última versão apresentada pelo relator, está escrito que a Condecine incide sobre “a prestação de serviços de vídeo sob demanda, de televisão por aplicação de internet e de compartilhamento de conteúdos audiovisuais, inclusive quando remunerados por meio de publicidade, ainda que ofertados gratuitamente aos usuários.”
Também estão sujeitos ao imposto “provedores de vídeo sob demanda, provedores de televisão por aplicação de internet e plataformas de compartilhamento de conteúdos audiovisuais, inclusive quando remunerados por meio de publicidade”.
Apesar de o projeto não estabelecer uma taxação direta ao consumidor, provedores de streaming argumentam que as empresas podem acabar repassando os custos extras aos usuários. A Câmara Brasileira da Economia Digital, que tem entre suas associadas Amazon, Kwai e Tiktok, declarou que “a ampla adoção de conceitos genéricos (no PL) pode ameaçar os serviços gratuitos com conteúdo gerado por usuários”.
“A proposta, embora inicialmente pensada para serviços de streaming, está tributando conteúdos compartilhados por todos os usuários, causando impactos negativos ao modelo gratuito de plataformas da internet, à publicidade digital feita por pequenos anunciantes e à remuneração de criadores”, afirmou a entidade em nota.
É o mesmo que argumentou Van Hattem, em resposta ao Verifica. “A aplicação do PL a essas plataformas (de redes sociais), que não operam com conteúdo profissional de longa duração ou curadoria de catálogo como as tradicionais produtoras audiovisuais, pode resultar em custos adicionais que inevitavelmente serão repassados aos usuários ou criadores de conteúdo”, afirmou.
Essa questão não é consensual. Em carta endereçada à Câmara dos Deputados no dia 17 de maio e assinada por mais de uma centena de entidades da indústria cinematográfica brasileira independente, representantes do audiovisual argumentaram que “nos países em que já há regulação, não foi constatado aumento de preços com as novas leis. Os preços subiram nos últimos anos devido a fatores internos das plataformas, mesmo sem regulação no Brasil”.
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O que a TV Globo tem a ver com o PL do streaming?
O projeto determina a adoção de cotas para conteúdos nacionais em plataformas de streaming. A cota começa em 2% e deve chegar a 10%. Os serviços que tem mais de 50% do catálogo com obras nacionais produzidas nos últimos 10 anos são classificados como “provedores plenos”. Esses provedores pagam taxa menor e podem até zerá-la se optarem por usarem os valores devidos em investimentos no audiovisual nacional. Globoplay e Playplus, os serviços de streaming da Globo e da Record, respectivamente, se enquadram nessa categoria.
É por isso que no vídeo Van Hattem diz que o projeto é da TV Globo -- apesar de a emissora negar ter qualquer participação ou envolvimento com o projeto. Procurado pelo Verifica, o deputado afirmou que “é evidente que a emissora é uma das principais interessadas na regulação dos serviços de streaming no Brasil há mais de cinco anos”. Ele disse ainda que “o diretor de Relações Institucionais e Regulação do Grupo Globo, Marcelo Bechara, tem se manifestado repetidamente sobre o impacto dessa regulação em diversas audiências públicas e entrevistas”.
De acordo com o texto do projeto, empresas estrangeiras podem zerar a contribuição para a Condecine caso se tornem “provedores plenos”. Defensores do projeto argumentam que a ideia não é criar um protecionismo para as empresas nacionais, mas sim fazer com que mais empresas, sejam elas estrangeiras ou brasileiras, invistam na indústria audiovisual local.
O projeto financia pautas de esquerda e do PT?
O que o projeto de lei diz, no artigo 14, é que o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) deve observar parâmetros de “políticas afirmativas e de reparação histórica a pessoas e grupos sociais que requeiram reconhecimento e proteção de seus direitos sociais e culturais, como os relativos ao gênero, etnia e orientação sexual”.
Na avaliação de Van Hattem, o artigo em questão favorece pautas ideológicas de esquerda. Ele menciona como exemplo o trecho que determina que 10% dos impostos recolhidos sejam destinados a produtoras com equipes majoritariamente compostas por grupos incentivados (minoritários). “Essa alocação forçada de recursos compromete a liberdade de mercado ao impor critérios ideológicos na distribuição de recursos e na produção de conteúdos, limitando a livre concorrência e a diversidade real de ofertas”, argumentou.
Representantes da indústria argumentam que é mentira que o PL vai obrigar as plataformas a exibirem conteúdo “esquerdista”. Eles afirmam que o artigo 9, que prevê a cota de conteúdo nacional, tem o objetivo de criar emprego e renda no Brasil e propriedade intelectual para empresas daqui. Os conteúdos brasileiros serão escolhidos pelas próprias plataformas, de acordo com cada perfil. “Até metade disso, pode ser feito através de licenças adquiridas diretamente com as produtoras independentes e nem precisaria passar por editais”, afirmaram entidades do audiovisual independente.
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) -- que tem entre as suas associadas a Globo, dona da Globoplay -- e a Ancine foram procuradas mas não responderam ao contato do Verifica.
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