O que estão compartilhando: texto em que o advogado e político francês Gilbert Collard critica o Islã.
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. Gilbert Collard negou ser o autor do texto, que circula na internet desde 2012. Além disso, a mensagem que circula por WhatsApp mente ao dizer que o islamismo prega a matança de todos os não-muçulmanos: a religião é baseada em princípios de paz.
Saiba mais: A mensagem afirma que o deputado Gilbert Collard, político de extrema-direita filiado ao partido Reconquête, descreveu um debate entre ele e um Imã — expressão religiosa do islã usada para classificar as pessoas que guiam as orações nas congregações. O texto diz também que a França “está passando por uma fase de ‘muçulmanização’ nos hábitos e nas leis”. A peça desinformativa e intolerante circula nas redes sociais desde 2012, pelo menos, e voltou à tona após os recentes conflitos entre Israel e o grupo palestino Hamas.
Em 2012, Gilbert Collard negou ser o autor da mensagem e a classificou como islamofóbica e violenta; Na época, outro texto falso com teor semelhante também circulava atribuindo a autoria ao deputado. “Dois textos VIOLENTOS e ISLAMOFÓBICOS estão circulando na internet e são falsamente atribuídos a mim. Não sou de forma alguma o autor. Uma reclamação será apresentada”, escreveu Collard em seu site.
No ano seguinte, Gilbert voltou a esclarecer que não tinha relação com as mensagens disseminadas. Em resposta a um portal francês, ele enviou um comunicado que dizia que o texto “é uma falsificação” e uma “farsa” e esclareceu que o debate com um Imã nunca aconteceu.
Atualmente, 5,4 milhões de franceses são muçulmanos, a segunda maior religião no país europeu. Esse número, no entanto, representa apenas 8% da população da França. A maior parte do país é cristã (37,9 milhões de franceses) ou não é afiliada a nenhuma religião (20,8 milhões).
Islã não prega que não muçulmanos devem ser mortos
A peça apresenta alegações falsas sobre o islamismo, como a de que a religião “obriga” seus seguidores a “obedecer às ordens de matar qualquer pessoa não pertencente à religião, a fim de ganhar o seu lugar no Paraíso”. Segundo especialistas, a alegação não tem nenhum fundamento.
“Não tem base nenhuma no Alcorão, não há nenhuma fala que diga o muçulmano deve matar alguém por causa da sua religião, da sua fé, ou matar por matar mesmo. Isso não existe”, esclarece o sheikh Mohamad Bukai, da Mesquita Brasil.
Ele acrescenta que o Alcorão é acessível para quem quiser consultar. “Não é um livro que ainda está sendo traduzido, existe tradução em todas as línguas. Não tem outras versões do Alcorão. Só existe uma versão. O Alcorão fala sobre a liberdade religiosa, da vontade divina”, diz.
O pesquisador José Antonio Lima, do Grupo de Trabalho Oriente Médio e Mundo Muçulmano, da Universidade de São Paulo (USP), reitera que a religião é baseada em princípios de paz. “A gente está falando da segunda maior religião do mundo, com 2 bilhões de pessoas. Esse próprio fato demonstra que a imensa maioria dos muçulmanos pratica e vive a fé por meio de uma visão pacífica do mundo e da própria religião”, explica.
Segundo a Federação das Associações Muçulmanas do Brasil (Fambras) os pilares práticos do islamismo dividem-se em cinco:
- O testemunho - confessar oralmente que “não há outra divindade além de Deus”;
- A oração - praticada cinco vezes ao dias;
- A doação - atos de caridade;
- O jejum - jejuar no Ramadan (nono mês do calendário lunar) é obrigatório para todo muçulmano saudável que atinge a idade da puberdade;
- A peregrinação - visita à cidade sagrada de Meca, na Árabia Saudita, pelo menos uma vez na vida (para quem possui condições financeiras e físicas).
Por que o islamismo é frequentemente associado ao terrorismo?
Lima, que também é editor da newsletter Tarkiz sobre a política no Oriente Médio destaca alguns pontos:
Dificuldade na diferenciação entre igreja e política: segundo o pesquisador, a separação entre estado e igreja no Islã tem um perfil diferente. Ele usa o catolicismo como exemplo: “A gente tem aquela máxima de ‘Dai a César o que é de César, e a Deus, o que é de Deus’ que acaba se tornando um símbolo de separação entre estado e igreja. No Islã, essa diferenciação é muito mais nublada. Acho que a própria trajetória do Profeta Maomé mostra isso. Porque ele não era apenas uma liderança religiosa, ele era também uma liderança política e uma liderança militar.”
Manipulação religiosa: Para Lima, esse aspecto “nublado” na separação entre igreja e estado foi um fator para a manipulação da religião dentro da política: “A gente vai ver ao longo do tempo uma intensa manipulação da religião ou de aspectos religiosos para fazer avançar projetos políticos. O que chega até a gente é justamente não a prática pacífica da imensa maioria dos é muçulmanos do mundo, mas sim a manipulação da religião e de aspectos da fé feitas por atores políticos.”
11 de setembro, crise de 2007 e 2008 e crise de refugiados na Europa: Os três eventos sucessivos e históricos influenciaram a disseminação em massa de conteúdo islamofóbico, classificados pelo pesquisador como a ideia “perversa” do “choque de civilizações”. Uma idealização mobilizada em grande parte por movimentos políticos de extrema-direita na Europa: “Essas pessoas de fato acreditam nisso, de que há um choque de civilizações de novo entre um Ocidente branco e cristão contra o Islã. Então é daí que é que a gente vê essa crescente islamofobia. Já são, portanto, mais de duas décadas em que atores extremistas tanto dentro da do Ocidente, quanto no Oriente Médio, vêm fomentando essa ideia de choque de civilizações que acaba colocando na mira as populações muçulmanas.”
Leitores pediram a checagem desse conteúdo pelo WhatsApp do Estadão Verifica, 11 97683-7490. Com a guerra, outros conteúdos falsos também ganharam as redes sociais. O Estadão Verifica já desmentiu que é falso que Embaixada da Palestina em Brasília seja um QG do Hamas no Brasil, e que o governo Lula não doou dinheiro ao Hamas.
Esse conteúdo também foi checado por Boatos.Org.
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