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Número de atentados contra presidentes democratas e republicanos é igual, ao invés do que diz post

Postagem engana ao afirmar que filiação partidária foi motivação para tentativas de assassinatos contra líderes dos Estados Unidos; autor da publicação foi procurado, mas não respondeu

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Foto do author Clarissa Pacheco
Atualização:

O que estão compartilhando: que oito presidentes dos Estados Unidos sofreram tentativas de homicídio e sete deles eram republicanos, o que significa que “fazer parte do partido Republicano é quase como colocar um alvo na testa”.

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O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é enganoso. Os números não estão corretos e nem todos os crimes tiveram motivação política ou ideológica. Desde 1835, quando ocorreu o primeiro ataque, até 2024, 12 presidentes em exercício, dois ex-presidentes e dois candidatos sofreram atentados. Metade deles era do partido Republicano e a outra metade do partido Democrata. Ou seja: foram oito ataques para cada lado.

Se considerados apenas os 12 presidentes em exercício, os números também são equilibrados: seis republicanos e seis democratas. De todos os 16 ataques, quatro resultaram em morte: três integravam o partido Republicano e um era do partido Democrata. No entanto, quando os três republicanos foram mortos, entre o final do século XIX e início do século XX, o partido era bastante diferente do que é hoje, tanto do ponto de vista ideológico quanto da presença geográfica (entenda melhor mais abaixo).

O autor do post viral foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta verificação.

Não é verdade que presidentes republicanos tenham sido vítimas de tentativas de assassinato mais vezes que democratas. Foto: Reprodução/Instagram

Saiba mais: Desde o atentado sofrido pelo ex-presidente Donald Trump, no último sábado, 13, diversos conteúdos desinformativos têm viralizado nas redes sociais. Alguns tratam o caso como armação, outros tentam relacionar o tiro de raspão que atingiu Trump com a facada que atingiu o ex-presidente do Brasil Jair Bolsonaro (PL) em 2018, quando ele ainda estava em campanha.

Uma postagem no Instagram viralizou ao sugerir que republicanos são mais vítimas de atentados nos Estados Unidos do que democratas, o que não é verdade. Um levantamento feito pelo Estadão Verifica com base em um relatório do Congressional Research Service, de 2009, e nas notícias mais recentes, mostra que o número foi equilibrado: oito ataques ou tentativas de ataques para cada lado.

Candidato republicano à Presidência, o ex-presidente Donald Trump aparece na convenção do partido em Milwaukee em 17 de julho, quatro dias depois de ser baleado de raspão na orelha. Foto: Ott Olson/Getty Images North America/AFP Foto: Scott Olson/SCOTT OLSON

Números de atentados são equilibrados

De 1835 para cá, 12 presidentes dos Estados Unidos sofreram atentados enquanto ocupavam o cargo, direta ou indiretamente. Quatro deles morreram: Abraham Lincoln, em 1865; James Garfield, em 1881; William McKinley, em 1901; e John F. Kennedy, em 1963 – apenas o último era do partido Democrata.

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Oito sobreviveram ou não foram atingidos pelos ataques: Andrew Jackson, em 1835, um democrata que até pouco tempo antes do ataque era de um partido chamado “Democrata-Republicano”; Franklin D. Roosevelt, em 1933, que presidia o partido Democrata; Harry Truman, em 1950, também democrata; Gerald Ford, em 1975, republicano; Ronald Reagan, em 1981, também republicano; Bill Clinton, em 1994, democrata; George W. Bush, em 2005, republicano; e Barack Obama, em 2013, democrata.

Além de Trump, outro ex-presidente, Theodore Roosevelt, foi baleado no peito em 1912 durante um discurso, mas sobreviveu. Ele era do partido Progressista, mas também tinha filiações com o partido Republicano. Dois democratas – Robert F. Kennedy, em 1968, e George C. Wallace, em 1972 – sofreram atentados quando disputavam a eleição presidencial. O primeiro morreu, enquanto o segundo ficou ferido e se recuperou do ataque.

Dentre os ataques, dois foram indiretos, como os disparos contra a Casa Branca quando Bill Clinton estava lá, em 1994, e uma carta enviada a Barack Obama e contaminada com ricina, uma substância letal, em 2013. Os dois eram do partido Democrata. Ou seja, os ataques foram equilibrados: oito de cada lado.

Mudanças ideológicas e geográficas nos partidos Republicano e Democrata

A postagem analisada aqui afirma que “fazer parte do partido Republicano é quase como colocar um alvo na testa”. Porém, ao citar atentados ocorridos no final do século XIX e no início do XX, a publicação enganosa ignora que o partido mudou de posição ao longo da história. É o que explica o historiador Sean Purdy, professor visitante da Universidade de Toronto, no Canadá, e de História dos Estados Unidos da Universidade de São Paulo (USP).

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“O problema é comparar o Partido Republicano do século XIX com o de agora. São completamente diferentes”, explicou Purdy. “Abraham Lincoln, James Garfield e William McKinley eram de um Partido Republicano que era contra a escravidão, a favor dos direitos civis, das pessoas negras. Lincoln era bastante diferente de Trump”.

