Projeto contra casamento homoafetivo não cancelaria uniões anteriores; entenda o PL

Proposta legislativa tem gerado dúvidas e insegurança nas redes sociais; veja o que dizem especialistas em Direito

PUBLICIDADE

Foto do author Gabriel Belic

Na última semana, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados debateu o Projeto de Lei (PL) 5.167/2009. O projeto estabelece que nenhuma relação entre pessoas do mesmo gênero pode equiparar-se ao casamento ou à entidade familiar. O PL pretende, portanto, acabar com o casamento homoafetivo.

O assunto tem movimentado as redes sociais com mensagens alarmistas e questionamentos. Postagens afirmam, por exemplo, que casamentos homoafetivos anteriores ao projeto de lei seriam anulados, mas isso não é verdade. O Estadão Verifica compilou as principais dúvidas sobre o assunto e consultou especialistas para entender os desdobramentos do projeto. Veja abaixo.

Histórico do PL 5.167/09 e a decisão do Supremo Tribunal Federal

O Projeto de Lei 580/2007, originalmente apresentado pelo ex-deputado Clodovil Hernandes, pretendia alterar o Código Civil para reconhecer o casamento homoafetivo. À época, não havia nenhuma garantia que reconhecesse a união entre pessoas LGBT+.

Originalmente, o projeto apresentado pelo ex-deputado Clodovil Hernandes era favorável ao casamento LGBT+ Foto: André Dusek / Estadão

PUBLICIDADE

O PL, no entanto, apresentou diversas mudanças ao longo do tempo. Oito propostas foram vinculadas (apensadas) ao texto. É o caso do PL 5.167/2009, do ex-deputado Paes de Lira e do deputado estadual Capitão Assumção (PL-ES). Neste caso, a proposta do PL estabelece que nenhuma relação entre pessoas do mesmo gênero pode equiparar-se ao casamento.

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu, por unanimidade, a união LGBT+. Assim, embora o casamento entre pessoas LGBT+ não seja assegurado por lei, a decisão da Suprema Corte garante que os casais homoafetivos têm os mesmos direitos e deveres que a legislação brasileira já estabelece para os casais heterossexuais.

Já em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) obrigou, por meio da Resolução Nº 175/2013, que todos os cartórios do País habilitassem e celebrassem o casamento civil entre pessoas do mesmo gênero. Assim, em conformidade com a decisão do STF, o CNJ proíbe que as autoridades competentes se recusem a registrarem as uniões LGBT+.

Neste ano, a bancada conservadora resgatou o projeto de Clodovil. O relator, o deputado federal Pastor Eurico (PL-PE), é contrário aos sete apensados favoráveis à união LGBT+. Em seu parecer, ele é favorável apenas à aprovação do PL 5.167/09 – que se opõe ao casamento homoafetivo.

O projeto é inconstitucional?

A Constituição Federal de 1988 dispõe sobre o princípio constitucional da igualdade. Assim, de acordo com o artigo 5º, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Publicidade

Assim, para a advogada Fernanda Perregil, especialista em Direito Antidiscriminatório e sócia do DSA Advogados, o projeto de lei é, sim, inconstitucional. Ela reforça que a Constituição Federal de 1988 prioriza a não-discriminação como um princípio e assegura a igualdade. “Isso vai contra o interesse desse projeto de lei, que viola a Constituição em vários sentidos, além de violar os direitos humanos”, diz.

Casamento homoafetivo é assegurado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2011 Foto: Pixabay

Da mesma forma, a advogada Mariana Barsaglia Pimentel, da área de Direito de Família e Sucessões do escritório Medina Guimarães Advogados, afirma que a decisão da Suprema Corte, de 2011, passa pelo princípio da igualdade. “A nossa Constituição Federal veda qualquer tipo de discriminação, por isso as discussões que surgiram sobre o PL passam pela questão da constitucionalidade”, explica.

Além de violar o princípio de igualdade, Fernanda opina que o PL é pautado em princípios religiosos. Ela diz que, embora a liberdade religiosa seja um Direito Constitucional, não é possível vincular uma religião à vida individual dos cidadãos e às práticas civis para violar a liberdade e a igualdade.

Para defender a constitucionalidade do PL, o texto do projeto diz que a própria Constituição mitiga a tese do Estado laico quando dispõe sobre os efeitos civis do casamento religioso, mas não é bem assim. Mariana, explica que, na realidade, a Constituição garante que os casamentos religiosos têm efeitos civis. Isso não significa, no entanto, que todo casamento seja de cunho religioso.

Publicidade

Mariana ainda ressalta que o projeto ainda está na Câmara dos Deputados e precisa passar por um trâmite legislativo amplo. As duas especialistas observam que, em caso de aprovação, é esperado que a proposta seja reconhecida como inconstitucional pelo STF, que deve manter a mesma decisão de 2011.

Se o projeto for aprovado, todos os casamentos LGBT+ serão anulados?

Nas redes sociais, publicações apontam que, caso o projeto de lei seja aprovado, todos os casamentos homoafetivos que já foram concretizados serão anulados, mas isso não é verdade. Isso porque o inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição Federal afirma que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

Dessa maneira, Fernanda explica que a eventual aprovação da lei não tem capacidade de retroagir. “O problema é ter a aprovação de uma lei daqui para frente, mas retroagir está fora de cogitação”, explica. Assim, casamentos entre pessoas LGBT+ celebrados antes de uma possível aprovação do PL não seriam prejudicados.

Da mesma forma, Mariana diz que, na esfera jurídica, “seria quase impossível a desconstituição ou a anulação dos casamentos que já foram realizados”. A advogada de Direito de Família e Sucessões também ressalta que, quando se trata de direitos humanos e direitos fundamentais, existe o princípio da vedação ao retrocesso, com finalidade de proteger esses direitos.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.