O que estão compartilhando: que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) votará uma resolução que obriga os Conselhos Tutelares a encaminharem para aborto qualquer gestação de menores de 14 anos, independentemente do conhecimento ou consentimento dos pais e a qualquer idade gestacional, até os nove meses. Sobre este último ponto, a legenda da postagem analisada diz que há descumprimento de qualquer norma já vista no País.
O Estadão Verifica apurou e concluiu que: falta contexto. A resolução não ampliaria as hipóteses permitidas para aborto legal no Brasil. Atualmente, é permitida a interrupção da gravidez em casos de estupro - o Código Penal considera estupro de vulnerável qualquer relação sexual com menores de 14 anos. Quanto à idade gestacional para realização do procedimento médico, não há restrição prevista na legislação brasileira. Isso consta em decisão de maio do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
A resolução do Conanda aponta diretrizes para os órgãos do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente (SGDCA) no atendimento a casos de gravidez de menores de 14 anos decorrentes de estupro. O objetivo, segundo o texto, é que haja garantia do acesso à interrupção da gestação da forma mais célere possível e sem a imposição de barreiras sem previsão legal. A resolução não estabelece obrigação de Conselhos Tutelares a encaminharem o aborto, nem estabelece sanção a esses órgãos. O que fica definido é que as crianças devem ser informadas sobre o direito legal de interromper a gravidez.
A resolução indica que não é necessária a comunicação aos pais para realização do aborto, no caso em que essa comunicação possa causar danos à criança ou em que houver suspeita de abuso sexual na família. Além disso, quando houver divergência entre a opinião dos pais e da criança, prevalece a opinião da criança.
A resolução foi aprovada, mas não entrou em vigor. Uma decisão da Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu a medida após pedido da senadora Damares Alves (Republicanos-DF). O governo federal votou contra a resolução, afirmando que as diretrizes deveriam ser definidas em lei pelo Congresso Nacional.
Saiba mais: A postagem faz referência à resolução do Conanda que “dispõe sobre o atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual e a garantia de seus direitos”, conforme consta na abertura do texto. A resolução foi aprovada por maioria de votos em assembleia extraordinária do dia 23.
A resolução não propõe qualquer alteração ao que consta na legislação brasileira em relação ao aborto, que é permitido, de acordo com o Código Penal, em casos de estupro e de risco à vida da grávida. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizou o aborto também em situações em que é constatada, por meio de parecer médico, a anencefalia do feto: ausência parcial do encéfalo e da calota craniana.
O que a resolução faz é regulamentar as condutas dos órgãos do SGDCA para atendimento a casos de gravidez de menores de 14 anos, decorrente de estupros, para que haja garantia do acesso à interrupção da gestação “da forma mais célere possível e sem a imposição de barreiras sem previsão legal”.
O Conanda é um órgão colegiado vinculado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Ele é formado por representantes do governo federal e da sociedade civil, e tem a atribuição de definir as diretrizes para a Política Nacional de Promoção, Proteção e Defesa dos Direitos de Crianças e Adolescentes.
O SGDCA foi instituído em 2006, na Resolução nº 113 do Conanda, para fortalecer a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e garantir a proteção integral à infância e adolescência. O SGDA é formado por conselhos tutelares, juízes, promotores, policiais e profissionais que trabalham nas políticas públicas de educação, saúde e assistência social.
Postagem omite contexto de estupro
A postagem cita que a resolução determina encaminhamento para aborto de “qualquer gestação de menor de 14 anos”. A publicação omite o contexto de estupro, do qual trata o documento do Conanda. Assim, sugere que há uma inovação na normativa que alteraria o que determina a legislação brasileira para casos de aborto legal. No entanto, como consta na resolução, considera-se gestação decorrente de estupro de vulnerável toda gravidez de criança ou adolescente de até 14 anos, sendo irrelevante a análise sobre o consentimento na relação sexual.
O entendimento é o mesmo que consta no artigo 217-A do Código Penal, que considera crime de estupro de vulnerável ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime (§ 5º).
Legislação não prevê limite de tempo para interrupção da gestação
Ao contrário do que diz a postagem, há previsão legal para que o aborto nos casos previstos em lei seja realizado em qualquer idade gestacional.
No artigo 32, a resolução do Conanda estabelece que “o limite de tempo gestacional para a realização do aborto não possui previsão legal, não devendo ser utilizado pelos serviços como instrumento de óbice para realização do procedimento”.
De fato, ao suspender, em maio, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proibia a utilização da técnica assistolia fetal para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, afirmou que a legislação brasileira não estabelece limitações temporais para a realização do aborto legal.
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No artigo 5º, a resolução do Conanda define que o acesso ao aborto legal de crianças e adolescentes será regido, entre outros princípios, pela “prevalência, primazia e precedência do superior interesse e dos direitos das crianças e adolescentes”.
Nesse sentido, a resolução estabelece (artigo 31) que o acesso à interrupção legal da gestação não dependerá da comunicação aos responsáveis legais quando isto puder ocasionar danos à criança ou adolescente, nos casos em que houver suspeita de violência sexual ocorrida na família.
Antes, no artigo 25, o texto define que “se a presença dos responsáveis puder causar danos físicos, mentais ou sociais à criança ou adolescente, e se ela tiver capacidade de tomada de decisão, o profissional deve garantir que o procedimento de escuta, manifestação da vontade e quaisquer outros tratamentos ou cuidados, devidamente consentidos, sejam realizados sem qualquer impedimento”.
Resolução não entrou em vigor
A resolução foi aprovada por maioria de votos, no dia 23, por 15 a 13. Todos os integrantes do governo federal votaram contra. Em nota, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania informou que a consultoria jurídica da pasta emitiu um parecer contrário ao texto.
"O parecer indicou, entre outros aspectos, que a minuta de Resolução apresentava definições que só poderiam ser dispostas em Leis - a serem aprovadas pelo Congresso Nacional, indicando a necessidade de aperfeiçoamento e revisão de texto, garantindo maior alinhamento ao arcabouço legal brasileiro", comunicou a nota.
Para entrar em vigor, a resolução precisa ser publicada no Diário Oficial da União, o que não aconteceu. No dia 24, a 20ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal suspendeu a resolução provisoriamente, sob a justificativa de não ter havido “ampla deliberação de tão relevante política pública”. A decisão atende a uma ação apresentada pela senadora Damares Alves (Republicanos-DF) e impede a publicação no DOU.
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