O que estão compartilhando: que o fim do mundo pode acontecer em 2029 graças ao asteroide Apophis, que vai se aproximar da Terra no dia 13 de abril daquele ano e pode colidir com o planeta Terra; o impacto da colisão será milhares de vezes maior do que o da bomba de Hiroshima e, se o asteroide cair no oceano, provocará tsunamis que irão dizimar áreas costeiras.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Se o mundo acabar em 2029, certamente não será por conta do asteroide Apophis, já que o risco de que ele colida com a Terra daqui a menos de seis anos foi descartado em 2021 por astrônomos que analisaram exaustivamente sua órbita. Também não há riscos, segundo a agência espacial americana, a Nasa, de que o Apophis colida com a Terra em 2036 e 2068, como se acreditava antes.
Na realidade, o planeta está livre de uma colisão deste asteroide pelos próximos 100 anos, diz a Nasa. Para o astrônomo Othon Winter, professor da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), estamos seguros por ainda mais tempo: “Não há a menor possibilidade de colisão com a Terra em 2029, nem nos próximos 200 anos”, diz.
Winter é coautor de um estudo sobre o Apophis publicado em 2022. O vídeo aqui investigado se baseia em notícias publicadas no ano passado a respeito do estudo, mas distorce informações, confere um tom alarmista às conclusões e inventa dados e previsões que sequer foram apontadas no artigo científico, fruto de uma parceria entre a Universidade Carlos III de Madrid (UC3M) e a UNESP.
Saiba mais: O asteroide Apophis foi descoberto em 2004 e, na época, ele foi identificado como perigoso por causa do risco de colisão com a Terra já em 2029. O risco já foi descartado, mas a aproximação está mantida e ele deve passar a cerca de 36 mil quilômetros da superfície da Terra em 13 de abril de 2029.
“Diversos asteroides já passaram mais próximo. Porém, são corpos menores. Apophis tem aproximadamente 300 metros de diâmetro. O que chama muito a atenção sobre Apophis é que ele passará perto da Terra e tem um tamanho ‘grande’”, explica Winter. “Se ele colidisse com a Terra, poderia causar uma destruição significativa. Mas, isso certamente não ocorrerá pelos próximos 200 anos”, completa.
Em março do ano passado, Winter e outros pesquisadores da Unesp e da Universidade Carlos III de Mardi (UC3M) publicaram um artigo no qual analisavam as características do Apophis e os efeitos de sua aproximação com a Terra em 2029. Os estudiosos mencionaram que a colisão já tinha sido descartada, mas que esse não era o único evento possível decorrente de um aproximação – que poderá ser usada, inclusive, pra melhorar a qualidade dos dados sobre o asteroide.
Eles apontaram que, ao se aproximar da Terra, o Aphopis poderá ter partículas arrancadas por conta da força gravitacional, mas isso não significa que haverá um impacto significativo no planeta.
“A interação gravitacional entre um planeta e um corpo como Apophis pode alterar a forma do corpo, quebrar o corpo em pedaços, desintegrar possíveis pedras soltas na superfície do asteroide ou até mesmo remover outros corpos que orbitam o asteroide (como rochas, satélites, ou anéis)”, disse o pesquisador Gabriel Borderes-Motta, do Departamento de Bioengenharia e Engenharia Aeroespacial da UC3M, ao site da universidade.
Eles descobriram que, pelo fato de o Apophis ser um asteroide de baixa densidade, 90% das partículas seriam arrancadas dele durante a aproximação com a Terra, e que o a passagem próxima ao planeta poderá afetar ligeiramente as marés e provocar alguns deslizamentos de terra na superfície do próprio asteroide – ou seja, um impacto muito menos significativo do que diz o vídeo aqui investigado, com mais de 44 mil visualizações. Para Othon Winter, as “previsões” do vídeo são “pura invenção”.
Por que o Apophis não representa mais risco para a Terra?
Como explicado por Othon Winter, o Apophis assustava por uma combinação entre passar perto da Terra e ser grande, além de haver, na época da descoberta, uma chance pequena de que ele colidisse com o planeta. Mas, o risco foi descartado à medida que astrônomos observaram sua órbita durante uma passagem distante pela Terra em 5 de março de 2021.
Ele foi até removido da lista de risco do Sentry System, ligado ao Jet Propulsion Labortory (JPL) Center for Near Earth Object Studies (Cneos), mantido pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia da Nasa, nos Estados Unidos. O Sentry é um sistema automatizado que busca asteroides nos catálogos mais recentes e analisa a possibilidade de impacto com a Terra pelos próximos 100 anos.
A Nasa publicou uma animação que simula a aproximação do Apophis com a Terra em 2029:
“Desde a descoberta, a órbita foi exaustivamente estudada e já sabemos com enorme precisão que a colisão não vai acontecer. Caso colidisse, realmente o dano poderia ser bem grande. Não o suficiente para o fim do mundo, mas, caindo em uma área povoada, poderia ser devastador”, explica o astrônomo Thiago Gonçalves, que é doutor em Astrofísica, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Observatório do Valongo, também no Rio.
Pela distância de aproximação – 36 mil quilômetros – a passagem poderá ser observada por cientistas e curiosos. “Isso é aproximadamente 1/10 da distância à Lua, um fio de cabelo em termos astronômicos. Será visível a olho nu, mais brilhante que muitas estrelas no céu”, explica Thiago Gonçalves.
É possível que haja uma imprecisão em relação à distância entre o asteroide e a Terra, mas algo em torno de 3 km apenas. “Ou seja, não há nenhuma chance de colisão. E depois disso não há nenhuma aproximação prevista por centenas de anos”, completa o astrônomo.
E se alguma partícula se desprender?
Bom, isso pode mesmo acontecer, e é sobre isso que fala o estudo feito pela UC3M e pela Unesp. Mas, segundo Thiago Gonçalves, os pedaços que poderão se soltar serão rochas de menos de 1 metro, e elas passarão a uma velocidade tão alta que não há chance de que atinjam o solo – no máximo, formarão algumas estrelas cadentes.
O resumo do artigo aponta que, por conta do efeito da radiação, apenas partículas de centímetros sobreviveriam.
Há algum outro asteroide em rota de colisão com a Terra?
Não, pelo menos por enquanto. A tabela de risco do Sentry System, da Nasa, listava, até o final da tarde de 12 de setembro de 2023, 25 asteroides cadastrados e com algum potencial impacto na Terra nos próximos 100 anos. Todos eles, contudo, representavam risco zero na Escala de Turim que, em termos técnicos, mede os riscos de impacto de asteroides com a Terra, dependendo do tamanho e da aproximação.
Segundo o sistema, é comum que, à medida que novos dados apareçam, os asteroides desapareçam da lista de risco, que é o caso do Apophis, identificado pelo número 99942 e removido do sistema em 21 de fevereiro de 2021.
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