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Postagem que compara inflação na Venezuela e Argentina não leva em consideração histórico dos países

Apesar de índice venezuelano ter desacelerado em 2023, alta dos preços chegou a patamares muito maiores nos últimos anos

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Foto do author Giovana Frioli
Atualização:

O que estão compartilhando: publicação compara a inflação de alimentos entre a Argentina e a Venezuela. Em agosto de 2023, a inflação na Venezuela teria sido de 414%, enquanto neste ano o acumulado foi de 41,4%. Já a Argentina, teria registrado 117% de taxa em 2023 e saltou para 285% em um ano.

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O Estadão Verifica checou e concluiu que: falta contexto. Os dados citados pela publicação são referentes ao acumulado no mês de junho de 2023 e 2024, e não foram registrados em agosto. O conteúdo também não esclarece que, apesar de ambos os países serem impactados pela alta na inflação, que afeta o preço dos alimentos, há diferença de escala nos problemas econômicos entre os dois países citados na postagem.

A Venezuela viveu um ciclo de hiperinflação desde 2017 e se aproximou a uma taxa de quase 1.700.000% ao ano. O país conteve o salto nos preços em 2024, mas ainda vive uma crise humanitária com escassez de produtos. Por sua vez, a Argentina sofre com forte alta da inflação, que atingiu 263,4% em julho de 2024, causando um aumentou da pobreza.

Postagem que compara inflação na Venezuela e Argentina não leva em consideração histórico dos países Foto: Foto

Saiba mais: Uma postagem exibe dados sobre a inflação nos alimentos na Argentina e na Venezuela comparando a política dos dois países. O conteúdo, porém, está fora de contexto porque não esclarece que há diferenças nos históricos de alta nos preços entre as nações nos últimos anos, o que impacta a escala da crise econômica. Os dados exibidos no post analisado são próximos ao registrado pelos países, porém os números são do mês de julho, não de agosto.

Ciclo de hiperinflação na Venezuela

A Venezuela enfrentou desde 2017 uma hiperinflação que desvalorizou drasticamente a moeda local e causou uma crise econômica e humanitária. Segundo a Comissão de Finanças da Assembleia Nacional, o aumento nos preços bateu 1.698.488% em 2018. O impacto no custo de vida da pessoas resultou em uma escassez severa de alimentos e outros bens essenciais e jogou o país em problemas graves de desnutrição e fome. Em 2021, 65,2% da população estava em situação de pobreza na Venezuela e a nação era a mais pobre da América Latina.

O professor Renan Pieri, da Faculdade Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), explica que a situação do país liderado por Nicolás Maduro é mais complicada e foi se deteriorando ao longo dos anos. “Por conta da crise econômica e do crescimento menor, o governo optou pela impressão monetária e pelo aumento dos meios de pagamento e circulação para financiar os próprios gastos”, explicou. “Isso causou um movimento forte de inflação. É um país que produz menos serviços, e ao mesmo tempo, tem mais dinheiro circulando”.

Em julho deste ano, a Venezuela registrou uma inflação anual de 43,6%, com alta no preço dos alimentos de 41,4%, segundo dados do Banco Central. No mesmo período em 2023, a taxa tinha sido de 398,2% e 402,6%, respectivamente. Em relação à inflação mensal, o número foi o menor em doze anos com uma variação de preços de 0,7% no último mês. Ou seja, de fato houve uma queda na inflação venezuelana, porém o país ainda possui uma das maiores taxas do mundo, como mostra o Fundo Monetário Internacional (FMI).

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Segundo o especialista em Economia, houve medidas do governo venezuelano para conter a inflação no país por conta da eleição presidencial, que aconteceu em 28 de julho. “É reportado que Maduro promoveu um aperto fiscal e monetário este ano com intuito de reduzir a inflação próximo da eleição”, afirmou Pieri. “Ele permitiu, principalmente, a circulação de dólares na economia, ajudando a conter o aumento de preços. O Banco Central também entrou no mercado vendendo dólares, o que aprecia a moeda local e melhora o poder de compra”.

“É uma estratégia eleitoral, é por isso que a taxa caiu na Venezuela. Provavelmente, a gente deve ter um aumento nos preços no futuro”, disse.

Inflação alta na Argentina

O professor esclarece que “a situação da Venezuela e da Argentina são bem distintas no que diz respeito à inflação e ao combate dela”. Segundo Pieri, embora o índice esteja mais alto na Argentina, a taxa já estava em uma trajetória de crescimento contínuo. “Parte do que temos hoje é por conta da inflação que já existia no passado, então é natural que ela seja maior. Nós chamamos isso de inflação inercial. Temos um número alto e a expectativa das pessoas é que os preços continuem subindo”, disse.

Em 12 meses, a inflação na Argentina chegou a 263,4%, segundo dados do Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec). A taxa acumulada nos alimentos chegou a 285% no mês de julho em 2024, contra 117% em 2023. Apesar de não chegar à hiperinflação da Venezuela, a Argentina possui hoje a maior inflação anual do mundo. A pobreza também é uma problema e atingiu 55,5% no primeiro trimestre de 2024, segundo o relatório da Universidade Católica da Argentina (UCA).

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Como mostrou o Estadão, o presidente Javier Milei vem implementando medidas radicais para o controle da inflação, com cortes dramáticos no orçamento público. O país registrou superávits fiscais há cinco meses consecutivos. “Na maior parte dos meses deste ano, houve um sucesso para a redução da taxa (de inflação), mas ainda permanece bastante alta”, afirmou o professor Pieri.

Os dados do FMI mostram mostra que há uma diferença significativa entre a Paridade do Poder de Compra (PPC), quantidade de moeda necessária para comprar um produto ou serviço, entre Venezuela e Argentina. O PIB per capita, que divide a riqueza econômica de um país por pessoa, da Argentina é de de US$ 26,3 mil, enquanto na Venezuela é de US$ 8,9 mil.

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