Professora de Relações Internacionais da Universidade São Judas Tadeu (USJT), Clarissa Forner pesquisa sobre a política interna e externa dos Estados Unidos e concorda com Purdy. Ela aponta mudanças inclusive de ordem geográfica: o partido Republicano surgiu no século XIX um pouco antes da Guerra Civil dos Estados Unidos, e estava muito mais ligado às colônias do Norte do que às do Sul, e também às questões ideológicas defendidas nesta região. Era no Norte que se defendiam ideias contrárias à escravidão, tendo Lincoln como um nome importante nesse campo.

“Com o passar do tempo, a gente vê uma mudança do partido Republicano, cada vez mais ganhando espaço nos estados do Sul e do Meio-Oeste dos Estados Unidos”, disse Clarissa. Além da mudança geográfica, também há uma mudança ideológica. “O partido Republicano vai se tornando mais conservador, não só no que diz respeito à questão dos direitos civis, mas também na parte econômica. A gente começa a ver que, gradualmente, quem passa a se apropriar mais dessas pautas de direitos civis são os Democratas”, apontou.

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Também por isso, Forner diz achar frágil a tentativa de associação entre os ataques e a filiação partidária dos Republicanos. “Acho que é muito difícil fazer essa associação entre a ocorrência dos atentados e a filiação partidária. As motivações dos atentados que a gente conhece, na maior parte dos casos, são questões muito localizadas, tem os contextos de cada época ou são questões individuais”, afirmou. “A maior parte dos atentados vai acontecer a partir de indivíduos que não necessariamente tinham uma vinculação política com algum movimento ou algum tipo de causa específica”.

Histórico de violência e acesso a armas nos Estados Unidos

Purdy destaca que o número de atentados contra presidentes americanos reflete o histórico de violência no país. “Os EUA são um país super violento, que vivencia guerras e conflitos violentos desde a fundação da República”, afirmou. “Estiveram em conflito com os indígenas e, depois disso, vieram as guerras mundiais e todas as intervenções externas. Se tem uma sociedade que vive de guerra”.

Outro fator lembrado pelo historiador é a grande disponibilidade de armas no país. O dado mais recente sobre armas nas mãos de civis foi levantado em 2018 pela ONG suíça Small Arms Survey. Os Estados Unidos lideram o ranking mundial em números absolutos (393,3 milhões de armas) e proporcionais (120 armas para cada 100 habitantes).

Um relatório tornado público no mês passado pelo cirurgião-geral dos EUA, Vivek Murthy, a maior autoridade em saúde pública do país, mostra que armas de fogo são a principal causa de mortes de crianças e jovens de 1 a 19 anos. O documento também revela que metade da população americana já foi vítima de violência armada. Além disso, os EUA são o país rico com o maior número de mortes por arma de fogo do mundo. Metade das mortes não intencionais ocorre em casa. Vale ressaltar ainda que há no país uma alta preocupação com tiroteios em escolas.

Clarissa Forner acredita que a questão do armamento é estrutural na história norte-americana. “É um país que, no Norte Global, historicamente tem liderado não só os índices de acesso a armamentos, mas também de homicídios, de mortes por conta de posse de armas. É uma questão estrutural e o acesso a essas armas infelizmente facilita esse tipo de acontecimento”, disse.

Atentados contra presidentes americanos tiveram diferentes motivações

O ataque sofrido por Trump no dia 13 de julho na Pensilvânia ainda está sendo investigado. O FBI, responsável pelo caso, identificou o atirador como sendo Thomas Matthew Crooks, 20 anos, sem passagens policiais. Aparentemente, ele não era uma figura politicamente ativa nas redes sociais. Mas se sabe que ele tinha um registro de eleitor republicano e que, apesar disso, fez uma doação a um comitê de causa progressista em 2021 de US$ 15.

Sobre os demais atentados a presidentes, ex-presidentes e candidatos, as motivações foram diversas. O Manual Jurídico do Departamento de Justiça dos Estados Unidos sugere que a maior parte dos autores tinha problemas mentais.

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Página do Estadão sobre a morte de John Kennedy em 1963. Motivação para o assassinato ainda é um mistério. Foto: Acervo Estadão

Para se ter uma ideia, o homem que atirou contra o republicano Ronald Reagan quando este era presidente, em 1981, o fez para chamar a atenção da atriz Jodie Foster, que tinha acabado de fazer 18 anos e encenava uma peça de teatro quando ainda era estudante. No mês passado, ela disse em entrevista à também atriz Jodie Comer, para a revista Interview, que o trauma a impediu de subir de novo ao palco de um teatro, o que não faz há mais de 40 anos.

Bem antes disso, em 1912, um ex-taberneiro atirou contra Theodore Roosevelt durante a campanha eleitoral para a Casa Branca. O atirador disse que o ex-presidente William McKinley, morto a tiros em 1901, tinha aparecido em sonho lhe pedindo para vingar sua morte, e apontando para uma foto de Theodore Roosevelt.

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