A Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 10, o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária. Entre as propostas está uma relacionada aos planos de saúde, que causou debate nas redes sociais. O deputado Gustavo Gayer (PL) publicou um vídeo afirmando que se o texto for aprovado, os usuários de planos de saúde teriam um aumento de 30% nas parcelas mensais do serviço. No entanto, especialistas ouvidos pelo Estadão Verifica afirmam que ainda não é possível saber se a proposta vai encarecer o setor.
Segundo professoras em Direito Tributário consultadas pela reportagem, se as mudanças previstas no projeto da reforma forem aprovadas da maneira que o texto foi apresentado, a tendência é que não haja aumento de valor. O Verifica também consultou entidades que representam operadoras de plano de saúde, que viram a proposta de reforma como positiva. O texto da reforma tributária segue para apreciação no Senado.
Procurado, Gayer não respondeu.
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Entenda os termos
- Alíquota: é o valor utilizado para calcular o preço de um determinado tributo a ser pago por uma empresa;
- CBS: sigla para ‘Contribuição Sobre Bens e Serviços
- Cofins: sigla para Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
- IBS: sigla para Imposto Sobre Bens e Serviços
- ISS: sigla para Imposto Sobre Serviços
- PIS: É o Programa de Integração Social
O Estadão preparou um glossário com as principais siglas e termos relativos à reforma tributária. Confira aqui.
O que muda para os planos de saúde?
O novo texto propõe que as empresas que pagam planos de saúde para seus funcionários possam receber créditos que podem ser usados para diminuir o quanto elas devem em outros impostos. Essa tática será possível por meio de dois novos impostos, o IBS e o CBS, que foram criados para simplificar e juntar cinco impostos que já existiam. O IBS vai reunir impostos cobrados por Estados e municípios, enquanto o CBS vai reunir impostos federais.
Os planos terão a alíquota reduzida em 60% no valor desses impostos estaduais e federais. Se a nova alíquota estabelecida for de 26,5%, como espera o governo, a tributação dos planos deve chegar a 10,6%. Isso quer dizer que 10,6% de receita desses planos será recolhido pelo governo como imposto.
Atualmente, a carga tributária desse setor é de 6,65% a 9,65%. Para a professora de Direito Bianca Xavier, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, mesmo que a alíquota da reforma tributária pareça maior, o fato das empresas poderem abater parte do que pagam por meio de créditos pode reduzir a carga tributária que é paga atualmente.
“Os planos de saúde hoje possuem uma tributação de 4,65% de PIS e Cofins e de 2% a 5% de ISS, dependendo do município. Com a reforma, a alíquota passa a ser de 10,6%, com direito a créditos, ou seja, há uma tendência à redução de carga em comparação com a tributação atual“, respondeu ao Verifica.
O que dizem especialistas?
Especialistas ouvidos pelo Verifica, disseram que não é possível prever se a parcela do plano de saúde vai subir com o novo projeto de reforma. Para Xavier, se o projeto for aprovado sem alterações, a tendência é que não haja aumento. “O projeto será votado pelo Senado, assim, caso haja alteração, será preciso verificar novamente se haverá reais impactos ao setor. Caso seja aprovada a redação atual, a tendência é que não haja aumento de carga”, disse.
Priscilla Queiroga, mestre em direito tributário e professora seminarista do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) em Natal (RN), também não vê fundamentos para um aumento de 30% no preço dos segurados. “Esse regime especial de tributação vai ser aplicado aos planos de saúde, eles vão ter uma alíquota reduzida de toda forma. Então a alteração seria mínima ou ficaria estável. Isso se não diminuir. Diante da minha pesquisa, eu não vejo substrato para essa afirmação”, disse Priscilla.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast em maio, o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, rebateu as críticas de que o modelo de tributação dos planos de saúde apresentado poderia levar a um aumento de preço.
Como mostrou o Estadão, havia uma preocupação por parte do segmento pois inicialmente não estava previsto que empresas empregadoras poderiam receber créditos por pagamento de planos coletivos. Appy defendeu que ainda assim o custo dos serviços deveria cair, pois as empresas estariam beneficiadas pela possibilidade de recuperação de créditos.
“O plano vai recuperar créditos de todas as despesas administrativas dele. Hoje, não recupera nada, zero. Todo o gasto do plano de saúde com advogado, contador, aluguel, tudo isso vai dar crédito para ele, e hoje não dá. Então, é bem possível que o novo modelo resulte em uma tributação menor do que tem hoje dos planos de saúde”, argumentou.
Neste mês, o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) acrescentou no texto da Reforma a possibilidade dessas empresas obterem esses créditos tributários.
O que dizem as associações da área?
O Estadão Verifica questionou à Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) se a entidade vê alguma previsão de aumento nos planos de saúde com a proposta da reforma. Em resposta, a associação disse que “entende como positivo o avanço e a aprovação pela Câmara dos Deputados da proposta que regulamenta os novos tributos IBS e CBS”, informou.
“A partir da aprovação final do PLP, a Abramge reunirá seus Grupos de Trabalho para analisar e compreender como se dará a apuração do tributo, bem como seus benefícios para o crescimento econômico e das empresas brasileiras” , encerrou a nota.
Ao Estadão, a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas) e a Confederação Nacional de Seguradoras (CNSeg) avaliaram as propostas como positivas.
“Teremos um sistema tributário mais simples e transparente“, disse Dyogo Oliveira, presidente da CNSeg. “Nesse sentido, temos grande expectativa que esse novo modelo concorrerá para um crescimento ainda mais acelerado do nosso segmento, ampliando a parcela da população brasileira protegida pelos produtos oferecidos pelas seguradoras, entidades de previdência, operadoras de saúde suplementar e empresas de capitalização”.
“As autogestões são as operadoras de planos de saúde mais inclusivas, contando com mais de 30% de idosos entre seus beneficiários“, disse Anderson Mendes, presidente da Unidas. “Este tratamento diferenciado mostra equidade e a sensibilidade do legislador e do governo que propôs a reforma, reconhecendo a importância do setor de saúde e buscando aliviar ao máximo sua carga tributária. Uma carga excessiva resultaria na perda de beneficiários e, consequentemente, no aumento de pessoas dependentes do SUS”.
Outro lado
No vídeo analisado, Gayer afirma o seguinte: “Os deputados ali que se vendem já emitiram boleto e nós vamos aprovar essa semana a toque de caixa, um projeto que vai acabar com a vida de muitos brasileiros. (...) Você que paga plano de saúde vai ter um aumento de 30% na sua parcela, na sua mensalidade, então se você paga 500 reais de plano de saúde vai pagar 650. Isso vai fazer com que muitas pessoas deixem de ter plano de saúde e passem a usar o sistema público de saúde, o que já não consegue suportar a demanda vai piorar ainda mais”, alegou o deputado.
O Estadão Verifica entrou em contato com o deputado Gustavo Gayer para apresentar fontes ou argumento adicional sobre a alegação ‘de aumento de 30% nos planos de saúde com a reforma tributária’, mas não obteve retorno até a publicação desta checagem.
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