O que estão compartilhando: postagens que reproduzem, sem indicar a data, reportagem da TV Record sobre relatório fiscal elaborado pela Receita Federal que aponta indícios de que o filho mais velho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, opera empresas-fantasmas para “disfarçar operações milionárias”. A matéria também aborda repasses suspeitos de empresa telefônica a uma empresa de Lulinha, que teriam sido utilizados para a compra do sítio de Atibaia, no interior de São Paulo.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: está fora de contexto. O vídeo reproduz uma reportagem antiga da TV Record, exibida em 13 de dezembro de 2019, mas que foi espalhada recentemente pelo WhatsApp sem indicar a data, sugerindo que os fatos são atuais e que a TV Globo não iria mostrá-los.
A reportagem cita duas investigações contra Lulinha: a primeira, da Receita Federal, apurava o uso de empresas fantasmas para receber valores milionários; a segunda investigava lavagem de dinheiro envolvendo empresas ligadas ao filho mais velho de Lula.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o primeiro inquérito foi baseado em um processo administrativo da Receita Federal, mas acabou arquivado em 2021 “por não haver provas suficientes de crime”. O segundo teve o arquivamento solicitado pelo MPF em dezembro de 2021 após o Supremo Tribunal Federal (STF) declarar o ex-juiz Sérgio Moro suspeito para julgar os casos da operação. Em janeiro de 2022, a Justiça Federal em São Paulo arquivou o inquérito.
Atualmente, segundo o Tribunal Regional da 3ª Região (TRF-3/SP) – que assumiu o caso, apurado até 2020 pelo TRF-4 – não há outras ações ou procedimentos investigando Fábio Luís Lula da Silva. Já o MPF informou que não há investigações públicas em curso contra nenhuma das empresas de Lulinha apontadas na reportagem de 2019. No entanto, destacam os órgãos, eventuais investigações em segredo de justiça não aparecem nas buscas.
Saiba mais: A reportagem da TV Record repercute investigações contra Fábio Luís Lula da Silva na Operação Lava Jato. Uma delas envolve dados do Processo Administrativo nº 10872-720.177/2018-58, da Receita Federal. O número aparece no documento compartilhado pela reportagem. Segundo seu teor, Lulinha operava empresas fantasmas para disfarçar operações milionárias e não pagar impostos. Procurado pelo Estadão Verifica, o MPF informou que o processo administrativo deu origem a um inquérito policial que foi arquivado em maio de 2021 por não haver provas suficientes de crime.
A reportagem da Record também traz dados de investigações que deram origem à 69ª fase da Lava-Jato, denominada Mapa da Mina. Ela foi deflagrada em 10 de dezembro de 2019 pela PF, em cooperação com o MPF e a Receita Federal. Uma das suspeitas apuradas é divulgada na matéria: pagamentos de mais de R$ 132 milhões feitos pela operadora Oi/Telemar para empresas do Grupo Gamecorp/Gol. Matéria do Estadão mostra, à época, que a suspeita dos investigadores era de que parte desses recursos teria sido usada para a compra do sítio de Atibaia, pivô da condenação de Lula a 17 anos de prisão.
A reportagem que voltou a circular pelo WhatsApp foi veiculada em 13 de dezembro de 2019. No fim da matéria, o âncora do telejornal destaca a resposta da defesa de Lulinha: “A defesa de Fábio Luís Lula da Silva entrou com um recurso no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, solicitando a anulação dessa etapa da Lava Jato”.
Na mesma data em que a matéria da Record foi ao ar, o posicionamento da defesa de Lulinha foi noticiado em outros veículos (Estadão, Folha e O Globo). As reportagens mostram que o pedido dos advogados se refere à 69ª fase da Lava Jato, denominada Mapa da Mina.
