É falso que a Suprema Corte dos Estados Unidos tenha decidido que as vacinas do tipo mRNA (RNA mensageiro) contra a covid causam "danos irreparáveis". A alegação circula em mensagens no WhatsApp, que afirmam que o caso teria sido movido por Robert Francis Kennedy Jr, filho do falecido senador Robert F. Kennedy e sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy. Com acesso ao histórico do parecer do Tribunal americano, o Estadão Verifica apurou que no período de 2020 a 2021 não há nenhuma decisão judicial sobre a segurança das vacinas. O sistema não permite fazer a consulta para o ano de 2022.
Leitores solicitaram esta checagem por WhatsApp, (11) 97683-7490.
A agência de notícias Associated Press (AP) conversou com Kennedy Jr. em 2021. Na época, ele disse que esteve envolvido em uma série de ações judiciais relacionadas à segurança da vacina, mas nenhuma chegou à esfera máxima da Justiça norte-americana. Para a AP, Kennedy falou que artigos que compartilhavam alegações semelhantes eram falsos.
Procurada pelo Estadão Verifica, a agência sanitária dos Estados Unidos, Food and Drug Administration (FDA), reforçou que os benefícios das vacinas de mRNA para covid superam em muito os possíveis riscos, e que os imunizantes protegem contra desfechos mais graves, como hospitalização e morte. A FDA complementou que as vacinas aprovadas nos EUA passam por uma avaliação minuciosa do ponto de vista da segurança e eficácia e que a agência mantém vigilância contínua sobre os imunizantes.
Falsa alegação retoma após dois anos
O Estadão Verifica desmentiu em 2020 conteúdo semelhante. Novamente, consultamos especialistas e estudos recentes das áreas de Imunologia e Infectologia que confirmam ser falsa a alegação sobre os danos da vacina mRNA.
O conteúdo que circula no WhatsApp afirma que as vacinas são um tipo de "terapia gênica" -- o termo se refere a uma forma de tratamento que, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), usa "material genético humano, manipulado em laboratório, para tratamento de doenças genéticas ou relacionadas". As vacinas contra covid, por outro lado, foram desenvolvidas para não serem incorporadas ao DNA humano e possuem materiais genéticos diferentes. É o que esclarece o infectologista Max Igor Banks Ferreira Lopes, coordenador do Ambulatório de Doenças Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Segundo ele, a principal distinção na produção desse tipo de vacina em comparação à terapia gênica é o processo biológico, que provoca o efeito imunizante.
A bióloga e imunologista Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), confirma que a vacina de mRNA funciona de forma diferente da terapia gênica. "Como o RNA não é incorporado ao DNA nas vacinas dessa modalidade, ele vira uma proteína que gera uma resposta imune e não atua, portanto, na reposição da enzima que esteja faltando, como acontece na terapia gênica", explicou.
O fato de se transformar rapidamente em uma proteína dá ao mRNA uma vida curta no nosso corpo, que não apresenta riscos às pessoas que se vacinam, como acrescenta o imunologista Rafael Assumpção Larocca, do Centro de Virologia e Pesquisa em Vacinas da Escola de Medicina de Harvard. Larocca, que vacinou seus dois filhos com a vacina do tipo mRNA, disse não ter dúvidas quanto à segurança do imunizante.
Anvisa fala sobre as vacinas de mRNA no Brasil
Em nota, a Anvisa garante que todos os dados de monitoramento e relatos de eventos adversos recebidos até o momento continuam a indicar que a relação entre benefício e risco da vacina é favorável ao uso. "Não foram identificadas preocupações de segurança que ensejassem uma investigação específica", detalha a Anvisa.
Desde a aprovação das vacinas de mRNA em uso no Brasil, os eventos adversos mais relatados, segundo o órgão, têm curta duração e menor gravidade, como dor de cabeça, febre, dor muscular e dor no local de injeção. A Anvisa ressalta que as vacinas contra o covid têm sido monitoradas de forma inédita em comparação a qualquer outro tipo de imunização já utilizado pelo Brasil e mantém a recomendação pela continuidade da vacinação com todas as vacinas aprovadas pela Agência.
O Estadão Verifica contatou a Pfizer, mas não obteve resposta até a publicação desta checagem.
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