O presidente Jair Bolsonaro afirmou que apresentaria na noite desta quinta-feira, 29, provas de fraude nas eleições. Isso não aconteceu. O que ele fez foi apresentar vídeos antigos que circulam nas redes sociais e repetir alegações falsas já desmentidas pelo Projeto Comprova, pelo Estadão Verifica e por outras agências de checagem. Veja o apanhado de falsidades na lista abaixo:
Vídeo usado para contestar fraude mostra sistema que não é usado em urnas
Como parte das "provas", Bolsonaro mostrou um vídeo no qual um homem alega ser "fácil fraudar" as urnas eletrônicas por meio de alterações no código-fonte. Isso é falso. Conforme o TSE explicou ao Projeto Comprova e como confirmou um especialista em tecnologia, o código-fonte tem mecanismos de segurança que impedem que a urna funcione com arquivo modificado.
O código-fonte é desenvolvido por uma equipe restrita do TSE e de alguns colaboradores. Ele tem mecanismos de criptografia que impedem que seja modificado após ser lacrado. Antes disso, ele é colocado à prova nos chamados Teste Públicos de Segurança. Os interessados, de pessoas da sociedade civil até partidos, têm acesso a ele para tentar hackeá-lo. Isto é, buscam fragilidades e falhas do sistema, e a Justiça Eleitoral as corrige.
Diferentemente dos computadores comuns, cada urna conta com uma "cadeia de confiança" que verifica a autenticidade e a integridade de cada componente. Ou seja, impede que softwares alheios à Justiça Eleitoral sejam carregados e executados.
O Projeto Comprova consultou Paulo Lício de Geus, professor do Instituto de Computação e CIO da Universidade Estadual de Campinas, que esclareceu não ser possível programar votos como mostra o vídeo. Segundo o especialista, as imagens foram usadas para enganar pessoas que não entendem de computação por meio de um programa de demonstração, mas que não têm relação com o sistema do TSE, exceto a aparência do painel.
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PF descartou denúncia de fraude em urnas do Maranhão
Bolsonaro exibiu uma reportagem do Jornal da Band, de 24 de novembro de 2008, sobre um suposto caso de fraude nas urnas eletrônicas na cidade de Caxias, no Maranhão. A denúncia se baseou em um relatório produzido por uma dupla contratada por uma coligação derrotada nas eleições municipais.
Como mostrou o Estadão Verifica, esse caso foi arquivado em janeiro do ano seguinte, depois que um laudo técnico da Polícia Federal concluiu que não houve adulteração do equipamento nem manipulação de votos. O presidente já havia compartilhado a notícia fora de contexto em suas redes sociais, no dia 12 de julho.
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Bolsonaro engana ao associar ataque hacker a urnas eletrônicas
O presidente deu voz a uma postagem enganosa muito compartilhada no Facebook. Ele indagou, ironicamente, por que razão "o hacker está preso". Ele faz referência ao hacker VANDATHEGOD, como é conhecido Marcos Roberto Correia da Silva. Ele foi preso acusado de ter vazado os dados pessoais de 220 milhões de brasileiros. Inicialmente, a origem dos dados foi apontada como a empresa de análise de crédito Serasa, o que a entidade nega.
O hacker também é acusado de ter invadido o site do TSE durante o primeiro turno das eleições de 2020. Como mostrou essa checagem do Projeto Comprova, o vazamento de dados do ano passado expôs apenas dados administrativos antigos disponíveis no site do TSE. O então ministro da Justiça, André Mendonça, nomeado por Bolsonaro para o Supremo Tribunal Federal (STF), negou que o ataque tenha prejudicado a segurança das eleições.
Denúncia de 2018 foi arquivada por falta de provas
Bolsonaro citou uma denúncia de fraude durante as eleições de 2018 feita por um engenheiro e um advogado. Essa denúncia foi amplamente divulgada em 2020 como se fosse acompanhada de "provas robustas", o que é falso. O relatório da equipe técnica informou que a denúncia se baseia "sobre confusões, inverdades e em fatos sem base sólida".
A denúncia se baseia em imagens da Globo News sobre a apuração em tempo real em 7 de outubro, dia do primeiro turno das eleições de 2018. Nessa data, os dados de São Paulo e Minas Gerais não foram divulgados de forma simultânea aos de outros Estados, o que levantou suspeitas nos autores.