No dia 11 de março de 2020, o TRF-4 determinou que a investigação fosse encaminhada para a Justiça Federal de São Paulo. A investigação prosseguiu na 10ª Vara Federal de São Paulo até que, em 14 de dezembro de 2021, o Ministério Público Federal se manifestou pelo arquivamento do inquérito, após o STF declarar o ex-juiz Sérgio Moro suspeito para julgar os casos da Operação Lava Jato contra Lula. Em janeiro de 2022, a Justiça Federal em São Paulo arquivou o inquérito.
Lulinha é sócio de cinco empresas
Lulinha não é mais sócio da Gamecorp desde 2020, como mostra matéria da Folha. Ele figura atualmente como sócio de cinco empresas: LLF Participações-Eireli, BR4 Participações LTDA, G4 Entretenimento e Tecnologia Digital LTDA e FFK Participações LTDA (citadas pela reportagem), além da LLF Tech Participações Ltda.
O Estadão Verifica questionou a Receita Federal, a Polícia Federal e o MPF sobre investigações envolvendo essas empresas. A Receita Federal disse que, “em razão do sigilo fiscal, imposto pelo Código Tributário Nacional (art. 198), a Receita Federal não se manifesta sobre situações de contribuintes específicos”.
A PF respondeu que “não fornece detalhes acerca de eventuais envolvidos em suas atividades”. Já o MPF diz que não há processos públicos em andamento. A mesma resposta deu o TRF-3. No entanto, os órgãos afirmaram que as pesquisas feitas pelos CNPJs das empresas só retornam processos públicos e que, caso haja alguma investigação sob sigilo, elas não aparecem.
Não há terrenos vazios como sede das empresas
O Verifica buscou todos os registros de empresas em nome de Fábio Luís Lula da Silva junto à Receita Federal e à Junta Comercial de São Paulo (Jucesp), assim como os endereços em que funcionaram desde a abertura de cada uma delas, e não encontrou terrenos vazios registrados como sede das empresas. Duas delas – a Gamecorp e a BR4 Participações – chegaram a funcionar no passado em um endereço onde, atualmente, há um terreno murado.
Segundo a reportagem da Record, havia uma suspeita de que o filho mais velho de Lula operasse empresas fantasmas porque ao menos duas delas funcionavam em endereços vazios. Mas, apenas esta informação, isolada, não é suficiente para apontar que é uma empresa fantasma, como explica advogado ouvido pelo Verifica (leia mais abaixo). Atualmente, todas as empresas de Lulinha funcionam em endereços conhecidos de São Paulo.
O que é uma empresa fantasma?
O Estadão Verifica conversou com o advogado Lucas Fernando Serafim Alves, sócio do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados e especialista em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para explicar o que é uma empresa fantasma e o que significa, do ponto de vista jurídico, uma empresa ter sede em um terreno vazio, como afirma a reportagem antiga da Record.
Segundo ele, a identificação de uma empresa fantasma vai muito além do endereço, ou seja, do espaço físico onde ela funciona. Na prática, operar em um endereço vazio é um mero indício que pode ajudar na identificação inicial de uma empresa que pode, sim, ter irregularidades. Para identificar se uma empresa é mesmo fantasma, é preciso analisar as operações dela.
“A empresa fantasma é formada, fundada, criada, sem o propósito que o contrato social diz. Por exemplo, eu crio uma para vender maçãs, mas não vendo maçãs, e sim simulo a venda de maçãs para receber dinheiro de corrupção”, exemplifica.
Ou, ainda, é possível que uma empresa legítima seja usada para um fim criminoso. “O que identifica é a sua operação em si, e não apenas elementos como o endereço. Para ter esses dados, com certeza precisa de uma apuração de dados, principalmente da Receita, ou por quebra de sigilo bancários ou fiscal”, explica Lucas.
“Todos esses indícios, de não ter endereço, são indícios de que pode haver uma operação ilegal, mas não há óbice. Esse simples fato, isoladamente, não indica que seja uma empresa de fachada”, afirma.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.