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Projeto que institui política de longo prazo é do governo Bolsonaro, não de Lula

Texto não altera mandato presidencial no Brasil e nem estende poder do PT por 36 anos

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Foto do author Luciana Marschall

É falso que o Projeto de Lei 1/2023, enviado ao Congresso Nacional em dezembro de 2022 pelo Poder Executivo, seja de autoria do atual Governo ou que tenha o objetivo de manter o Partido dos Trabalhadores (PT) no poder por 36 anos. O texto, na verdade, institui a Política Nacional de Longo Prazo e é assinado pelo senador Ciro Nogueira Lima Filho (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil na gestão anterior. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), inclusive, assina eletronicamente a Mensagem Nº 759, de 29 de dezembro de 2022, encaminhada junto ao projeto.

Leitores solicitaram esta checagem pelo número de WhatsApp do Estadão Verifica: (11) 97683-7490.

 Foto: Reprodução

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Em um vídeo inicialmente postado no Kwai, um homem diz que o projeto pretende aprovar “certas leis” com duração de 36 anos, ou seja, nove mandatos, e afirma que o responsável pelo texto é o PT. No Facebook, o conteúdo foi compartilhado com legenda questionando: “vamos aceitar o governo do L (inicial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva) por 36 anos?”. Já no WhatsApp, é dito que o PT protocolou projeto de lei autorizando o partido a permanecer no poder durante 36 anos consecutivos. Junto do texto é encaminhado o link para o projeto na Câmara dos Deputados.

Basta acessá-lo, no entanto, para se descobrir que o Projeto de Lei é de autoria do governo Bolsonaro e que o teor não não tem a ver com mudanças no tempo de mandato, o que só poderia ser feito por meio de emenda constitucional. Em outubro de 2022, antes da realização do segundo turno em que Lula foi eleito, a revista Piauí noticiou que Jair Bolsonaro e aliados militares vinham preparando o plano de longo prazo. A publicação chegou a divulgar uma versão mais extensa do projeto, anterior à versão enviada ao Congresso. Àquela altura, informava o veículo, uma minuta havia sido concluída em agosto e entregue em setembro para autoridades do governo.

Política Nacional de Longo Prazo

O texto do projeto nada tem a ver com mudanças nos mandatos políticos. O objetivo é estabelecer os Assuntos Estratégicos Nacionais (AEN), os Objetivos Nacionais de Longo Prazo (ONLP) e o marco inicial de vigência para a contagem de prazos relativos ao planejamento estratégico, visando um período de 36 anos. Caso aprovado da forma como está, a Política Nacional de Longo Prazo poderá ser revista a cada 12 anos.

Projeto é assinado por Ciro Nogueira, ex-ministro do Governo Bolsonaro  Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

As estratégias, segundo o projeto, deverão ser desenvolvidas a partir de cinco pilares: desenvolvimento social; desenvolvimento sustentável; desenvolvimento científico e tecnológico; infraestrutura e desenvolvimento regional; e soberania e modernização do Estado. Esses cinco pilares são desdobrados em 28 AEN e 71 ONLP que deverão orientar os planejamentos, projetos e ações de médio e curto prazo. O projeto ainda está em início de tramitação.

O professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Floriano de Azevedo Marques Neto analisa que a ideia de haver perenidade e proteção às políticas de longo prazo se situa dentro da lógica de planejamento que a Constituição determina. “Há um custo muito grande de se ter políticas públicas sendo alteradas radicalmente ou abandonadas periodicamente”, explicou. “De um lado, é necessário haver uma combinação entre alternância de poder, permitida pelo processo eleitoral, e do outro a permanência de políticas públicas, para terem seu tempo de maturação, ainda que elas possam ser alteradas com o tempo”.

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Mandatos só podem ser alterados por emenda constitucional

Em relação à afirmação de que o PT estaria tentando se manter no poder por pelo menos 36 anos, o professor explica ser praticamente impossível via Congresso Nacional aprovar uma medida neste sentido, caso ela fosse proposta. “Para mudar o mandato presidencial tem que ter emenda constitucional”, lembrou. “Uma coisa é alterar um mandato de quatro pra cinco anos, acabar com a reeleição, permitir uma reeleição, por exemplo. Outra é permitir um mandato de 36 anos. Isso sequer emenda constitucional possibilitaria, porque aboliria o regime de eleições e o regime democrático é cláusula pétrea”.

As cláusulas pétreas são aquelas que não podem ser objeto de Proposta de Emenda à Constituição (PEC), definidas no artigo 60 da Constituição Federal. Não é permitido propor mudanças que tendam a abolir a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais.

Em 1988, ao ser promulgada, a Constituição estabelecia um único mandato presidencial de cinco anos. Em 1994, o Congresso o reduziu para quatro anos. Em 1997, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, ocorreu a última modificação neste sentido, com a aprovação da Emenda Constitucional (EC) 16/1997, que permite a reeleição do presidente da República e de governadores e prefeitos para um mandato subsequente.

À época, relembra Marques Neto, o processo foi bastante conturbado e rendeu até um escândalo por suspeita de compra de votos. “Foi muito difícil, foi um custo político gritante, brutal”, recordou. “Agora, com a bancada governista mais volátil, menos densa que aquela que FHC tinha, eu diria que é virtualmente impossível e que a única emenda constitucional possível seria acabar a reeleição”.

Constituição não pode ser alterada por Projeto de Lei.  Foto: Dida Sampaio/Estadão

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A aprovação de uma emenda constitucional também não é das tarefas mais fáceis, conforme explica a professora de Direito Constitucional Carolina Cyrillo, da Faculdade Nacional de Direito (UFRJ), ao destacar que trata-se de uma prerrogativa exclusiva do Congresso Nacional. “O Poder Executivo até pode apresentar a emenda constitucional para mudar o tempo do mandato, mas a decisão de realizá-la é exclusivamente do Congresso Nacional, na forma do artigo 60 da Constituição. A decisão final é sempre do Congresso Nacional”, ressaltou.

Uma PEC deve ser discutida e votada em dois turnos, em cada casa do Congresso, e só é aprovada se obtiver na Câmara e no Senado três quintos dos votos. A professora destacou que, embora em termos jurídicos não haja problemas em o Poder Executivo apresentar um projeto que leve à modificação do tempo do mandato, em termos políticos há uma discussão sobre ser um ato apropriado ou não. “A limitação dos mandatos é uma cláusula republicana. Um poder ilimitado, onde há reeleição infinita, estaria de acordo com a cláusula republicana?”, questionou.

Ela observou, assim como Marques Neto, que a alternância no poder é uma das questões mais importantes da República e é discutível se uma emenda constitucional neste sentido esbarraria na cláusula pétrea implícita do sistema democrático. “Não é assim que vai acontecer. Depende de uma questão política muito séria e Congresso nenhum vai aprovar isso”, opinou.

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A reportagem procurou as assessorias de imprensa de Ciro Nogueira e da Casa Civil para comentarem o projeto encaminhado ao Congresso, mas não houve manifestação.Conteúdos semelhantes foram verificados e identificados como falsos por AFP Checamos e por Boatos.Org.

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