O que ocorreu foi uma instabilidade na empresa contratada pelo TSE para divulgar os dados para os meios de comunicação. O erro, portanto, não se deu na totalização, mas sim na divulgação para a mídia. Depois disso, o contrato com a empresa foi encerrado.
Padrão da apuração das eleições 2014
O presidente utilizou argumentos infundados, divulgados inicialmente em um vídeo de 2018 de Naomi Yamaguchi, irmã da médica Nise Yamaguchi, conhecida por defender tratamentos ineficazes contra a covid-19. Até o momento, não há provas de que tenham ocorrido fraudes nas urnas eletrônicas desde sua implementação, em 1996.
Bolsonaro apresentou como indício de fraude eleitoral a apuração minuto a minuto dos votos para presidente no segundo turno de 2014. O candidato derrotado, Aécio Neves (PSDB), começou bem à frente, e chegou a ter parcial de 67% às 17h05, no início da contagem, quando apenas 139 mil votos haviam sido totalizados -- a maioria do Sudeste. Porém, à medida em que urnas de outras regiões foram contabilizadas, Dilma Rousseff (PT) diminuiu a distância para o adversário. Às 19h32, com 94,5 milhões de votos apurados, ela assumiu a dianteira. A corrida permaneceu acirrada até o fim da apuração, e a petista se reelegeu com 51,64% dos 105,5 milhões de votos válidos.
Isso não é indício de fraude - como o Comprova explicou, a contabilização dos votos não é distribuída de maneira uniforme durante o período de apuração. O tucano liderou nas regiões Sudeste e Sul do País, cujos dados foram processados primeiro. Dilma venceu por uma diferença de 12 milhões de votos no Nordeste, uma das últimas regiões a ter votos contados, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"Os primeiros dados da apuração são recebidos da região Sudeste, e os últimos das regiões Norte e Nordeste, sendo esperado que a referida candidata possua realmente a vantagem nas regiões em que recebeu mais votos", afirmou o tribunal, em nota.
"Consequentemente, ao analisar a linha temporal das parciais nessas regiões onde teve mais votos, é esperado que as variações percentuais sejam mais favoráveis para aquela candidata."
Além disso, como a verificação do Comprova indicou, é natural que no começo da apuração a diferença entre os candidatos seja maior do que no resultado final. O fato de a porcentagem de Aécio ter diminuído após atingir 67% não significa que ele "perdeu" votos - apenas indica que a diferença proporcional entre os dois candidatos ficou menor.
Como é possível ver, o gráfico da eleição de 2018, na qual Jair Bolsonaro saiu vencedor contra o petista Fernando Haddad, tem o mesmo padrão das eleições de 2014. Haddad começou com mais votos, mas teve uma queda brusca a partir das 17h10 e foi ultrapassado por Bolsonaro às 17h15. A partir de então, as duas linhas se estabilizam e não mais se alternam.
Análise com metodologia errada
Em um vídeo de 2018, o analista entrevistado por Yamaguchi mostrou cálculos que fez sobre a eleição de 2014 como se fossem provas de uma suposta fraude que levou à vitória de Dilma Rousseff sobre Aécio Neves. As alegações são infundadas e se baseiam em uma operação matemática errada.
Os dados que o analista utiliza são dos resultados das parciais divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O suposto especialista afirma no vídeo que Dilma e Aécio se alternam, minuto a minuto, quando se calcula quem mais avançou na apuração em relação à prévia de votos anterior. A alegação é falsa e está baseada em uma conta errada.
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Votação estável em São Paulo não indica fraude
Bolsonaro também engana ao afirmar que a estabilidade das parciais dos candidatos à Prefeitura de São Paulo no início e no final da apuração dos resultados do 1º turno das eleições 2020 seria mais um indicativo de fraude nas urnas eletrônicas. Ele compara os percentuais dos candidatos com 0,39% das urnas apuradas e os percentuais ao final da apuração.
Como demonstrou uma verificação do projeto Comprova, não há nenhuma evidência sólida de que ocorreram irregularidades no pleito. As parciais dos candidatos permaneceram estáveis porque houve pouca variação na proporção de votos que cada candidato teve em diferentes zonas eleitorais. O ex-prefeito Bruno Covas, por exemplo, venceu em todas as regiões de São Paulo, enquanto Guilherme Boulos (PSOL) ficou em segundo lugar em quase todas - as exceções foram apenas duas zonas eleitorais.
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