Não é verdade que o presidente Jair Bolsonaro (PL) tenha condecorado a professora Helley de Abreu Silva Batista -- morta em 2017 após salvar crianças de um incêndio em uma creche -- como heroína nacional. A professora, na realidade, foi condecorada pelo presidente Michel Temer com a Ordem Nacional do Mérito em 2017. Pela gestão de Bolsonaro, Helley foi incluída entre os homenageados de uma campanha da Secretaria Especial de Comunicação da Presidência da República (Secom), de setembro de 2020. Além disso, o nome de Helley não está listado no livro de Heróis e Heroínas da Pátria.
O Estadão Verifica encontrou postagens nas redes sociais que fazem menção à falsa condecoração ao menos desde janeiro de 2019. Uma imagem compartilhada no Facebook apresenta o presidente Bolsonaro ao lado de uma foto da professora, com a legenda: "Em reunião com ministros, o presidente Bolsonaro assinou uma declaração oficial, que condecora a professora Heley como heroína nacional. Emocionado, Bolsonaro elogiou a conduta da professora, que deu sua própria vida para salvar as crianças".
O conteúdo verificado aqui foi postado no Facebook em janeiro de 2020 e alcançou mais de 19 mil compartilhamentos.
Para checar a postagem, o Estadão Verifica consultou uma nota da Secom da época da condecoração concedida por Temer, em 2017. Também acessamos um">?s=20">tweet
O Verifica pesquisou ainda sobre o que significar ser considerado Herói da Pátria. O Brasil mantém uma lista de Heróis e Heroínas da Pátria, gravados em um livro de aço guardado no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Mas não há nenhuma menção ao nome da professora Helley na lista de heróis.
O incêndio
Heley de Abreu Silva Batista era professora de uma creche na cidade de Janaúba (MG). Ela morreu no dia 5 de outubro de 2017 após salvar 25 crianças de um incêndio que aconteceu na creche. O fogo foi provocado propositalmente por um vigilante que trabalhava no local.
De acordo com relato de testemunhas, a professora, à época com 43 anos, protegeu as crianças do fogo com a ajuda de outros funcionários. Helley também abraçou e lutou corporalmente contra o vigilante, impedindo que o funcionário espalhasse ainda mais fogo pelo local. Ela teve cerca de 90% do corpo queimado e não resistiu aos ferimentos. Além da morte de Helley, o incêndio fez pelo menos outras oito vítimas, sendo sete crianças e uma outra professora da creche.
Condecoração de Michel Temer
No dia 8 de outubro de 2017, três dias após a morte de Helley, o presidente Michel Temer condecorou a professora com a Ordem Nacional do Mérito. De acordo com o site do governo federal, a honraria tem o objetivo de "galardoar cidadãos e instituições, brasileiros e estrangeiros, que, por motivos relevantes, se tenham tornado merecedores de reconhecimento pelo Estado brasileiro". O site também diz que a nomeação dos condecorados é feita por decreto do presidente da República, mediante proposta do Conselho da Ordem.
Na ocasião da homenagem à professora, a Secom escreveu que Helley "sacrificou sua própria vida para salvar a vida de seus alunos, em um gesto de coragem e de heroísmo que emocionou a todos".
Homenagem em 2020
Em 3 de setembro de 2020, já na gestão do presidente Bolsonaro, a Secom lançou a campanha #UmPovoHeroico, no YouTube e nas redes sociais. De acordo com a divulgação, a proposta da campanha era apresentar a história de heróis anônimos da atualidade para "fazer-nos olhar para os grandes heróis do nosso passado". O vídeo de apresentação da campanha tem a participação do secretário especial da Cultura do Governo Federal, Mário Frias.
"O Brasil tem História. Uma História com verdadeiros líderes, respeitados intelectuais e grandes heróis nacionais. Alguns, conhecidos; muitos, ignorados. Uma História tão bela e grandiosa quanto desprezada e vilipendiada por anos de destruição da identidade nacional", diz a descrição do vídeo original no canal do YouTube da Secom.
Na campanha, a homenagem à professora Helley foi feita em um na conta oficial do Twitter da Secom no dia 4 de setembro de 2020. A postagem diz que ela "morreu honrosamente, salvando 25 pequenos e tornando-se um exemplo para todos. A professora Helley comprova que somos #UmPovoHeroico".
Heróis e heroínas da pátria
De acordo com reportagem da rádio do Senado, o livro dos Heróis e Heroínas da Pátria fica exposto no Panteão da Liberdade, localizado na Praça dos Três Poderes, em Brasília. O documento busca homenagear personagens de grande relevância e que marcaram a história do Brasil. Para ser incluído na lista é preciso a aprovação de Projeto de Lei tanto na Câmara quanto no Senado. Outra condição para homenagem é que a inclusão no livro de Heróis e Heroínas da Pátria só pode acontecer no mínimo dez anos após a morte do homenageado.
Fazem parte da lista, nomes como Tiradentes, Zumbi dos Palmares, D. Pedro I., Getúlio Vargas, Leonel Brizola, Santos Dumont, Machado de Assis, Miguel Arraes e Zuzu Angel.
O Estadão Verifica consultou a Secom sobre outros homenagens à professora Helley, mas não obteve resposta.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.
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