É falso que um escritório de advocacia do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), defenda empresas envolvidas na tragédia de Brumadinho em processo de R$ 9 bilhões no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma publicação com mais de 37 mil compartilhamentos no Facebook cita a informação falsa para insinuar que o parlamentar teria rejeitado o impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes com o intuito de obter vantagens em ações judiciais na corte. "Pacheco se vende ao STF, por conta de Brumadinho: R$ 9 bilhões", diz a postagem.
Não há, entretanto, registros de ações indenizatórias referentes à tragédia no sistema de consulta processual do STF. Um acordo entre a mineradora Vale, que administrava a barragem que rompeu no incidente, e o Governo de Minas Gerais foi firmado em fevereiro deste ano com mediação do Tribunal de Justiça do Estado (TJMG). A ação não chegou ao Supremo.
Antes de se eleger presidente do Senado, Pacheco foi sócio em dois escritórios de advocacia. O nome dos integrantes desses escritórios não constam em nenhuma ação sobre Brumadinho listada no site da suprema corte. Por exercer o cargo de liderança no Legislativo, Rodrigo é impedido por lei de atuar como advogado. A legislação também veda que deputados e senadores representem clientes em causas que envolvam o Poder Público.
Ao Estadão, a assessoria de imprensa do parlamentar afirmou que a mensagem é falsa. O escritório Pacheco & Rodrigues, do qual o político está licenciado por exercer a presidência do Senado, negou que a empresa atue em qualquer ação relativa à tragédia de Brumadinho. O escritório Maurício Campos Advogado, do qual Pacheco deixou a sociedade em 2016, também contestou o boato.
Ação indenizatória foi firmada no TJMG sem participação de Pacheco
A publicação repercute declarações do presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson, em entrevista cedida antes de ser preso preventivamente por decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes em um desdobramento do Inquérito das Fake News. Jefferson afirmou na entrevista que o escritório de Pacheco advogaria "para empresas de Brumadinho, que são condenadas a indenizações bilionárias".
O ex-deputado cita que a ação estaria em trâmite no STF e chegaria ao valor de R$ 8 bilhões. O Estadão Verifica buscou por processos judiciais relacionados a Brumadinho nos sistemas de consulta processual e jurisprudência da corte, mas não localizou nenhuma ação similar à citada pelo presidente do PTB. Uma grande parte das ações listadas no site do Tribunal são habeas corpus referentes à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada para investigar o episódio na Câmara dos Deputados, em 2019.
Questionada pela reportagem se alguma ação indenizatória estava em trâmite na corte, a assessoria de imprensa do STF encaminhou um processo protocolado por associações da sociedade civil, pelo PSOL e o PT, em fevereiro de 2021, que questionava a revisão do acordo de compensação entre a Vale e o Governo de Minas Gerais. Na ocasião, o ministro Marco Aurélio negou o provimento.
O acordo, que foi firmado com mediação do TJMG, determinou que a mineradora deve pagar o total de R$ 37,68 bilhões em indenizações ao Estado. Cerca de R$ 9,17 bilhões foram vinculados a programas de transferência de renda e projetos para atendimento de demandas diretas dos atingidos pelas barragens. O processo não inclui o pagamento de indenizações pessoais.
Acordo Vale e Estado de Minas - Brumadinho
Vale ressaltar, no entanto, que o nome do senador ou de seus antigos sócios em escritórios de advocacia não constam entre os advogados que assinam o documento de compensação.
Escritórios em que Pacheco atuou negam boato
Dados da plataforma Brasil.io, que compila informações de sócios de empresas brasileiras, indicam o nome do parlamentar entre os sócios do escritório Pacheco & Rodrigues Sociedade de Advogados. Apesar disso, Rodrigo Pacheco está atualmente licenciado da advocacia, como mostra o registro profissional do político na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A lei que dispõe do estatuto da OAB define que função é incompatível com cargos da mesa diretora da Câmara dos Deputados e do Senado. Já parlamentares que não ocupam essas posições nas casas legislativas podem advogar em ações judiciais, desde que os processos não envolvam o Poder Público.
Por WhatsApp, o advogado Guilherme Grimaldi, que é sócio do escritório Pacheco & Rodrigues, afirmou que a empresa nunca participou de qualquer ação referente a Brumadinho no STF ou no TJMG. O Estadão Verifica buscou por processos com o nome dos sete gestores do escritório no sistema de consulta processual do Supremo e não constatou o envolvimento deles em qualquer ação referente à tragédia socioambiental.
Antes de fundar a empresa, Rodrigo Pacheco foi sócio do Mauricio Campos Advogados, cuja razão social anteriormente continha o sobrenome do parlamentar. O político deixou a organização em 2016 para fundar seu novo escritório. Também não constam processos sobre Brumadinho com o nome dos sócios dessa empresa.
Ao Estadão, o advogado Juliano Brasileiro, que figura entre os responsáveis pelo Mauricio Campos Advogados, esclareceu que o escritório é especializado em matéria criminal e "nunca atuou em causas cíveis ou de natureza indenizatória, muito menos em ação cível relacionada ao rompimento da barragem de Brumadinho.".
Escritório atuou em ação criminal em Mariana
A assessoria de imprensa da Vale informou que Rodrigo Pacheco não está envolvido em ações da mineradora, mas disse que o escritório Maurício Campos Advogados já prestou serviços à empresa.
Uma reportagem do portal de notícias G1 indica que o escritório defendeu réus envolvidos em uma ação criminal movida pelo Ministério Público contra representantes da mineradora Samarco, uma joint-venture formada pela Vale e a multinacional BHP, no âmbito da tragédia de Mariana, em 2015. O episódio causou a morte de 19 pessoas e provocou uma série de impactos ambientais. A ação tramita no Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Rodrigo Pacheco não consta entre os advogados do processo e também não há ações indenizatórias bilionárias sobre a tragédia de Mariana relatadas no sistema de andamento processual do STF.
Procurada, a assessoria de imprensa do PTB disse que as afirmações de Roberto Jefferson foram feitas diretamente por ele e que somente o presidente do partido conseguiria responder aos questionamentos da reportagem, mas, no momento, a própria assessoria não tem como questioná-lo sobre o tema.
Em agosto, o Estadão Verifica desmentiu um boato semelhante, que tirava de contexto o número de processos em que Rodrigo Pacheco advogou no Supremo Tribunal Federal para insinuar que o parlamentar rejeitou o processo de impeachment de Moraes por estar "devendo" ao Tribunal.
Este boato foi checado por aparecer entre os principais conteúdos suspeitos que circulam no Facebook. O Estadão Verifica tem acesso a uma lista de postagens potencialmente falsas e a dados sobre sua viralização em razão de uma parceria com a rede social. Quando nossas verificações constatam que uma informação é enganosa, o Facebook reduz o alcance de sua circulação. Usuários da rede social e administradores de páginas recebem notificações se tiverem publicado ou compartilhado postagens marcadas como falsas. Um aviso também é enviado a quem quiser postar um conteúdo que tiver sido sinalizado como inverídico anteriormente.
Um pré-requisito para participar da parceria com o Facebook é obter certificação da International Fact Checking Network (IFCN), o que, no caso do Estadão Verifica, ocorreu em janeiro de 2019. A associação internacional de verificadores de fatos exige das entidades certificadas que assinem um código de princípios e assumam compromissos em cinco áreas: apartidarismo e imparcialidade; transparência das fontes; transparência do financiamento e organização; transparência da metodologia; e política de correções aberta e honesta. O comprometimento com essas práticas promove mais equilíbrio e precisão no trabalho.
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